

Imagine a cena: um motorista de aplicativo educado, que dirigia com segurança e cortesia. Durante a conversa, ele conta sua história. Trabalhou por 12 anos em uma multinacional, foi funcionário exemplar, reconhecido, premiado. Um dia, sua esposa entrou em depressão profunda. Ameaçou tirar a própria vida. Ele fez o que qualquer pessoa com um pingo de humanidade faria: pediu férias para cuidar dela. Mas a supervisão não acolheu. Ele insistiu, apresentou laudos médicos. A empresa não cedeu. Entre manter o emprego e salvar a esposa, escolheu o óbvio. Pediu demissão. Hoje, dirige um carro pelas ruas da cidade.
Essa história, infelizmente, não é um caso isolado. A saúde mental no ambiente corporativo é uma questão estratégica e financeira, além de social. O Brasil lidera os índices de ansiedade no mundo e o adoecimento psíquico já figura entre as principais causas de afastamento do trabalho. Estamos diante do risco real de um burnout coletivo – e as consequências econômicas são alarmantes.
O custo global de transtornos mentais em produtividade e cuidados médicos já ultrapassa US$ 1 trilhão por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, estima-se que as doenças mentais causem perdas de quase R$ 400 bilhões anuais em produtividade, afastamentos e rotatividade de funcionários.
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Agora, uma nova legislação obriga as empresas a adotarem medidas para mitigar riscos psicossociais. Mas o que isso significa na prática?
Saúde mental: um risco econômico real
A saúde mental tem emergido como uma preocupação central no ambiente corporativo, especialmente entre os jovens da Geração Z. Estudos revelam que 40% dos jovens dessa geração enfrentam problemas psicológicos que afetam diretamente sua produtividade e inserção no mercado de trabalho.
O impacto financeiro também se faz sentir em economias desenvolvidas: no Reino Unido, por exemplo, estima-se que a economia tenha perdido mais de US$ 178 bilhões devido a dias não produtivos ou ausências relacionadas à saúde mental. Com a crescente pressão por alta performance, instabilidade econômica e novas dinâmicas de trabalho, o impacto financeiro no Brasil acompanha essa tendência global: colaboradores adoecidos custam caro em afastamentos, redução de desempenho e alta rotatividade.
A relação entre produtividade, bem-estar e retorno financeiro está mais clara do que nunca. Diversos estudos da psicologia do trabalho mostram que um ambiente organizacional que promove saúde mental reduz absenteísmo em até 41%, aumenta engajamento e melhora a retenção de talentos. Segundo a OMS, cada dólar investido em programas de saúde mental gera um retorno de quatro dólares em produtividade.
Isso significa que o tema deixou de ser apenas uma preocupação do departamento de recursos humanos (RH) e passou a ser uma pauta de liderança e governança corporativa.
Inteligência artificial e o retrocesso cognitivo
Paralelamente, há a ascensão da inteligência artificial (IA), que representa uma faca de dois gumes. Enquanto a IA oferece oportunidades para automatizar tarefas repetitivas e aumentar a eficiência, também pode levar ao retrocesso das capacidades humanas se não houver um equilíbrio adequado.
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Estudos apontam que a dependência excessiva de tecnologia já resulta em declínio cognitivo, prejudicando funções essenciais como memória, tomada de decisão e resolução de problemas no ambiente de trabalho. Empresas que não incentivam o desenvolvimento contínuo dessas competências em seus colaboradores podem ver um impacto direto na capacidade de inovação e competitividade.
Empresas que ignoram a saúde mental estão perdendo valor
Não se trata de mais um custo ou apenas de adequação à lei. Empresas que encaram a saúde mental como um diferencial competitivo estão colhendo os frutos. O impacto vai além do cumprimento regulatório e se reflete diretamente na capacidade de inovar, reter talentos qualificados e fortalecer a cultura organizacional. Algumas das maiores empresas do mundo já incorporaram programas estruturados de bem-estar como parte de suas estratégias para reduzir custos operacionais e aumentar a produtividade.
O mercado está atento
Investidores precisam considerar fatores sociais e humanos em suas avaliações financeiras. Empresas que não se adaptarem à nova realidade podem enfrentar dificuldades, seja por processos trabalhistas, fiscalizações mais rigorosas ou pela incapacidade de atrair e reter profissionais de alto desempenho. Além disso, consumidores e stakeholders (todas as partes envolvidas no negócio) estão cada vez mais atentos às empresas que demonstram compromisso real com o bem-estar dos seus colaboradores.
Chamado à ação: o papel da liderança
O desafio, portanto, é das lideranças empresariais. Como os executivos e gestores estão incorporando essa discussão na estratégia? Como estão equilibrando o cuidado com as pessoas e a entrega de resultados?
Investir em programas de bem-estar, incentivar a aprendizagem contínua e equilibrar o uso de tecnologias são estratégias que não apenas melhoram a qualidade de vida dos colaboradores, mas também potencializam a produtividade e a inovação.
Afinal, empresas que cuidam de seus talentos humanos tendem a alcançar resultados financeiros mais robustos e sustentáveis – e quem ignorar esse movimento pode pagar um preço alto no mercado.