- Na manhã do dia 29 de dezembro, sexta-feira, o governo editou a MP da Reoneração (1202/2023)
- Na prática, a Medida dilapidou a engenharia orquestrada pelas principais lideranças do Congresso
- A MP invalidava a iniciativa do Legislativo que ratificou a prorrogação dos benefícios tributários para as empresas dos setores de eventos (Perse)
Na reta final de 2023, o ambiente em Brasília era de festa, no Executivo e Legislativo. O primeiro ano do Lula 3 estava chegando ao fim. Era o momento de baixar a guarda e comemorar a aprovação de algumas pautas da agenda econômica super desafiadoras – principalmente para um governo que está longe de ter ampla maioria no Congresso.
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Na lista de realizações que fizeram parte dos brindes estava o novo Marco Fiscal; as mudanças nas regras do Carf; a taxação das offshores e do fundos exclusivos; a taxação das Bets; a MP das Subvenções; e a Reforma Tributária, algo que pouquíssimos acreditavam que iria avançar.
Não é pouca coisa, sobretudo, dentro da atual conjuntura política e da pulverização das relações dentro do Congresso (leia mais aqui). Seguindo a estratégia do vamos aprovar o projeto “possível’, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, fechava o ano como o principal nome do governo. Externamente, se concretizou como interlocutor dos principais atores do Congresso.
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Apesar da sequência de taças de champagne, o ambiente de distensionamento não durou muito. Não deu tempo nem para afrouxar o nó da gravata e entrar no clima de recesso. Na manhã do dia 29 de dezembro, sexta-feira, o governo editou a MP da Reoneração (1202/2023).
Na prática, a Medida dilapidou a engenharia orquestrada pelas principais lideranças do Congresso que aprovaram de forma categórica a desoneração da folha de dezenas de setores e municípios. Ou seja, a MP invalidava a iniciativa do Legislativo que ratificou a prorrogação dos benefícios tributários para as empresas dos setores de eventos (Perse).
Logicamente, as primeiras reações políticas eclodiram poucos dias depois. Boa parte do mundo político leu a decisão da Fazenda como uma afronta, um desacato ao Congresso. Em Brasília, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, passou a receber dezenas de ligações e reclamações diretas dos parlamentares exigindo que a MP fosse devolvida.
Sob a pressão dos congressistas e de alguns players setoriais, o senador chegou a dizer publicamente, no final de janeiro, que houve um acordo com o governo para reeditar uma nova MP. A nova MP revogaria os trechos que tratam da reoneração. Tal acordo teria sido acertado em reunião com o presidente Lula e o ministro Haddad. Até o momento, nenhum representante da cúpula do governo confirma o que disse Pacheco. Ou seja, o impasse político está mantido.
Coerência
Apesar de toda a polêmica, a MP não deve ser considerada como uma afronta ao Congresso. Temos que ter em mente que a principal agenda política e econômica de 2023 foi em torno de medidas que buscam o fim de benesses e o equilíbrio das contas públicas. Destaco que o Congresso participou ativamente desse processo. Dentro desse contexto, ele aprovou, mesmo que parcialmente, as medidas citadas acima como o Marco Fiscal, que deu previsibilidade para os gastos do governo. Os parlamentares também avançaram nas intrincadas discussões que envolviam propostas de arrecadação.
O contrassenso está no fato de que o mesmo Congresso aprovou medidas que colidem frontalmente com a agenda de equilíbrio fiscal, que eles próprios ajudaram a construir.
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Só para lembrar, o impacto estimado com a desoneração da folha chega a R$ 16bi/ano. Detalhe. Não há previsão de onde virá os recursos para cobrir esse rombo. É dentro desse cenário que a iniciativa do governo de editar a MP é um ato de coerência com aquilo que foi construído no primeiro ano de Lula 3, em conjunto com o mundo político.
Credibilidade
À luz das contradições de Brasília, ressalto que esse jogo sobre o futuro da MP está aberto. Lembro, contudo, que os rumos desse debate vão impactar, para ou bem ou para o mal, as projeções de Receitas e Despesas primárias, previstas para serem divulgadas em março. Ou seja, o desfecho desse debate também deverá impactar nas discussões sobre o futuro da manutenção da meta de déficit primário.
Por fim, mas não menos importante, é preciso colocar no radar que uma possível alteração da meta será vista como um divisor de águas no que se refere à credibilidade da agenda econômica do atual governo. Vamos acompanhando.