O Brasil adota uma meta de inflação de 3%, com uma margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Esta meta, estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), tem sido um pilar da política monetária do país, orientando as ações do Banco Central (BC) para manter a inflação sob controle. No entanto, diante das mudanças no cenário econômico global e doméstico, é prudente reconsiderar se essa meta continua sendo a mais adequada para o Brasil.
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Não se trata de leniência com a inflação, mas de buscar um equilíbrio macroeconômico mais sustentável, que evite custos excessivos à sociedade ao perseguir uma meta que pode ter se tornado excessivamente rígida. E que faz, inclusive, com que o Brasil esteja prestes a subir juros num momento que os Estados Unidos está prestes a reduzir.
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É importante destacar que esta análise não deve ser confundida com visões que flertam com irresponsabilidade fiscal ou com a complacência em relação à inflação. A estabilidade de preços é um bem público valioso, e qualquer proposta de revisão deve ser cuidadosamente considerada, com base em dados e em uma compreensão clara dos trade-offs (ato de escolher uma coisa em detrimento de outra) envolvidos.
Desde a introdução do regime de metas de inflação no Brasil, a meta central tem sido gradualmente reduzida. Isso reflete uma trajetória de amadurecimento da política monetária e um compromisso crescente com a estabilidade de preços.
No entanto, o cenário global e doméstico mudou. Nos últimos anos, o mundo viu o retorno de pressões inflacionárias significativas, impulsionadas por políticas fiscais expansivas. O Brasil, por sua vez, tem enfrentado desafios internos adicionais, como desequilíbrios fiscais persistentes.
Ao analisarmos os dados históricos da inflação acumulada em 12 meses no Brasil, constatamos que, desde 1994, a inflação permaneceu dentro do intervalo de tolerância da meta de 3% (1,5% a 4,5%) em apenas 24,86% do tempo.
Mais alarmante, a inflação esteve abaixo do centro da meta de 3% em apenas 7,38% do tempo. Esses números indicam que a meta atual, embora ambiciosa, é difícil de ser atingida de forma consistente, sem a necessidade de manter taxas de juros muito elevadas.
Quais os efeitos da manutenção dos juros elevados?
A manutenção de juros elevados traz custos consideráveis para a economia, como a desaceleração do crescimento, aumento do desemprego e elevação do custo da dívida pública. Além disso, afeta diretamente a composição do portfólio dos investidores, que tendem a investir mais em ativos de renda fixa e financiar menos diretamente no equity (patrimônio líquido de uma companhia ou uma participação societária nela) as empresas, no Brasil estamos hoje em uma grande seca de aberturas de capital, que pode se estender ainda mais com a alta da Selic.
Além disso, um Banco Central que opera continuamente próximo ao limite superior da meta corre o risco de se ver com pouca margem de manobra em momentos de choques exógenos. Se o País estiver no limite superior do intervalo de tolerância e for atingido por um choque inesperado, o BC pode ser forçado a elevar ainda mais os juros, amplificando os custos econômicos.
Um ajuste na meta de inflação poderia ajudar a mitigar esses riscos. Um cenário em que a meta central seja ajustada para 3,5%, com uma margem de tolerância de 1,5% (intervalo de 2% a 5%), ou para 4%, com uma margem de 1% (intervalo de 3% a 5%), poderia proporcionar maior flexibilidade à política monetária.
Analisando esses cenários, vemos que, com uma meta de 3,5%, a inflação teria permanecido dentro do intervalo de tolerância em 32,24% do tempo, enquanto uma meta de 4% teria mantido a inflação dentro do intervalo em 25,96% do tempo. Embora esses cenários ainda sejam desafiadores, eles tornam a meta mais crível e atingível, sem abrir mão da responsabilidade fiscal e do controle inflacionário.
Além disso, é importante considerar o horizonte de aplicação de qualquer alteração na meta. De acordo com as regras atuais, uma alteração na meta ou no intervalo de tolerância só entraria em vigor após 36 meses, o que impede mudanças abruptas ou oportunistas na política monetária.
Essa regra, que busca evitar alterações nas “regras do jogo” enquanto a “bola está rolando”, é um mecanismo positivo para a credibilidade da política econômica do país. Contudo, também impõe a necessidade de discutir e, se necessário, implementar ajustes na meta o quanto antes, para que possam surtir efeito em um horizonte de tempo adequado.
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Em resumo, a revisão da meta de inflação para um patamar ligeiramente superior não representa uma atitude leniente em relação à inflação, mas sim uma adaptação realista às condições econômicas.
Com uma meta ajustada para 3,5% ou 4%, o Banco Central ainda manteria o compromisso com a estabilidade de preços, mas com maior flexibilidade para lidar com choques econômicos, garantindo que o controle inflacionário seja alcançado de maneira menos custosa para a sociedade brasileira. É uma questão de prudência e de garantir que o arcabouço de metas de inflação continue sendo uma ferramenta eficaz para a política econômica do país, sem sacrificar o crescimento e o emprego.
Com uma meta de inflação razoável atingida, e com uma Selic em patamar menos restritivo, podemos ter mais investimentos em ativos reais e uma composição de portfólio menos concentrada em renda fixa do ponto de vista dos investidores.