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- Não podemos deixar de lado que o Brasil é um país desigual no acesso às oportunidades e conhecimentos, na qualidade de vida e, principalmente, nos recursos financeiros.
- Porém, o que percebemos com esses anos de estudo e atuação em salas de aulas para ensinar jovens sobre educação financeira, é que a prática de guardar dinheiro tem se mostrado mais democrática para toda a população
- Famílias que conversam sobre finanças têm muito mais chances de ter filhos com hábitos financeiros saudáveis do que aqueles que não o faz ou ainda falam de forma negativa sobre dinheiro, piorando a situação
Um dos pilares da educação financeira é o estudo sobre temas que circundam as finanças, como juros, rendimentos, investimentos etc. Porém, existe um pilar importante que muitas vezes fica esquecido: a ciência do comportamento.
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Na Multiplicando Sonhos, levamos as pesquisas sobre este tema a sério. Faço parte de um grupo de estudo autodirigido de Psicologia Econômica e muito dos aprendizados são utilizados no aperfeiçoamento das nossas aulas e metodologia.
No primeiro semestre de 2022, o grupo completa quatro anos e refletimos sobre quais foram os grandes aprendizados que adquirimos até então e que nos ajudaram, de fato, acessar e mudar a vida dos jovens que conhecemos em sala de aula.
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Nosso primeiro aprendizado, acredito, foi entender o que as pessoas relacionam a educação financeira no Brasil. E a resposta foi: pagar as contas em dia e conseguir guardar dinheiro.
Alguns dados explicitam essa cultura do brasileiro, que ainda relaciona o dinheiro principalmente a dívidas e à poupança. Um deles é que estamos entre os países com maior número de endividados do mundo: segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 70,9% das famílias contraíram dívidas em 2021.
Ao mesmo tempo, quem poupa, geralmente não investe de maneira eficiente. Apesar de isso ter começado a mudar nos últimos anos, a poupança, que no ano passado rendeu 3%, contra 10% de inflação no ano, ou seja, mais fez perder dinheiro do que ganhar, ainda é a queridinha dos brasileiros, com mais de R$ 1 trilhão sob custódia.
Moral da história: o brasileiro é conservador em relação ao seu dinheiro e isso tem muito a ver com a nossa história. Aqueles que viveram a era Collor, quando o dinheiro da poupança foi tomado, têm medo de perder suas economias e, consequentemente, medo de investimentos “desconhecidos” e “arriscados”.
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A época de hiperinflação também foi crucial para que a população adquirisse hábitos de consumo imediatistas. Afinal, nas décadas de 1970, 1980 e começo de 1990, a inflação nas alturas fazia com que o dinheiro fosse desvalorizado a cada hora, sendo muito mais vantajoso fazer compras assim que ele caia na conta.
“Mesmo depois do plano real, esse comportamento de consumo se manteve, nunca tivemos uma campanha de educação financeira”, explica Roberto Sato, membro do conselho consultivo da Multiplicando Sonhos.
O planejamento também não é o forte do brasileiro. Muitas vezes, ele foi terceirizado: o INSS cuidava da aposentadoria, empresas tradicionais forneciam fundos e seguros de vida e poucas pessoas assumiam as rédeas de suas reservas financeiras e investimentos para o futuro.
Também não podemos deixar de lado que o Brasil é um país desigual no acesso às oportunidades e conhecimentos, na qualidade de vida e, principalmente, nos recursos financeiros.
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Porém, o que percebemos com esses anos de estudo e atuação em salas de aulas para ensinar jovens sobre educação financeira, é que a prática de guardar dinheiro tem se mostrado mais democrática para toda a população.
A quebra do estigma de que poupar só vale a pena para quem tem quantias exorbitantes de dinheiro foi, talvez, a mais importante. Os jovens que passam pelo nosso programa entendem que vale a pena guardar dinheiro, mesmo que seja pouco! E também são menos medrosos que seus pais, por terem vivido em uma época que rendeu menos traumas.
Nas aulas, mostramos a eles quais são os gatilhos que fazem com que gastemos mais do que temos, deixemos de poupar e nem sequer acreditemos que investir também é algo para “gente comum”.
O ser humano é um ser social e como seres sociais, somos afetados e influenciados por aquilo que nos rodeia: família, amigos, locais que frequentamos, cultura etc. Tudo isso interfere no nosso comportamento, modo de viver e, também, na forma que lidamos com o dinheiro.
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Por exemplo, se alguém cresce em um meio em que a cultura predominante é o consumismo e a tomada de dívidas, essa pessoa pode, como hábito, ter a tendência de gastar mais do que tem. Já guardar dinheiro, nem se fala…
“Guardar dinheiro é um hábito, logo, requer esforço para adquiri-lo quando ele não é estimulado desde a infância”, diz Kei Marcos Tanaami, educador financeiro e também membro do grupo autodirigido de Psicologia Econômica.
Por isso, famílias que conversam sobre finanças têm muito mais chances de ter filhos com hábitos financeiros saudáveis do que aqueles que não o faz ou ainda falam de forma negativa sobre dinheiro, piorando a situação.
A partir do momento em que o jovem cria consciência disso, entende quais são as influências a sua volta que o fazem ser como é em relação ao dinheiro e ganha autonomia para mudar de comportamento. E é aqui que está a grande chave que todos os dias tentamos virar.
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Traços psicológicos e habilidades não cognitivas determinam o comportamento financeiro, diz Andréa Tavares, membro do Conselho Científico da Multiplicando Sonhos. Porém, ela faz questão de enfatizar que por meio de intervenções educacionais esse comportamento pode ser exercitado, estimulando os jovens a terem mais autocontrole, confiança, a pensarem em um planejamento financeiro de longo prazo e a lidarem melhor com os riscos.
Aprendizados
Como eu disse no começo desse texto, fizemos conversas frequentes sobre nossos aprendizados sobre comportamento financeiro. E isso é valioso não só para o trabalho na Multiplicando Sonhos, no lado profissional, mas também no âmbito pessoal.
Quando perguntei ao Sato sobre seu grande aprendizado de vida sobre dinheiro, ele mencionou a importância da disciplina e da paciência. “É preciso repetir todo mês a decisão de guardar uma parte de quanto se ganha. Isso exige disciplina e nos pede paciência, o que é um grande ensinamento”, disse.
Já para Kei, o insight que mudou sua vida é o de que é preciso sonhar e ter objetivos para conseguir guardar dinheiro. “Fica mais fácil guardar dinheiro quando se tem um propósito claro, se não é fácil cair nas distrações do dia a dia”, afirmou.
Para Andréa, o aprendizado é começar pequeno. “Não adianta querer fazer grandes mudanças de comportamento do dia para a noite porque isso exigiria um alto nível de motivação e acabaríamos desistindo”, disse ele. Hábitos demoram para ser criados e é a frequência que os determina. Guardar dinheiro é assim, pouco a pouco, até se tornar habitual, fazer parte da rotina.
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Por fim, o meu grande aprendizado até então foi sobre respeitar jornadas. É comum nos compararmos com os outros e até querer copiar métodos financeiros de ídolos que admiramos, mas a verdade é que somos seres únicos, com realidades únicas, e por isso devemos traçar nossos próprios caminhos, no nosso próprio tempo.
Colaboração de Beatriz Moraes e Giovanna Castro