De olho nos fundos de investimento

Dan Kawa é economista e especialista em fundos de investimento. Graduado em Ciências Econômicas pela PUC-Rio, atua no mercado financeiro desde 2003. Dan foi sócio da TAG Investimentos e atuou nas maiores gestores independentes do País como Gap Asset Management, Bank of New York Mellon ARX Investimentos, FLAG Asset Management e Icatu Vanguarda.

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Dan Kawa

Por que a estagflação já é realidade no mundo atual

O que ocorreu no mês passado costuma ser um coquetel bastante perverso para países como o Brasil

Xangai, onde fica o maior porto do mundo, está sob lockdown; quadro na China impactou cadeia global de suprimentos. Foto: Aly Song/Reuters
  • O mercado começou a mudar a sua narrativa do ambiente inflacionário para um ambiente ainda mais desafiador, em que a inflação se encontra com uma desaceleração econômica
  • Já vemos oportunidades surgindo em ativos locais e internacionais, mas estamos sendo parcimoniosos na alocação de risco, dado um cenário econômico ainda bastante nebuloso

O mês de abril foi marcado por forte deterioração dos ativos de risco ao redor do mundo. A grande novidade do mês passado, contudo, foi o começo de um movimento de pressão negativa no mercado de commodities, algo que não vinha acontecendo nos demais períodos de “espasmos” de volatilidade desde o começo deste ano.

O que, então, explica estes movimentos?

Primeiro: já tínhamos uma visão de que a recuperação dos ativos de risco na segunda quinzena de março havia sido um movimento majoritariamente técnico, induzido por um movimento de ajuste de um sentimento excessivamente negativo de curto prazo. Contudo, não víamos mudanças substanciais de cenário econômico que justificassem uma recuperação mais sustentável dos mercados.

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Segundo: ao longo de abril e, especialmente, após as reuniões do FMI, houve uma mudança coordenada por parte dos bancos centrais na direção de sinalizar maior preocupação com a inflação global e a necessidade de ajustes mais tempestivos em suas políticas monetárias. Leia-se, alta de juros e redução de liquidez.

Terceiro: após alguma esperança de um desfecho rápido para a guerra na Ucrânia, o que vimos em abril foi a manutenção dos ataques russos e um ambiente ainda extremamente desafiador para a cadeia global de suprimentos.

Quarto: este movimento talvez seja a maior novidade do mês passado. A nova onda da pandemia na China levou a um lockdown de Xangai e um fechamento de grande parte de Pequim. Além disso, estima-se que cerca de 350 milhões de chineses estejam sob alguma restrição social.

Esse quadro na China voltou a afetar duramente a cadeia global de suprimentos, com problemas nos portos chineses que causam efeitos secundários ao redor de todo o mundo. O efeito concreto é de mais pressão altista na inflação e pressão baixista no crescimento. Os indicadores de alta frequência já vinham apontando para forte desaceleração do crescimento chinês, o que acabou sendo confirmado pelos dados do PMI divulgados ao final de abril.

O PMI é um indicador qualitativo, feito junto aos gerentes de empresas, sobre suas perspectivas em relação a economia.

Com este pano de fundo, o mercado começou a mudar a sua narrativa do ambiente inflacionário para um ambiente ainda mais desafiador, em que a inflação se encontra com uma desaceleração econômica. A inflação alta impede que os bancos centrais atuem, como nos períodos do passado recente, fornecendo suporte à economia e aos mercados na forma de juros mais baixos e adição de liquidez nos mercados.

Isso explica a pressão no mercado de commodities, assim como uma deterioração no ambiente para os ativos emergentes ao longo do mês, em que o Brasil acabou sendo duramente afetado.

Esta nova narrativa de abril costuma ser um coquetel bastante perverso para países como o Brasil. Alta de juros no mundo desenvolvido, inflação alta, crescimento mais baixo (especialmente na China), menor demanda por commodities e queda no preço das commodities.  Os ativos locais foram profundamente afetados por este pano de fundo. Não vimos mudanças relevantes no cenário doméstico.

As contas públicas mostram-se saudáveis para os padrões globais; a inflação ainda está alta e sem sinais de um arrefecimento estrutural; e o banco central segue em sua batalha para conter a escalada de preços e das expectativas. Nada disso é uma novidade muito grande em relação aos últimos 6 a 12 meses. Não promovemos alterações relevantes em nossas alocações.

Seguimos bastante conservadores em nossas alocações internacionais. Mantemos um viés para ativos de crédito pós-fixados no Brasil, com exposição neutra, porém comprada, na bolsa local e sem viés no câmbio. Vale lembrar que, no final de março, voltamos a estruturar algumas proteções nos portfólios. Após queda rápida e acentuada dos ativos de risco, zeramos praticamente todas essas alocações no começo de maio, com ganhos relevantes.

Já vemos oportunidades surgindo em ativos locais e internacionais, mas estamos sendo parcimoniosos na alocação de risco, dado um cenário econômico ainda bastante nebuloso.