Investimento com propósito

Fernanda Camargo é sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management e tem mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, com passagens por Vinci Partners, Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio, Standard Bank, Deutsche Bank e Merrill Lynch. Ela é uma das fundadoras do Instituto LiveWright, OSCIP dedicada a gestão do esporte olímpico no Brasil e faz parte do Conselho da ONG Atletas pelo Brasil.

Escreve mensalmente, às sextas-feiras

Fernanda Camargo

Precisamos de um ESG Brasileiro

O ESG criado sob as perspectivas de países desenvolvidos deveria sofrer ajustes para ser aplicado no Brasil

Carro elétrico da Tesla. Foto: REUTERS/Kim Kyung-Hoon
  • Alguns olham para o Brasil, com 80% da matriz energética limpa e 40% de florestas tropicais do mundo, e acham que isso nos dá licença para não tomar as devidas providências
  • No entanto, o mundo vem buscando caminhos para melhorar e o Brasil está piorando. O desmatamento cresceu 43% só no último ano
  • Os riscos trazidos pelas mudanças climáticas são indiscutíveis, mas como isso afeta cada um de nós é totalmente diferente

O lugar em que você fica de pé depende de onde você está sentado, dizia Rufus E. Miles Jr. (1910-1996). Ele foi assessor de presidentes como Dwight Eisenhower, John Kennedy e Lyndon Johnson. De “memoráveis encontros com a realidade”, ele criou a Lei de Miles. Ele codificou o que deveria ser intuitivo. Nós vemos as coisas e fazemos julgamentos a partir do nosso ponto de vista.

Quando procuramos notícias e artigos sobre ESG (acrônimo para ESG – Environmental, Social and Governance ou ASG – Ambiental Social e Governança) encontramos: Nós precisamos reduzir as emissões de gases do efeito estufa, nós precisamos fazer uma transição energética, nós precisamos fazer uma revolução verde, etc… Quem somos “nós”??

Os riscos trazidos pelas mudanças climáticas são indiscutíveis, mas como isso afeta cada um de nós é totalmente diferente. Veja o caso do uso do cobalto para a produção de baterias recarregáveis – tão necessárias para a transição energética. As baterias estão em nossos celulares, carros, equipamentos eletrônicos e outros. Setenta por cento das reservas de cobalto do mundo estão no Congo.

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O Congo não é um lugar muito amigável dado os conflitos, a corrupção e o caos social. Além disso, nos últimos 15 anos, o trabalho infantil e escravo vem aumentando, assim como questões sanitárias e ambientais. Ainda assim, a Tesla, que usa 20kg de cobalto vindo do Congo por carro, é considerada sustentável por alguns investidores que olham apenas para o fato de que carros elétricos não consumem combustíveis fósseis.

Todos os países se comprometeram com a meta do Acordo de Paris de limitar o aumento da temperatura global abaixo de 2˚C, preferencialmente abaixo de 1.5˚C. O uso de critérios ESG pelas empresas de diversos setores é um dos caminhos para se atacar o problema.

Em nossa jornada, buscamos alocar com critérios ESG desde 2016. Sempre acreditamos que esse olhar nos tornaria mais humanos, mais conectados e com um senso de responsabilidade maior. No entanto, em nosso “encontro com a realidade”, temos aprendido que as coisas não são tão simples assim. Já falei anteriormente nessa coluna sobre a dificuldade de encontrar fundos e empresas que estejam usando critérios ESG de forma profunda, responsável e engajada. É natural que seja assim, o movimento ainda está na sua infância.

Ao olharmos para o mapa de emissões de carbono no mundo, vemos que China e Estados Unidos são os grandes emissores. Mas a China tem uma população de 1.4 bilhões de pessoas e os Estado Unidos de 328 milhões. A emissão per capta dos Estados Unidos é muito maior do que a da China, isso sem falar no resto do mundo.

 

Fonte: Union of Concerned Scientists

Segundo estudo das Nações Unidas, os 1% mais ricos do mundo respondem por 15% das emissões, enquanto os 50% mais pobres respondem por metade disso (7.5%). Os 10% mais ricos do mundo estão espalhados por todos os continentes, mas metade dessas emissões estão associadas ao consumo de americanos e europeus e, apenas 0.25% das emissões ao consumo de chineses e indianos.

Dados disponíveis para o G20 / Fonte: Financial Times

Alguns olham para o Brasil, com 80% da matriz energética limpa e 40% de florestas tropicais do mundo, e acham que isso nos dá licença para não tomar as devidas providências. No entanto, o mundo vem buscando caminhos para melhorar e o Brasil está piorando. O desmatamento cresceu 43% só no último ano. Desde 2018 foram desmatados 11mil km2 por ano (segundo dados do Prodes/Inpe). O desmate é a principal fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil.

Ao entrarmos em discussões mais aprofundadas sobre o processo de transição em determinadas empresas, fomos aprendendo que o ESG criado sob as perspectivas de países desenvolvidos deveria sofrer alguns ajustes, principalmente no que tange a questão social, para ser aplicado ao Brasil e a outros países em desenvolvimento.

Entender a transição sistêmica do ponto de vista não apenas de eficiência, mas também do impacto real desse processo, é fundamental. No Brasil a taxa de desemprego acaba de atingir 14,7% da população, 52 milhões de pessoas estão na faixa de pobreza e 13 milhões na pobreza extrema (segundo dados do IBGE e FGV Social).

A transição para uma economia de baixo carbono vai ter que acontecer. Mas quem deveria pagar pela transição?

A Alemanha acaba de propor um plano para zerar emissões de carbono. Desde janeiro deste ano, passaram a aplicar um imposto de EUR 25,00 (R$156,00) por tonelada de carbono emitida pelas indústrias de petróleo, diesel, óleo e gás. A estratégia é tornar energia “suja” mais cara e incentivar o uso de energia limpa. No entanto, no curto prazo, se não houver um plano de subsídios do governo, esse imposto pode acabar atingindo milhões de pessoas que não necessariamente podem ou devem pagar por isso.

Fonte: Oxfam e Financial Times

As mudanças climáticas são uma realidade e a questão precisa ser atacada com urgência. O mundo todo está buscando ferramentas para a contenção das emissões. O Brasil, mesmo não sendo um dos grandes emissores, pode começar a sofrer restrições financeiras e comerciais principalmente por causa do desmatamento. E isso vai afetar ainda mais nossa questão social.

Essa agenda vem sendo acelerada por movimentos de investidores como o CDP – Disclosure Insight Action, PRI (Principles for Responsible Investment), GRI (Global Reporting Initiative) que criou e gere o padrão para relatórios corporativos, o TCFD (Task Force on Climate-related Financial Disclosures) que tem o apoio de um grupo de investidores com US$ 118 trilhões sob gestão. Essas organizações ajudam a criar frameworks voltados para estimular a transparência das informações empresariais a fim de melhor basear as decisões de investimento.

Órgãos reguladores vem incorporando esse framework. No entanto, como a maior parte dessas organizações estão em países desenvolvidos, muito dessa agenda é centrada no risco climático, o social ainda precisa ser mais bem endereçado. Precisamos criar um ESG Brasileiro.

A emergência climática vai aumentar e a vulnerabilidade de milhões de pessoas. Quando “nós” investirmos em empresas com uma boa avaliação no que tange a direitos humanos ou políticas sociais, devemos buscar entender o que isso significa, como é medido, quais os resultados, as melhoras, e quem está sendo afetado.

Melhorar a relação entre crescimento econômico global e a pobreza talvez seja uma maneira viável para combater a pobreza dentro de um prazo razoável. Talvez agora, com a volta dos Estados Unidos para o Acordo de Paris, seja possível chegar a um acordo sobre o Artigo 6 que cria o mercado global de carbono. Dessa forma, países que emitem mais carbono podem comprar créditos daqueles que emitem menos. Isso pode ser um bom caminho para transferência de riqueza entre países gerando mais justiça social.

Somos o país mais rico do mundo em biodiversidade. Precisamos atacar a questão climática, mas também buscar oportunidades que incluam o social. É possível preservar florestas e ao mesmo tempo ter crescimento econômico. Aumentar a produtividade na agricultura sem avançar mais sobre a floresta é um caminho, gerar riqueza através da biodiversidade é outro. Precisamos aprender como monetizar este tesouro, preservando-o e gerando valor agregado para a sociedade.