Edimburgo, a capital da Escócia, é uma cidade belíssima. Não lhe falta história e atrações culturais. E lá pude visitar o Museum on the Mound: O Museu do Dinheiro foi uma grata surpresa, revelando muito mais que cifrões.
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Edimburgo, a capital da Escócia, é uma cidade belíssima. Não lhe falta história e atrações culturais. E lá pude visitar o Museum on the Mound: O Museu do Dinheiro foi uma grata surpresa, revelando muito mais que cifrões.
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No Museum on the Mound há cofres antigos, cédulas centenárias e moedas de todos os tipos. Vê-se a evolução do sistema fiduciário até os dias atuais. Porém, o que faz a visita ainda mais interessante é constatar o modo como o dinheiro representa não apenas um instrumento de troca, mas o resultado de uma construção humana coletiva, fundada em confiança, simbolismo e poder.
Instalado no imponente prédio histórico do Banco da Escócia, o museu explora a extraordinária capacidade humana de criar valor a partir de abstrações. Imaginem os primeiros povos que passaram a crer que um papel timbrado pudesse valer tanto quanto alimentos, animais e terras. Certamente, foi uma grande mudança de paradigma.
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Mas este fragmento de celulose com alguns dizeres tornou-se valioso não pelo seu valor intrínseco, mas pela crença compartilhada de que ele confere algo maior e traz consigo segurança, praticidade e liberdade. Essa percepção se torna mais clara ao se observar as primeiras cédulas emitidas na Escócia, ainda no século XVII. Com caligrafia cuidadosa e assinatura manual, um banco prometia o pagamento de certa quantia por meio delas.
Sobretudo, mais que o número que elas estampavam, a aceitação das notas que então começaram a circular representa bem que aquelas cédulas traziam consigo um outro ativo: a confiança. Então, passear pelos corredores que contam a história do dinheiro é mergulhar na história da credibilidade, exatamente o que não pode faltar nas relações que trocam qualquer tipo de valor.
Embora a matéria principal do Museum on the Mound seja a prática financeira do passado, percebe-se que cada inovação financeira, do primeiro cheque ao cartão digital, contém a mesma abstração: atribuir valor ao que, em essência, nada vale. Do escambo à moeda de prata, das cédulas de papel aos aplicativos de bancos na tela do celular, estamos diante de expressões diferentes de uma mesma ideia – de que podemos condensar o fictício em real e transferível.
Neste exato instante, cédulas de papel perdem cada vez mais espaço para o dinheiro eletrônico, por meio de transferências instantâneas como o PIX ou criptomoedas. Para o cidadão do século XVII, que aceitou receber uma então moderníssima e inovadora nota de dinheiro, isso seria um quadro fictício e inimaginável, mas que só existe hoje porque a confiança que aquele mesmo cidadão depositou no sistema nos foi transferida de geração a geração. A ficção é a mesma de sempre e possivelmente permanecerá assim, desde que a fé subjacente não seja quebrada.
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Mas se no século XVII quem lidava com as primeiras notas creu num banco, onde está depositada a confiança de quem hoje negocia o dinheiro eletrônico? Nos bancos tradicionais e novas fintechs? No Estado e seus órgãos reguladores? Nos algoritmos de blockchain (sistema de registro descentralizado de transações em uma rede de criptoativos)? Numa época em que há desconfiança em instituições e uma eterna dúvida sobre qual a próxima bolha a estourar, em quem se deve crer?
O Museum on the Mound nos lembra, portanto, que o dinheiro é uma das mais engenhosas ficções humanas e que, como toda ficção, revela mais sobre quem a cria do que sobre o objeto em si. Ao sair dali, o visitante não leva apenas o fascínio por uma coleção rara, mas a consciência de que valor é, no fim das contas, uma escolha coletiva. E que compreender isso é o primeiro passo para usar o dinheiro com sabedoria, sem ser usado por ele.
*Leonardo Pastore é assessor de investimentos da Valor, mestre em Direito, procurador do Estado do Espírito Santo e professor de ética e pós-gradução da ESGP.
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