De olho nos fundos de investimento

Dan Kawa é economista e especialista em fundos de investimento. Graduado em Ciências Econômicas pela PUC-Rio, atua no mercado financeiro desde 2003. Dan foi sócio da TAG Investimentos e atuou nas maiores gestores independentes do País como Gap Asset Management, Bank of New York Mellon ARX Investimentos, FLAG Asset Management e Icatu Vanguarda.

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Dan Kawa

Liquidez na economia será o nome do jogo nos próximos meses

Olhando hoje, já podemos dizer que alguns excessos econômicos foram cometidos durante o início da pandemia

Sociedade se viu diante de um dos maiores choques econômicos durante a pandemia. Foto: Envato Elements
  • No meio de uma das maiores pandemias da história, com grande parte da economia parada, a avaliação de “qual a melhor dosagem do remédio a ser administrado” era pouco obvia, naquele momento
  • Hoje vemos, com um razoável grau de certeza, que o “remédio” na forma de estímulos fiscais e monetários poderia ser sido ou menor e/ou ter durado menos tempo
  • O momento é de parcimônia e paciência. A diversificação para o mercado internacional é importante e deve ser um processo feito ao longo do tempo

Gostaria de usar o espaço esta semana para contextualizar o que está se desenhando em termos se cenário global. Para isso, precisamos voltar um pouco no tempo, para o período mais agudo da pandemia de covid-19.

A doença, oficialmente, começou a se alastrar na Ásia em janeiro de 2020, chegando à Europa em torno de fevereiro e nas Américas por volta de março daquele ano. Com enormes incertezas em relação a como controlar sua disseminação e evitar a sobrecarga do sistema de saúde, os governos optaram por medidas mais drásticas de “lockdown”, ou restrições a circulação de pessoas, permitindo apenas serviços essenciais.

Sem entrar aqui no mérito de a medida ter sido correta ou não – este não é o intuito deste texto -, a sociedade se viu diante de um dos maiores choques exógenos, inesperados e abruptos da história da economia mundial. Grande parte da atividade econômica global foi literalmente congelada, sem que tivéssemos a menor noção de quanto tempo aquela situação iria perdurar. Em artigo daquela época classifiquei este período como “Parada Brusca”.

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Com a intenção de ajudar a população a atravessar esse período de uma maneira um pouco mais suave, e dar algum suporte a atividade econômica, vimos dois movimentos. Primeiro, uma queda generalizada das taxas de juros ao redor do mundo e uma posterior injeção de liquidez por parte dos bancos centrais. O tamanho, magnitude e velocidade destes movimentos foram sem precedentes na História.

A título comparativo, apenas o Fed, o Banco Central dos EUA, injetou cerca de US$ 4 tri na economia em poucas semanas. Este mesmo valor foi injetado na economia americana entre 2008 (ano de crise) e 2020. Contudo, neste caso, em uma janela de 12 anos e não de poucas semanas.

O segundo movimento foi a execução de pacotes de estímulos fiscais agressivos, com diversos países (se não a maior parte dos países do mundo) anunciando programas de suporte ao setor corporativo e, principalmente, em muitos casos, assinado cheques diretos a população mais afetada.

Em alguns casos, podemos dizer que estes movimentos foram excessivos ou perduraram por mais tempo do que deveriam. Com uma liquidez global abundante, com a população dentro de suas casas, observamos um movimento claro em favorecimento a alguns setores da economia.

Empresas de e-commerce, empresas de “gamming”, empresas que facilitam a interação via vídeo e áudio, entre outras, viram a demanda por seus produtos explodir e suas ações na bolsa, em consequência, tiveram altas exponenciais. Este fenômeno ficou conhecido como “10 anos em 10 semanas” já que a penetração destes produtos levaria 10 anos para ter atingido o nível que atingiram em 10 semanas durante a pandemia.

Além deste fenômeno social, a injeção de liquidez “empurrou” o investidor para ativos de mais risco, já que as taxas de juros eram zero ou negativas, estimulando uma migração de poupança à ativos com retornos mais atraentes (ou que pareciam mais atraentes naquele momento em comparação as opções existentes).

Olhando hoje, já podemos dizer que alguns excessos foram cometidos. Isso não é uma crítica, apenas uma constatação. No meio de uma das maiores pandemias da história, com grande parte da economia parada, a avaliação de “qual a melhor dosagem do remédio a ser administrado” era pouco obvia, naquele momento.

Hoje vemos, com um razoável grau de certeza, que o “remédio” na forma de estímulos fiscais e monetários poderia ser sido ou menor e/ou ter durado menos tempo. Um dos custos desta atuação, que fica evidente a cada novo dia, é uma inflação mais alta no mundo.

Aqui, vale um breve comentário, mas que poderia ser tema de um artigo completo. Não há dúvidas que uma parte da inflação atual é temporária, fruto da quebra da cadeia produtiva global devido à pandemia. Todavia, existia um entendimento, até um consenso, que a inflação iria arrefecer no “curto-prazo” e seria totalmente temporária.

O tempo mostrou que esse entendimento estava errado. A inflação se mostrou muito mais persistente. Isso, aos poucos, foi sendo reconhecido pelos bancos centrais, que acabaram alterando a sua postura.

Desde fins de 2021, estamos convivendo com um movimento de normalização monetária global, em maior ou menor grau, a depender do país. Se a injeção de liquidez “empurra” o investidor para ativos de mais risco, colocando preços e valuations em patamares pouco triviais, a redução de liquidez deve atuar na direção oposta, ou seja, afastando o investidor de ativos e posições mais arriscadas.

Obviamente, existe todo um mecanismo muito mais profundo do que esse, mas a título de simplificação é o que já vemos desde o segundo semestre de 2021 em algumas ações da bolsa dos EUA. Agora, começa a se alastrar para outros setores da economia e dos mercados financeiros globais.

Desde o segundo semestre do ano passado, as ações vistas como “vencedoras” da pandemia começaram um processo de ajuste de preços (queda de preço de suas ações). Depois, não apenas as vistas como “vencedoras”, mas aquelas cujas margens são baixas e os lucros baixos ou nulos passaram por movimentos de quedas na ordem de 40% a 85%, a depender da empresa/ação.

Neste começo de 2022, começamos a ver este movimento se alastrar para ações de empresas mais sólidas ou estáveis, apenas por seus preços e valuations estarem elevados e pouco triviais para o cenário que se avizinha.

Seriam essas empresas ruins? Acho muito difícil generalizarmos. Pegando o estouro da bolha de tecnologia em 2000-2001, várias empresas viram suas ações caírem 90%-95% naquele período e hoje são grandes e excelentes empresas (e ações). É bem verdade que muitas não sobreviveram…

Acredito que neste ciclo econômico esta história irá se repetir. Estamos passando por um momento de turbulência, que ainda não me parece que chegou a seu fim. Algumas empresas verão suas ações caírem vertiginosamente. Algumas delas sobreviverão e, daqui há alguns anos, sairão fortalecidas. Muitas delas, infelizmente, não irão conseguir fazer a travessia.

O momento é de parcimônia e paciência. A diversificação para o mercado internacional é importante e deve ser um processo feito ao longo do tempo. Dado o cenário atual, avisto grandes oportunidades no horizonte.