Multiplicando Sonhos

Evandro Mello é CEO e fundador da Multiplicando Sonhos, associação sem fins lucrativos que tem como missão transformar a vida de jovens de escolas públicas através da educação financeira. Nascido na zona leste de São Paulo, é graduando em administração com ênfase em Comércio Exterior e estuda Psicologia Econômica e Tomada de Decisão.

Escreve aos sábados, a cada 15 dias

Evandro Mello

Nudges e sludges: saiba como eles afetam o nosso comportamento

Mecanismos da ciência do comportamento são usados para influenciar nossas decisões, inclusive as financeiras

Nudges são usados para incentivar um comportamento benéfico; já os sludges buscam influenciar de forma negativa (Foto: Envato)
  • Muitas coisas na nossa sociedade eram feitas para moldar o nosso comportamento de acordo com interesses das instituições, do estado ou de quem quer que tenha poder
  • Nudges são mecanismos que buscam incentivar um comportamento específico sem alterar a liberdade de escolha da pessoa, sempre buscando o bem comum
  • Os nudges passaram a ser estudados pelas companhias e usados a seu favor, buscando influenciar seus clientes a fazerem o que eles querem: consumir

Recentemente, um ex-aluno da Multiplicando Sonhos me contou que seus pais viviam usando o cheque especial do banco sem sequer perceber os juros que pagavam por ele. Isso acontecia porque o saldo do cheque especial aparecia como saldo positivo no aplicativo do banco, algo muito comum hoje em dia. Depois que trocaram para uma conta digital sem cheque especial, isso mudou.

Esse relato ficou martelando em minha mente por um tempo. Eu já sabia que muitas coisas na nossa sociedade eram feitas para moldar o nosso comportamento de acordo com interesses das instituições, do estado ou de quem quer que tenha poder, mas queria entender melhor esses mecanismos. Foi então que conheci os termos “nudge” e “sludge”.

Segundo Antônio Matheus Sá, economista comportamental da Nudge Rio e multiplicador voluntário da Multiplicando Sonhos, os nudges são mecanismos que buscam incentivar um comportamento específico sem alterar a liberdade de escolha da pessoa, sempre buscando o bem comum.

“Um dos nudges mais comuns, por exemplo, é o de facilidade e simplicidade. Ao fazer com que a decisão que você considera melhor para o seu público e para a sociedade seja a mais fácil de ser tomada, você aumenta as chances delas tomarem essa decisão de fato”, explica o especialista.

Por exemplo, se você quer que a maioria das pessoas tenha uma previdência privada, de forma a garantir uma aposentadoria mais tranquila à população, é preciso tornar esse processo simples e acessível. Caso contrário, dificilmente a maioria das pessoas optará por esse caminho.

“A ideia não é obrigar as pessoas a fazer uma previdência e nem as coagir a isso, mas sim facilitar o processo para incentivar aquelas que já gostariam de fazê-la, mas acabam postergando essa ação pela dificuldade”, reforça Antônio.

Por outro lado, tendo em vista que vivemos em uma sociedade capitalista que busca lucro, é óbvio que os nudges passaram a ser estudados pelas companhias e usados a seu favor, buscando influenciar seus clientes a fazerem o que eles querem: consumir.

A esses mecanismos, como o do cheque especial com cara de dinheiro na conta citado pelo meu ex-aluno, foi dado o nome de sludge. “É uma espécie de ‘nudge negativo’. O termo foi criado porque, conceitualmente, um nudge é sempre positivo para as pessoas e para a sociedade”, diz Antônio.

Como os nudges funcionam? 

Os nudges são criados com base nas teorias do modus operandi do pensamento humano. Elas dizem que o nosso cérebro é dividido em dois sistemas abstratos principais que têm a ver com os nossos níveis de concentração.

O sistema 1 atua quando estamos relaxados e é onde nosso pensamento é mais automático, funcionando com base naquilo que já sabemos. Já o sistema 2 atua quando estamos concentrados, é mais reflexivo e tem um processo de construção de pensamento mais lento e detalhado.

“Nosso corpo é focado em economizar energia por questões evolutivas. E energia mental também conta, não só física. Por isso, o sistema 1 do nosso cérebro nos ajuda a poupar energia mental”, explica Antônio.

Assim, ao longo do dia, tomamos muitas decisões e muitas delas pelo sistema 1. Isso nos torna mais eficientes e rápidos, porém, mais suscetíveis a cair em alguns vieses que já temos consolidados no nosso cérebro e que podem se tornar armadilhas.

É sobre esses vieses que os nudges e sludges se baseiam. Por exemplo:

  • Viés do presente, onde tendemos a querer consumir e fazer as coisas hoje e não pensar no futuro; 
  • Efeito manada, quando seguimos o comportamento da multidão;
  • Aversão a perdas, quando agimos de forma a não perder aquilo que já conquistamos e conhecemos, mesmo que não seja tão positivo para nós.

Eles são mecanismos que se enquadram nesses vieses de comportamento e por isso nos levam a tomar decisões de forma rápida e sem pensar muito, usando nosso sistema 1 do cérebro.

Nudges também são culturais

Um dos exemplos de nudges mais famosos é um estudo que foi realizado nos Estados Unidos com o objetivo de incentivar a população de um bairro a economizar energia elétrica.

A primeira tentativa era um nudge de aversão a perda. Foram enviadas cartas explicando o quanto as pessoas economizariam ao reduzir o tempo de consumo de luzes ligadas, banhos etc. Porém, isso não deu muito certo: os índices permaneceram praticamente os mesmos após o método.

A segunda tentativa foi uma carta de apelo ecológico. Ela mostrava o quanto as atitudes de economia de energia seriam boas para o planeta e para as futuras gerações, mas novamente não obtiveram sucesso.

Na terceira, a mensagem era sobre o quanto o país estava precisando dessa economia de energia por conta dos reservatórios que estavam em baixa. Eles apelaram para o nacionalismo típico norte-americano. Mesmo assim, não deu certo.

A carta que trouxe melhores resultados foi a quarta. Ela apelava para o senso de competição ao dizer o quanto os vizinhos daquele cidadão estavam economizando mais do que ele. “As pessoas não queriam ‘sair perdendo’ para os vizinhos, então trataram de correr atrás do prejuízo”, explica Antônio.

Esse case foi testado no Brasil, no Rio e em São Paulo. Não com economia de energia, mas com pagamento de IPTU atrasado. Porém, o que a Nudge Rio percebeu foi que esse efeito da competitividade não funciona tão bem por aqui.

“As pessoas daqui não se importam muito se os vizinhos estão economizando mais que elas. Por outro lado, a carta que mais deu certo aqui foi a de impacto de aversão a perda, onde eram destrinchados todos os efeitos negativos do não pagamento do IPTU”, conta Antônio.

Assim, os aspectos culturais são muito fortes quando falamos de ciência do comportamento. Não necessariamente um nudge atestado em um país específico vai funcionar em todos os países do mundo.

O mercado financeiro utiliza muito a comunicação com uso de nudges e sludges. E como vimos nesse artigo, eles servem como um “empurrãozinho” para tomarmos decisões tanto para o bem como para o mal. Cabe a nós acionarmos o nosso sistema 2 para não cairmos em ciladas. Fique de olho!

Agora me conta, você sabia o que eram nudges e sludges? Conseguiu identificar algum no qual já “caiu”?

Com esse novo conhecimento, espero que você esteja mais atento para conseguir fugir dos sludges e fazer bom uso dos nudges. Bons investimentos!

Colaboração: Giovanna Castro