OPINIÃO. Faria Lima sabia do Master fazia anos, mas lucrava com ele
Colapso do banco expõe incentivos distorcidos do mercado, que ignorou sinais evidentes enquanto lucrava com taxas altas, prazos longos e a proteção do FGC
Anos antes da quebra do Banco Master, parte do mercado já conhecia os riscos, mas seguia lucrando com taxas elevadas e a cobertura do FGC. (Imagem: Adobe Stock)
O Brasil adora repetir que tem um dos sistemas financeiros mais modernos do mundo. O Pix virou quase um troféu nacional, como se inovação tecnológica fosse garantia automática de segurança. Mas, enquanto o país comemorava a própria genialidade, a realidade se impunha nos bastidores: o caso do Banco Master mostrou que não adianta ter o carro mais rápido da pista se ninguém está olhando o painel de combustível.
A verdade incômoda é que a Faria Lima sabia. Sabia havia anos que o Master alongava prazos de maneira agressiva, pagava taxas fora da curva e dependia demais do varejo para financiar seu apetite. Os rebates de até 5% para instituições e agentes autônomos compensavam a vista grossa. Mas enquanto o dinheiro entrava, a preocupação ficava para depois. Tudo parecia aceitável porque, no fundo, havia um incentivo óbvio para não ver o que estava na frente. Durante o período em que a bolsa andou de lado, foram justamente os produtos bancários com garantia do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) que sustentaram boa parte da receita das plataformas e dos escritórios. Não é coincidência. É comportamento.
Agora, quando a porta finalmente fechou, o discurso muda. Fala-se em surpresa, em falência inesperada, em riscos impossíveis de prever. Mas o mercado não foi pego desprevenido. Ele foi pego lucrando. E é isso que ninguém gosta de admitir. Todo mundo sabia. O problema é o investidor que não entende nada de mercado financeiro que colocou mais de R$ 250 mil. Quem paga o prejuízo dele?
Enquanto milhões de investidores aguardam ressarcimento, o FGC terá de colocar bilhões na mesa. Detalhe. Será mais que R$ 40 bilhões. Ainda teremos o Will Bank. O fundo vai cumprir seu papel, como sempre fez, e provavelmente fará isso antes de 60 dias. Mas não dá para ignorar o óbvio: não existe almoço grátis. Cada vez que o mercado repete o padrão de empurrar risco para o FGC, é o patrimônio coletivo que paga a conta. E quem acredita que o FGC é infinito está vivendo em um conto de fadas financeiro. O fundo garantidor é sim um orgulho mundial, tanto no quesito credibilidade, quanto no quesito rapidez. Mas ele não é um saco sem fundo.
Indústria preferiu o lucro imediato à prudência óbvia
Não adianta culpar indivíduos. O problema é sistêmico. O Brasil criou um modelo em que inovação convive com incentivos distorcidos. Tudo funciona enquanto a música toca, enquanto os spreads são suculentos, enquanto o varejo compra títulos sem entender que prazos longos e taxas gordas não aparecem de graça. Depois, quando o castelo cai, todos correm para apontar o dedo para o regulador ou para falar em “fraude incontornável”.
Publicidade
Se o país quer realmente proteger o investidor, precisa parar de confundir avanço digital com blindagem estrutural. Não é porque o Pix funciona que o resto está imune ao risco. Inovação é diferente de segurança sistêmica. A autoglorificação tecnológica do sistema financeiro brasileiro virou um espelho distorcido que esconde o básico: governança se faz com vigilância, e não com slogans.
A lição do Master não é sobre o Master. É sobre a indústria que preferiu o lucro imediato à prudência óbvia. E enquanto não encarar isso de frente, o Brasil vai continuar confundindo modernidade com maturidade. Uma mostra o que conseguimos construir. A outra revela o quanto ainda falta aprender. O Master mostra a essência do jeitinho brasileiro. Se o caos me beneficia, eu fecho meus olhos.