Numa semana em que a apresentação do pacote de corte de gastos pela equipe econômica deixou o ambiente no mercado financeiro bastante turbulento, coube aos principais players do Congresso trazer um pouco de alívio para a disparada do dólar, dos juros futuros e na queda na bolsa.
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Apesar dos sinais positivos dos políticos, a ideia é apresentar a seguir algumas das principais peças desse quebra-cabeça e o que acredito como possíveis desdobramentos.
Confira os principais detalhes sobre pacote de gastos
Peça 1. Mudança da tabela do Imposto de Renda
O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disseram que a isenção da cobrança do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil vai depender das condições fiscais e que as discussões só ocorrerão, em 2025.
Nosso view
É verdade que as declarações vão na direção correta e serviram para distensionar momentaneamente o clima dentro mercado. No entanto, é válido lembrar que nem Lira nem Pacheco estarão na condução dos debates, quando a proposta da mudança da tabela do IR estiver em curso no Congresso. Eles deixam a presidência das respectivas Casas, em fevereiro de 2025.
Se olharmos em retrospectiva, vamos ver que o Congresso, formado por maioria de centro direita, tem atuado a favor da atual agenda fiscal e econômica do governo. Desde o início do 3º governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os parlamentares aprovaram o novo Arcabouço Fiscal, Taxação das Offshores (“fora da costa”, se refere a uma forma de investir no exterior), mudanças nas regras de julgamento do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), MP das Subvenções, Reforma Tributária do Consumo, outros.
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É válido destacar, porém, que também dentro desse retrovisor há iniciativas aprovadas pelo Congresso, à revelia da equipe econômica, com impactos no âmbito fiscal. A principal delas foi a manutenção, em 2024, da desoneração da folha para as empresas, que chegou a ser ampliada para as prefeituras.
Neste tema, sob os olhares do Judiciário, os parlamentares chegaram a apresentar propostas para compensar o impacto da medida em 2024, mas que não ficam de pé. Também não há nenhuma previsão de como o governo vai arcar com a desoneração em 2025 e 2026, quando se encerram os benefícios.
Juntando as peças
As peças apresentadas têm como objetivo mostrar que o compromisso fiscal do Congresso é pontual e circunstancial, não é linear. Destaco que a ampliação da isenção da tabela do Imposto de Renda, com efeitos a partir de 2026 (ano eleitoral), tem forte apelo político eleitoral dentro do Congresso.
Considero que tem o mesmo (ou até maior apelo) do que a desoneração da folha. Dentro desse contexto, acredito que o principal debate não será sobre a mudança em si, mas entorno das medidas de compensação.
O governo propôs como contrapartida a taxação de quem ganha acima de R$ 50 mil por mês, com a criação de uma alíquota mínima sobre a soma de todas as fontes de renda. É muito cedo para dizer se essa proposta será a definitiva. Essa discussão só ocorrerá em 2025.
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De qualquer forma, é sempre válido ter em mente o histórico recente que apresentamos acima e ter no horizonte o episódio da desoneração da folha (medida popular). Na ocasião, os parlamentares foram bastante criativos. Deram um by pass (desviada) na equipe econômica, no STF e garantiram benefícios às empresas e prefeitos baseados numa cesta de medidas de compensação questionável. E mesmo assim permaneceram pintados com o verniz de fiscalistas.
Peça 2. Timing da votação. O clima é favorável, mas ainda depende de Dino
Dentro do escopo do pacote, o governo encaminhou ao Congresso um Projeto de Lei (PL) e um Projeto de Lei Complementar (PLP).
No PL, entre os pontos abordados estão a atualização do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) a cada 24 meses, os limites para o aumento do salário-mínimo e a revisão de recursos para o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF). Para a sua aprovação, basta maioria simples, nas duas Casas.
No PLP, estão medidas como ajustes nos benefícios sociais, bloqueio e contingenciamento de emendas parlamentares, proibição do aumento anual de despesas de pessoal e encargo dos Poderes e limitação de subsídios e benefícios fiscais. Para a sua aprovação, é necessário ter maioria absoluta. O governo vai precisar de 257 votos favoráveis na Câmara e 41 no Senado.
Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) deverá ser encaminhada nos próximos dias para o Congresso. Para a sua aprovação, são necessários 308 votos favoráveis na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos.
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Apesar de bastante desafiador, o atual ambiente político é favorável para que a votação das propostas ocorra até o início do recesso, previsto para o próximo dia 20 de dezembro. Há, no entanto, uma peça neste quebra-cabeça que tem potencial de travar as discussões. Trata-se da liberação das emendas parlamentares que foi suspensa por determinação do ministro Flávio Dino (STF).
A “suspensão” ocorreu no âmbito das discussões entre os Três Poderes para que se criassem ferramentas para dar mais transparência à distribuição das emendas parlamentares. Para atender à demanda do Judiciário, o Congresso aprovou a toque de caixa um Projeto de Lei Complementar. Ele foi sancionado, sem vetos, pelo presidente Lula na última terça-feira (26). Na quarta-feira (27), Câmara e Senado encaminharam um ofício para Dino pedindo a liberação das emendas.
Ainda não houve uma resposta do ministro. No entendimento de algumas lideranças do Centrão, com quem conversei, cabe apenas ao ministro acatar o que foi aprovado pelo Congresso e ratificado pelo presidente Lula. Entendem que o ministro (isoladamente) não vai se colocar em choque com uma decisão dos outros dois Poderes. Pontuam, porém, que se esse cenário não se confirmar, haverá um tensionamento institucional podendo impactar na dinâmica de votações no Congresso.
Acredito que uma decisão favorável ao fim da suspensão do pagamento das emendas deve ocorrer nestes próximos dias. Mas acompanhar o encaixe dessa peça neste quebra-cabeça é importante para termos uma melhor percepção do desfecho das discussões do pacote de cortes de gastos, ainda em 2024.
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