

Em meio à escalada de endividamento, apostas online e desorganização orçamentária nas famílias brasileiras, um padrão silencioso chama atenção: a infantilização das decisões financeiras.
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Em meio à escalada de endividamento, apostas online e desorganização orçamentária nas famílias brasileiras, um padrão silencioso chama atenção: a infantilização das decisões financeiras.
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Mulheres que renunciam sua autonomia, filhos que crescem sem coragem de errar, parceiros que assumem controle absoluto da vida do outro. Chamamos isso de cuidado — mas em muitos casos, é controle, fuga ou medo. A síndrome do bebê reborn nas finanças é uma metáfora para esse fenômeno: adultos que, por dentro, deixaram de crescer.
O bebê reborn é um fenômeno recente como objeto, mas antigo como símbolo. Desde sempre, humanos tentam criar mundos ideais para fugir da dor do real. Tentam cuidar do que não reage, controlar o incontrolável, proteger o que não pode ser protegido. É compreensível. Mas perigoso. Porque quanto mais tempo se investe em manter vivo algo que nunca crescerá, mais se adia o próprio crescimento.
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Eles parecem reais. Têm olhos úmidos, pele macia, cheiro de talco e até certidão de nascimento. Mas não choram. Não crescem. Não reagem. Os bebês reborn são bonecos hiper-realistas, criados para parecerem recém-nascidos perfeitos — sem demandas, sem contrariedades, sem conflito. Em certos contextos, são obras de arte. Em outros, representam um vazio que não foi elaborado.
E quando esse vazio se manifesta nas finanças?
Há adultos que agem como quem carrega um bebê reborn no colo: envoltos na ilusão de afeto, mas presos a relações em que não há crescimento, apenas manutenção da fantasia. É o que chamo de síndrome do bebê reborn nas finanças — quando a maturidade emocional é substituída por uma passividade disfarçada de conforto.
Imagine uma mulher que, na juventude, era símbolo de independência. Ganhava o próprio dinheiro, liderava, sonhava alto. Mas ao longo do casamento, foi delegando ao marido toda a gestão financeira da casa. Sem perceber, foi se desconectando do orçamento familiar, das senhas, dos investimentos, dos números — e, mais ainda, do próprio poder de decisão. Tornou-se dependente. Fragilizada. Sua força de escolha foi substituída por uma espécie de anestesia emocional.
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A relação entre os dois foi, aos poucos, se desenhando — ainda que inconscientemente — como a de um cuidador e seu bebê reborn. Ele assumiu o controle de tudo; ela, a fragilidade constante. Ambos se prejudicaram: ele, pelo excesso de poder e responsabilidade; ela, pela infantilização que a afastou da própria autonomia. Um paternalismo silencioso se instalou, transformando o que era parceria em desequilíbrio. E o afeto foi sendo substituído por uma dinâmica disfuncional, onde o amor cedeu espaço à codependência.
A síndrome também aparece em pais que cuidam demais. Em vez de criar, controlam. Em vez de formar, protegem. E o resultado são jovens que crescem sem musculatura emocional para lidar com o risco. Supridos de tudo, mas desafiados de nada. Adultos infantis que esperam que a vida os acolha como o berço sempre acolheu. Muitos não conseguem se manter em empregos, procrastinam decisões ou mergulham em vícios digitais — em busca de conforto imediato. Como bebês reborn, são incapazes de reagir ao mundo real.
E há ainda os que enfrentam perdas — de pessoas, de status, de sentido — tentando se preencher por meio de fantasias financeiras. Consumo compulsivo, apostas, investimentos milagrosos: tudo como tentativa inconsciente de encontrar um bebê reborn simbólico. Algo que devolva o controle, a sensação de colo, o prazer que a vida real não tem oferecido. Mas o problema de investir em fantasias é que elas não retornam dividendos emocionais. Só mais carência.
A saúde mental fragilizada tem impacto direto na vida financeira. Transtornos como depressão, ansiedade alteram a percepção de risco, a tolerância à frustração e a capacidade de planejamento. Pessoas em sofrimento psíquico tendem à impulsividade, evitam o contato com a realidade financeira, doam ou gastam demais para compensar a dor, ou investem sem critério, movidas por esperança ou euforia.
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O estresse crônico, por exemplo, afeta regiões do cérebro ligadas ao controle inibitório e ao pensamento de longo prazo. A consequência? Dificuldade em manter uma reserva de emergência ou seguir um plano financeiro sustentável. O cérebro busca alívio imediato — mesmo que isso custe a estabilidade futura.
Às vezes, o que parece cuidado é só controle disfarçado. Às vezes, o que parece amor é só medo de perder. Às vezes, o que parece aconchego é, na verdade, um esconderijo.
A síndrome do bebê reborn nas finanças trata-se da infantilização financeira e emocional de adultos. Da perda de autonomia, de relações afetivas adoecidas por controle e medo, do impacto da saúde mental na vida financeira, da codependência e do apagamento de identidade — inclusive em casamentos, famílias e ambientes de trabalho.
Se você se vê no papel de quem cuida de um bebê reborn financeiro — seja um parceiro, um filho ou até você mesmo — pergunte-se: estou ajudando alguém a crescer ou apenas sustentando a ilusão de que nada precisa mudar?
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Se você se vê no papel de ser um bebê reborn financeiro, cuidado por alguém — alguém que paga suas contas, toma decisões por você, te poupa de tudo, te evita o real — também pergunte-se: quanto custa essa proteção? Quanto da sua liberdade foi trocada por esse colo?
A vida não pede perfeição. Pede presença. Responsabilidade. Troca real.
E talvez o maior gesto de amor — financeiro ou emocional — seja deixar o outro levantar, cair e aprender. Mesmo que doa. Porque gente de verdade chora, reage, muda. E, diferente dos bebês reborn, tem chance de crescer.
E o maior ganho de quem decide deixar de ser um bebê reborn financeiro não é a autonomia financeira em si. É a chance de reencontrar sua força. Sua voz. Sua vida real.
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