O que os criptoativos ensinam

Diretor no Mercado Bitcoin desde 2018, Tota tem 23 anos de experiência no mercado financeiro. Agora no universo dos criptoativos, ele une o seu forte background em tecnologia e profundo conhecimento de produtos financeiros para desmistificar o mercado de ativos digitais.

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Fabricio Tota

Ethereum 2.0 vem aí, mas tecnologia do futuro ainda não está pronta

Ainda que o mundo cripto tenha diversas blockchains, diversas tecnologias continuam a competir entre si

Conhecida como Ethereum 2.0, mudança tem tudo para ser um marco na história dos criptoativos. Foto: Envato Elements
  • Muito se fala de como o futuro será maravilhoso: um mundo descentralizado, seguro, onde avatares no metaverso utilizarão contratos inteligentes e protocolos de DeFi
  • Mas trago uma má notícia: toda a infraestrutura tecnológica para suportar esse futuro ainda não está pronta
  • Outras questões da rede Ethereum não serão atacadas dessa vez: o custo das transações, ainda hoje bastante alto, deve cair somente em mudanças previstas para 2023

Atualizar um software sempre foi um desafio para desenvolvedores e times de tecnologia. Disponibilizar uma nova versão de um programa frequentemente envolve tirar a aplicação do ar, notificar usuários, alterar bancos de dados e muitos outros passos.

Felizmente, esses processos estão cada vez mais transparentes aos olhos dos usuários. O sistema operacional de nossos celulares é atualizado com certa frequência enquanto dormimos e o celular carrega ao lado da cama. Simples, fácil e indolor.

Mas nem toda atualização é assim. E no caso específico dos criptoativos, estamos às portas de uma das maiores e mais relevantes atualizações de software dessa indústria. Tão relevante que tem até nome: The Merge –  “A Fusão”, em tradução livre.

Também conhecida como Ethereum 2.0, essa mudança tem tudo para ser um marco na história dos criptoativos. Muito se fala, ainda que de forma superficial, de como o futuro será incrivelmente maravilhoso: um mundo descentralizado, seguro, escalável, onde avatares no metaverso utilizarão contratos inteligentes e protocolos de DeFi – as finanças descentralizadas.

Tudo isso com pitadas de NFT e tokenização. Viva, a Web3 chegou! O futuro será mesmo maravilhoso.

Ironias à parte, depois dessa enxurrada de palavras-chave – que sim, fazem sentido – trago uma má notícia: toda a infraestrutura tecnológica para suportar esse futuro ainda não está pronta. Ainda que o mundo cripto tenha diversas blockchains, diversas tecnologias ainda competem entre si e só o tempo vai dizer quais são as vencedoras.

O Bitcoin e o Ethereum são, hoje, os projetos mais destacados. De longe. Para se ter uma ideia, a capitalização de mercado dos dois projetos somados é de aproximadamente 60% do valor total do mercado cripto. Ethereum é mais de dez vezes maior, em valor de mercado, do que a blockchain alternativa mais próxima.

Esse cenário pode mudar? Pode, mas não é o cenário-base. Existe muita gente dedicada a construir esse ecossistema. Segundo um relatório da Electric Capital, fundo de venture capital focado em cripto e Web3, são mais de quatro mil desenvolvedores diretamente ligados ao ecossistema Ethereum. Além disso, muitas soluções, que vão de plataformas de finanças descentralizadas a ativos tokenizados, escolheram a plataforma Ethereum como sua casa, colocando muito tempo, esforço e, sobretudo, dinheiro na jogada.

Como base de comparação, o Bitcoin possui cerca de 700 desenvolvedores. Ora, e ainda assim possui três vezes mais valor de mercado do que o Ethereum! Mas há um motivo: o Bitcoin é naturalmente algo para ser mais robusto e menos dinâmico em termos de atualizações. Melhorias são possíveis, mas o ritmo é outro: a última atualização, feita em 2021, veio cerca de quatro anos depois da atualização anterior. Já o Ethereum é muito mais dinâmico, com uma comunidade super ativa, organizada e com uma figura icônica à frente: o gênio Vitalik Buterin.

Vitalik é um dos criadores do Ethereum e hoje é a figura mais proeminente do protocolo. É o guia que norteia seu  desenvolvimento. Suas palavras são sempre lidas e ouvidas com atenção nas conferências de Ethereum ao redor do mundo. Em um desses eventos, em Paris, Vitalik revelou que o Ethereum estaria “55% pronto” após essa esperada atualização, programada para acontecer neste mês de setembro. O Ethereum foi lançado em 2015. Sete anos depois, acabou de passar da metade do desenvolvimento planejado.

A atualização em questão resolverá um dos pontos mais atacados: o alto consumo energético da rede Ethereum. Hoje o chamado algoritmo de consenso utiliza uma técnica conhecida como proof of work, ou prova de trabalho. Essa técnica precisa de muita capacidade computacional para validação dos blocos. Simplificando: para ter maior capacidade computacional, precisamos de mais computadores ligados, o que significa maior consumo energético.

É justamente esse ponto que será atacado. A validação passará a ser feita por meio da proof of stake, ou prova de participação. O alinhamento de interesse se dá não pelo poder computacional, mas sim pela prova de que aquele validador possui uma determinada quantia de tokens nativos da rede Ethereum – o ETH – e por essa razão terá direito de validar os blocos, recebendo uma recompensa por isso.

Essa mudança, extremamente complexa, impactará positivamente o consumo energético, mas também mudará a economia da rede Ethereum. Os mineradores, esses validadores especializados em emprestar poder computacional para a rede, deixarão de ser úteis. A economia da rede também mudará: a criação de novos tokens ETH será inferior à destruição de tokens – programada e já em curso.

Isso tornará a criptomoeda nativa deflacionária, o que provavelmente trará um efeito visível e bastante familiar para a maioria das pessoas: uma perspectiva de alta dos preços, para que se reequilibre oferta e demanda.

Outras questões da rede Ethereum não serão atacadas dessa vez: o custo das transações, ainda hoje bastante alto, deve cair somente em mudanças previstas para 2023. Outros tópicos, como a escalabilidade da rede, também estão no roadmap de mudanças para o futuro.

Essa é a beleza do universo cripto: um mundo dinâmico, ainda em construção, com mentes brilhantes envolvidas em sua criação. O que estamos vendo, a melhoria de um avião em pleno voo, é uma rara oportunidade de acompanhar: a criação de algo que transformará definitivamente a forma como fazemos negócios no futuro.

Mas não passivamente: nos cabe tomar decisões e escolher o momento de nos envolvermos mais a fundo nesse ambiente, seja em nossa vida profissional, nas empresas em que trabalhamos, ou pessoal, com nossa carteira de investimentos.

Ainda é cedo? Sim, e isso é ótimo. Estamos a todo vapor, construindo a infraestrutura de mercado dos próximos anos. Quando se envolver? Em minha opinião, vale a máxima que adotamos aqui no Mercado Bitcoin: quem chega antes, vence.