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Colunista

Quando o ‘nós’ virou ‘nós contra eles’: ricos, pobres e uma bolsa infantil

No jogo da polarização, símbolos são distorcidos, emoções inflamadas e pontes destruídas

Bolsa é da marca Fendi, e do modelo Peekaboo (Foto: Adobe Stock)
Bolsa é da marca Fendi, e do modelo Peekaboo (Foto: Adobe Stock)

Existe algo mais destrutivo do que viver em um país onde todos se sentem em guerra?

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A polarização que nos cerca não é apenas ideológica — ela é afetiva. Quando o outro vira inimigo, qualquer fato vira munição. O problema é que, nessa batalha, ninguém vence. Vence o ódio. Perde o país. Perde o futuro.

Na última semana, o Brasil parou para debater o valor de uma bolsa infantil. Não por acaso. O episódio envolvendo a filha de Roberto Justus e Ana Paula Siebert, uma criança de cinco anos, rapidamente se transformou em símbolo de uma suposta guerra entre “ricos insensíveis” e “pobres injustiçados”. Mas talvez essa reação coletiva diga mais sobre o nosso momento do que sobre a família em questão.

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A psicologia comportamental tem um nome para isso: iniquidade. Quando me sinto prejudicado, surge a raiva. Quando me sinto favorecido, tento justificar. Ambas as emoções alimentam o conflito. É como se estivéssemos todos presos a uma gangorra emocional, em que a vitória de um se torna a derrota do outro.

Mas há um fator ainda mais profundo: a mentalidade de escassez. Estudos de Sendhil Mullainathan e Eldar Shafir mostram que, quando me sinto em escassez — seja de dinheiro, tempo, poder ou afeto — meu foco se estreita, minha ansiedade aumenta e minha capacidade de decisão despenca. Como eles explicam, a escassez sequestra a mente.

E quando a escassez emocional encontra um cenário de desigualdade, surge o campo perfeito para o embate. Quando me sinto na escassez, me armo até os dentes para combater meus inimigos — e deixo de formar alianças que poderiam me fortalecer.

Será que insistir em uma lógica de “tirar de um para dar ao outro” realmente resolve? Ou será que só reforça a escassez de ambos os lados? Será que a solução passa por aumentar impostos de forma punitiva? Ou por expandir a economia produtiva, reduzir a carga para todos e promover uma reforma fiscal verdadeira, que não estimule o ressentimento, mas sim a colaboração?

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Em Ruanda, um dos maiores genocídios da história aconteceu entre a própria população, instigada por dissensões e interesses políticos. O resultado foi devastador: centenas de milhares de mortos, aumento da pobreza e a destruição de um país inteiro por suas próprias mãos. Hoje, Ruanda é um dos países que mais cresce na África. Eles entenderam que o único caminho possível era o perdão, a reconstrução coletiva — não a vingança eterna.

No Brasil, ainda temos tempo de evitar essa ferida profunda. Mas isso exige sair da lógica de inimigos e construir uma lógica de nação.

A polarização não combate a pobreza, ela a multiplica. A escassez não cria soluções, ela bloqueia oportunidades. O ressentimento não distribui riqueza, ele destrói pontes. Está na hora de repensar o modelo: emocional, político e econômico.

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