Do Tigrinho ao home office: a nova rota de fuga do trabalhador brasileiro exausto
Quando até o home office vira fuga, o 1º de Maio revela um país exausto. Apostas, burnout e decisões como o retorno ao escritório no Nubank mostram a urgência de falar em saúde mental e pertencimento
O Dia do Trabalho de 2025 chega em um cenário paradoxal: nunca se trabalhou tanto — e nunca se sonhou tanto em escapar do trabalho. De um lado, brasileiros exaustos tentam equilibrar boletos, jornadas híbridas e expectativas inatingíveis. De outro, as promessas de riqueza rápida, como o universo das apostas online, seduzem como rotas de fuga emocional e financeira.
Não é coincidência que “Tigrinho” tenha se tornado uma palavra tão viral quanto “home office”. Ambos refletem um esgotamento coletivo: a descrença no caminho tradicional do esforço contínuo, o cansaço com a cultura da alta performance e a busca desesperada por algum alívio — mesmo que ilusório.
A notícia de que o Nubank — símbolo de modernidade e disrupção — está chamando seus funcionários de volta ao escritório é um retrato emblemático dessa tensão. O que antes parecia ser a libertação do trabalhador pela tecnologia agora volta a ser questionado em nome da produtividade, do vínculo humano e da saúde mental. A contradição está posta: nem o trabalho moderno, digital e flexível tem conseguido evitar o desejo de fuga.
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Mas o que fazer diante desse cenário? Como redesenhar o futuro do trabalho para que ele não adoeça as pessoas nem as empurre para vícios e soluções ilusórias?
Para empresas: criar culturas que engajam, protegem e preparam o futuro
Empresas que desejam atrair, engajar e proteger seus talentos precisam ir além da discussão entre presencial, remoto ou híbrido. A questão central é emocional, relacional e cultural.
Algumas ações concretas:
Fomentar culturas de pertencimento real, onde propósito, escuta e segurança psicológica valem tanto quanto metas e produtividade;
Implementar programas consistentes de promoção da saúde mental, alinhados à NR-01 (Gestão de Riscos Ocupacionais), que agora exige atenção formal a riscos psicossociais. Isso não é apenas uma obrigação legal: é uma resposta estratégica para reduzir o escapismo, a evasão emocional e o adoecimento silencioso que vêm desestruturando equipes;
Capacitar lideranças para reconhecer sinais de exaustão e agir preventivamente, com empatia e preparo técnico;
Revisar sistemas de reconhecimento e performance, para valorizar trajetórias sustentáveis em vez de resultados imediatos a qualquer custo;
Investir na integração intergeracional, reduzindo conflitos e ruídos entre os mais experientes e os jovens talentos. Essa ponte é essencial para garantir a equipe de hoje — e formar as lideranças de amanhã;
Alinhar o EVP (Employee Value Proposition) — a proposta de valor da empresa como marca empregadora — à realidade da equipe. Quando há clareza sobre o que a organização oferece e o que espera de seus profissionais, criam-se relações mais transparentes, sustentáveis e engajadas. Um EVP bem definido evita frustrações, orienta os reforçadores e recompensas, e torna a cultura organizacional mais coerente e estratégica.
Para pessoas: reconstruir a relação com o trabalho e com o dinheiro
Para quem vive esse mal-estar na pele, encontrar rotas saudáveis também é urgente:
Resgatar propósito pessoal no trabalho, reconectando-se com talentos, valores e interesses reais. Quando isso parece nebuloso, buscar apoio psicológico ou orientação profissional pode ser um passo decisivo para clarear caminhos e fazer escolhas mais alinhadas;
Estabelecer limites claros entre vida profissional e pessoal, mesmo no modelo híbrido;
Investir em saúde mental e educação financeira, para reduzir a vulnerabilidade a recompensas fáceis como apostas, day trade ou promessas de enriquecimento rápido;
Fortalecer redes de apoio reais — com colegas, mentores, amigos e familiares — que reforcem a autoestima e abram caminhos de crescimento possível.
Trabalhar com equilíbrio e consciência hoje é mais do que disciplina: é um ato de preservação da sanidade e da dignidade.
Conclusão: do esgotamento à reconstrução — o trabalho precisa evoluir
Este 1º de Maio é um convite à reconstrução — individual e coletiva. O futuro do trabalho exige mais do que tecnologia e modelos flexíveis: exige coerência entre discurso e prática, cuidado com as pessoas e culturas organizacionais que valorizem a saúde mental como um ativo estratégico.
Para as empresas, é hora de agir com clareza: adequar-se à NR-01, mapear riscos psicossociais, fortalecer vínculos entre gerações e alinhar a proposta de valor ao que realmente importa para quem faz a empresa acontecer.
Para os profissionais, é hora de recusar o papel de mero executor de tarefas em troca de remuneração. Trabalhar sem propósito, sem reconhecimento e sem espaço para contribuir de forma autêntica aliena, esgota e empobrece — não só o corpo, mas o sentido de existir.
No fim, bem-estar e produtividade não são opostos, são aliados. Onde há alinhamento entre valores, contribuição e reconhecimento, nasce o que de fato sustenta empresas e pessoas: engajamento verdadeiro. Porque o trabalho, quando faz sentido, deixa de ser fuga — e volta a ser construção.