Investimento com propósito

Fernanda Camargo é sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management e tem mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, com passagens por Vinci Partners, Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio, Standard Bank, Deutsche Bank e Merrill Lynch. Ela é uma das fundadoras do Instituto LiveWright, OSCIP dedicada a gestão do esporte olímpico no Brasil e faz parte do Conselho da ONG Atletas pelo Brasil.

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Fernanda Camargo

Conheça os investimentos em soluções baseadas na natureza

A competitividade e a segurança, no longo prazo, dependem do uso sustentável dos recursos naturais

Foto: Pixabay
  • SbN são ações inspiradas e apoiadas na natureza que proporcionam benefícios ambientais, sociais, econômicos e ajudam a construir a resiliência
  • As SbN podem ser classificadas em cinco categorias: SbN para segurança hídrica, SbN para segurança alimentar, SbN para saúde humana, SbN para redução de riscos de desastres e SbN para as mudanças climáticas

No último capítulo do Arrabalde, especial da Revista Piauí, escrito por João Moreira Salles sobre como nós brasileiros entendemos ou não entendemos a Amazônia, ele conta a seguinte história:

Em 2008, Patrick Brown, professor de bioquímica em Stanford, a universidade californiana cravada no centro do Vale do Silício, sentou-se diante de um prato de comida em companhia de um colega geneticista, Michael Eisen. Brown lhe perguntou: “Se fosse para escolher um único problema para atacar, qual seria o maior deles?”

“Mudança climática”, respondeu Eisen, com cara de que ninguém precisava de PhD para acertar essa. Animado, Brown devolveu: “E qual a coisa mais grandiosa ao nosso alcance para mitigar o problema?”

Eisen soltou umas ideias em circulação na praça: biocombustíveis, imposto de carbono. Brown balançou a cabeça: “Não, não… São as vacas!”

Buscando uma solução, em 2011, Brown fundou a Impossible Foods, uma empresa de alimentos baseados na natureza.

Apesar do Brasil ter uma matriz energética majoritariamente hidrelétrica, considerada limpa, e ocupar a sexta posição como maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, quase metade de tais gases lançados pelo Brasil na atmosfera são provenientes do que os pesquisadores chamam de “mudanças no uso da terra”.

Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases do Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima, em 2019, 44% do total das emissões brasileiras, algo em torno de quase 1 bilhão de toneladas, vieram de mudanças no uso da terra e a maior parte dessa terra vai para pecuária.

Enquanto isso, o consumidor está mudando seus hábitos e o mundo está investindo em Soluções baseadas na Natureza (as SbN).

Segundo o IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza), SbN são ações inspiradas e apoiadas na natureza que proporcionam benefícios ambientais, sociais, econômicos e ajudam a construir a resiliência. As SbN podem ser consideradas como um conceito guarda-chuva que abrange uma gama de diferentes abordagens, incluindo uma variedade de esferas, mas compartilhando um foco comum em serviços ecossistêmicos que visam enfrentar os desafios atuais da sociedade. Essas abordagens podem ser classificadas em:

– Restauração de ecossistemas (por exemplo, restauração ecológica, engenharia ecológica e restauração de paisagens florestais);
– Abordagens específicas relacionadas aos ecossistemas (por exemplo, adaptação/mitigação baseada em ecossistemas e redução de riscos de desastres baseada em ecossistemas);
– Infraestrutura (por exemplo, infraestrutura natural e abordagens de infraestrutura verde);
– Gestão baseadas em ecossistemas (por exemplo, gestão integrada da zona costeira e dos recursos hídricos);
– Proteção dos ecossistemas (por exemplo, abordagens de conservação baseadas na área, incluindo o manejo de áreas protegidas).

Além das diferentes abordagens, as SbN podem ser classificadas em cinco categorias: SbN para segurança hídrica, SbN para segurança alimentar, SbN para saúde humana, SbN para redução de riscos de desastres e SbN para as mudanças climáticas.

O tal Plant Based (alimentação baseada em plantas) é uma SbN para segurança alimentar. A grande preocupação dos adeptos ao plant-based diz respeito à origem das matérias-primas. A preferência é por produtos orgânicos, com origem e fabricação certificadas com selos como Certified Plant Based, Cruelty Free (Livre de Crueldades), Certificação Orgânica, entre outros.

A Impossible Foods, fundada por Brown deve fazer um IPO no início de 2022 com valor de mercado estimado em US$ 10 bilhões.

Para termos uma ideia do que isso significa, a BRF esta avaliada em US$ 4 bilhões, a Marfrig em US$ 3 bilhões e a JBS, que é o maior frigorífico do mundo, vale US$ 17 bilhões (segundo fechamento do mercado de 30/09/21).

Você já tomou o leite Not Milk da NotCo? O que achou? Idêntico ao leite da vaca, não? Sabia que a NotCo foi avaliada em US$ 1,5 bilhões? Trata-se de uma startup Chilena. O foco da NotCo é produzir produtos que se parecem com os tradicionais, mas que, em sua essência, não tem nada de tradicional. Ele fazem maionese sem ovos, sorvete sem leite, o leite que não é de vaca e nem de soja, e a carne que não é de vaca. Todos os itens são feitos com base em inteligência artificial (IA) e no uso de algoritmos.

As receitas são desenvolvidas com base no aprendizado de máquina, que faz toda uma análise de como criar réplicas de alimentos de origem animal, mas somente com ingredientes vegetais — e tudo com o mesmo sabor e textura dos originais.

Essa Inteligência Artificial, chamada IA Giuseppe, criada pela Not Company, mapeia grande parte das plantas comestíveis que existem na natureza e, a partir do levantamento, a empresa entende o que aquela planta entrega. Dessa forma, a inteligência artificial faz uma combinação entre quais plantas e verduras podem substituir a proteína animal.

A Fazenda Futuro foi criada em abril de 2019. Além de um hambúrguer feito com plantas, a startup de tecnologia para alimentação (ou foodtech) têm almôndegas, carne moída, frango em pedaços e linguiça de pernil. Alguns ingredientes usados são beterraba, ervilha, gordura de coco, óleo de canola e soja. Todos são naturais, não transgênicos e sem colesterol, glúten ou gordura trans. Trata-se de uma startup, mas já esta avaliada em R$ 715 milhões.

Existem outras empresas surgindo aqui no Brasil como a Beleaf que faz entregas de refeições congeladas feitas com ingredientes plant-based, a NoMoo que produz queijo, requeijão e creme de leite a partir da castanha de caju, a NoCarbon que produz leite com carbono zero através do plantio de árvores, entre outras.

Soluções para segurança alimentar. Imagem: UICN

O grande desafio de diversos países é conseguir gerar empregos, crescer, ser competitivo e ao mesmo tempo atacar a crise climática e social.

A competitividade e a segurança, no longo prazo, dependem do uso sustentável dos recursos naturais. Aumentar a produção de manufaturados pode até gerar crescimento e criar empregos, mas o custo ambiental, a perda da biodiversidade e custo social serão altos.

As SbN oferecem oportunidades para desenvolver soluções inovadoras e, assim, criar novos cenários de desenvolvimento econômico e social com a reintrodução da natureza nas cidades em múltiplas escalas, protegendo o que resta de ecossistemas e outras zonas verdes para proporcionar serviços ecossistêmicos explícitos e todos os benefícios conexos.

Será que estamos destruindo nossa maior riqueza para dar espaço para proteína animal enquanto o mundo esta buscando soluções baseadas na natureza? Tudo indica que sim.

Guarda-chuva de Soluções Baseadas na Natureza. Imagem: IUCN