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Investimentos

O que fez 3,9 mil fundos multimercados ‘desaparecerem’ nos últimos quatro anos

O volume de saques nas aplicações em FIMs impôs um cenário complexo para as gestoras, em especial as menores

O que fez 3,9 mil fundos multimercados ‘desaparecerem’ nos últimos quatro anos
Levantamento mostra tendência a enxugamento de estrutura de gestoras (Foto: Envato)
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  • O volume de saques nas aplicações de fundos multimercados impôs um cenário complexo para as gestoras, em especial as menores
  • No total, 3,9 mil fundos multimercados foram cancelados nos últimos quatro anos (2020 a 2024), em uma indústria que tem pouco mais de 13,8 mil veículos ativos
  • Cerca de 63,8% desses encerramentos ocorreu a partir de 2022, com a alta da Selic. Os dados foram levantados por Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria

A indústria de fundos multimercados atravessa o pior momento da história. O volume de saques nas aplicações impôs um cenário complexo para as gestoras, em especial as menores. Pagar as contas se tornou mais difícil com a fuga de investidores dos produtos.

De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), nos últimos 27 meses, de janeiro de 2022 a março de 2024, dado mais recente, essa indústria sofreu R$ 291 bilhões em resgates.

Por isso, a pergunta sobre se vale a pena manter uma aplicação, ou até a própria gestora, “funcionando” — ou se é melhor encerrar as atividades de vez — se tornou mais comum. E isso fica claro na disparada dos números de cancelamentos de fundos multimercados, em especial nos últimos quatro anos, após a pandemia da covid-19.

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No total, 3,9 mil fundos multimercados viraram “história” no período (2020 a 2024), em uma indústria que tem pouco mais de 13,8 mil veículos ativos. Cerca de 63,8% desses encerramentos ocorreu a partir de 2022, quando a taxa básica de juros Selic chegou a 13,75% ao ano, segundo dados levantados por Einar Rivero, da Elos Ayta Consultoria.

A primeira grande vítima

A aplicação “Perfin Equity Hedge 15” foi a primeira grande vítima de uma sequência de “mortes” de fundos de investimento multimercados (FIMs). Em 15 de abril de 2020, o ativo, que já chegou a ter mais de 7,7 mil cotistas, realizou o seu último negócio e assumiu a posição de maior veículo da classe a fechar as portas naquele ano.

Na época, a pandemia de covid-19 imprimiu uma volatilidade histórica aos mercados. O produto da Perfin caiu 22% somente em março de 2020, pior momento da crise sanitária na Bolsa, e não sobreviveu às oscilações.

Na sequência, o número de fundos multimercados cancelados não parou de crescer. No acumulado de 2020, foram 630. Em 2021, outros 745, um aumento de 18,2% na comparação com o ano anterior.

 

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“A volatilidade no início da pandemia deixou mais evidente o quanto fatores exógenos podem exacerbar as distorções entre o preço dos ativos e os fundamentos das companhias e, como consequência, levar os investidores a movimentos abruptos de mudança de alocação”, explica a Perfin , em nota. “Optamos por descontinuar o fundo de forma transparente e diligente. Demos a opção de resgate total ou a possibilidade de migrar para outras estratégias de investimento.”

Contudo, não foi só a pandemia que impactou a indústria de multimercados. O maior salto em cancelamentos ocorreu a partir de 2022, quando a quantidade de FIMs encerrados aumentou cerca de 44% em comparação ao ano anterior, para 1.076.

Naquela época, a escalada da taxa básica de juros para a máxima de 13,75% ao ano elevou o patamar para os rendimentos dos fundos, que não conseguiram acompanhar os rendimentos turbinados da renda fixa. Passaram, então, a conviver com saques, que chegaram R$ 86,5 bilhões em 2022, segundo a Anbima.

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Em 2023, com os juros em queda, o rendimento dos FIMs tiveram algum respiro. Ainda assim, a indústria perdeu R$ 176,5 bilhões no período. A frequência de cancelamentos diminuiu, mas se manteve acima da média dos quatro anos anteriores à pandemia (2016 a 2020).

Cerca de 1.222 fundos multimercados foram encerrados no ano passado, uma alta de 13,5% na comparação com 2022.

Já nos quatro primeiros meses de 2024, 270 aplicações já foram descontinuadas. Apesar de haver sinais de recuperação, a classe ainda não engatou a marcha nas captações - entre janeiro e março deste ano, os resgates chegam a R$ 28,1 bilhões.

Rentabilidade em xeque

As dificuldades em relação à rentabilidade e captação, por exemplo, foram dois dos motivos que ensejaram o cancelamento do fundo "Upon Global Macro", da Upon Global Capital. O multimercado foi finalizado em novembro do ano passado, quando acumulava rentabilidade negativa de 0,5% no ano.

No ápice, em fevereiro de 2023, a estratégia chegou a ter 521 cotistas por meio do fundo espelho "Upon Global Macro Advisory". Em agosto, antes do anúncio de encerramento, o FIM já havia perdido 160 investidores.

Com o fim do Upon Global Macro, a casa também encerrou as atividades. "Dada a situação delicada da indústria e a falta de uma perspectiva de mudança no médio prazo, pensando em fazer o melhor para nossos clientes e sempre visando cumprir com a nossa obrigação fiduciária, acreditamos que o encerramento do projeto é uma decisão acertada para todos", afirmou a asset em uma carta aberta publicada em setembro de 2023.

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“Competir com as taxas de juros no Brasil se tornou uma verdadeira batalha para os gestores de investimentos. Isso levou muitos investidores a migrarem para ativos diretos”, comenta Mario Girotto, planejador financeiro, CEO e sócio-fundador da The Hill Capital.

Títulos públicos do Tesouro Direto e investimentos isentos de impostos, como Certificados de Recebíveis Agrícolas ou Imobiliários (CRA e CRI) e Letras de crédito do agronegócio e imobiliário (LCA e LCI), foram alguns dos concorrentes de peso dos FIMs nos últimos anos.

Já para Valter Bianchi Filho, sócio fundador e diretor de investimentos da Fundamenta, a competitividade com os juros de dois dígitos da renda fixa explica em parte as dificuldades dos FIMs nos últimos anos. Por outro lado, não é possível retirar, também, a responsabilidade das gestoras sobre os resultados. No primeiro trimestre deste ano, por exemplo, só 15 fundos multimercados batiam o CDI.

“Diferentemente de produtos de consumo, que mesmo sendo ruins podem ser sucesso de venda por conta de ações de marketing agressivas ou outros aspectos, fundos precisam entregar resultados para sobreviver. Sem os quais ficam sem apelo algum”, diz Filho.

Enxugamento de custos (e fuga de impostos)

A fuga de investidores e dificuldades de captação pesaram no encerramento de fundos multimercados de 2020 para cá. Contudo, há outros dois grandes fatores que explicam os cancelamentos destes produtos.

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Dos 3,9 mil multimercados encerrados, pelo menos 1,5 mil eram com apenas 1 cotista. Destes, 530 (34,6%) foram descontinuados a partir do ano passado. Para Girotto, a nova tributação de fundos exclusivos, aprovada no final do ano passado, mas discutida desde o início do terceiro mandato de Lula, impulsionou os resgates no período.

Antes, a dedução de Imposto de Renda (IR) dessas aplicações só era feita no momento do resgate do capital. Agora, haverá “come-cotas”, ou seja, será cobrado imposto sobre os rendimentos duas vezes ao ano. “A nova tributação pode afetar sua competitividade dos fundos exclusivos em relação a outros veículos de investimento, como fundos abertos, carteiras administradas e ativos isentos, que só podem ser acessados diretamente pela pessoa física”, diz Girotto.

Por outro lado, muitos dos fundos multimercados não-exclusivos que fecharam nos últimos anos foram incorporados por outras aplicações. Dos 13 maiores FIMs que tiveram os CNPJs cancelados nos últimos quatro anos (que chegaram, em algum momento, a ter mais de 10 mil cotistas), 10 foram incorporados a outros fundos. Este é um movimento que visa enxugar custos dentro das assets, principalmente em um período em que há dificuldades de captação.

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“É muito mais produtivo rodar apenas um fundo, do que múltiplos fundos. Muitas casas têm equipes dedicadas por fundo - então cada fundo novo significa mais gente, mais controles, mais custos”, afirma Filho, da Fundamenta. Segundo ele, a incorporação de fundos por outros da mesma gestora é uma estratégia comum para otimizar a linha de produtos, reduzir custos e aprimorar a eficiência operacional. Esse movimento acontece quando há sobreposição de estratégias ou para concentrar os investidores em fundos com melhor desempenho.

Cortes vão de gestoras independentes a bancões

Um dos casos mais relevantes entre os fundos multimercados de gestoras independentes foi o do Adam Macro Strategy Advisory D60, da famosa gestora Adam Capital. O multimercado foi incorporado pelo Adam Macro Strategy II no ano passado, dentro de uma estratégia para otimizar a estrutura de fundos da casa.

O Adam D60 chegou ao ápice de demanda em outubro de 2018, quando atingiu 14 mil cotistas. A gestora administrava, na época, um patrimônio líquido de quase R$ 30 bilhões segundo dados da Anbima. De lá para cá, o PL da asset caiu para R$ 2,5 bilhões e, antes de ser incorporado, o Adam D60 contava com 964 investidores.

“Ao longo do ano passado iniciamos com o processo de unificação dos fundos da família Adam Macro e Adam Macro Strategy”, diz Sabrina Bueno, gerente de relacionamento e vendas da Adam Capital. “Acreditamos que o processo de unificação dos produtos e otimização da estrutura beneficiará diretamente aos nossos investidores e parceiros.”

A mesma estratégia é apontada por bancões, como o Banco do Brasil. A instituição ressalta a incorporação do 'BB Multimercado LP Macro 200", que chegou a ter 28,8 mil cotistas em maio de 2018, pelo “BB Multimercado Macro LP FIC FI”.

“Esse movimento ocorreu para otimização do nosso portfólio, pois as estratégias eram idênticas, com exceção do valor de aplicação. Enquanto o do BB Multimercado LP Macro 200 era R$ 200, o do BB Multimercado Macro é de R$ 0,01”, diz a instituição.

Já os fundos realmente encerrados foram o C6 Techinvest Prata FI Multimercado e o Mauá Macro Advisory FICFI Multimercado. O primeiro, do C6, foi cancelado após a instituição decidir não ter mais exposição ao ativo (prata). Quando foi descontinuado, em novembro do ano passado, o produto acumulava perdas de 24,5% no ano.

O segundo, Mauá Macro Advisory, da Mauá Capital, foi finalizado em novembro de 2021. Na época, acumulava queda de 8,50% no ano. A gestora decidiu reduzir a área de multimercados após os resultados aquém do esperado, como noticiado pelo Broadcast.

Da seleção, a única gestora a não responder os questionamentos do E-Investidor foi a Safari Capital, cujo fundo Safari 30 Multimercado II, foi cancelado em junho de 2022. Também não houve notícias sobre o fechamento, mas no ápice, em abril de 2020, o veículo atingiu 25 mil cotistas.

Cancelamentos em 2024

Recortando a amostra pelos maiores fundos cancelados somente em 2024 (que chegaram, em algum momento, a ter mais de 100 cotistas), o cenário continua o mesmo.

Das seis aplicações que responderam os questionamentos do E-Investidor, quatro foram alvo de incorporações e apenas dois foram efetivamente descontinuados: o CSHG Master Gold Ativo II e o Azimut Vif Multimercado.

O CSHG Master Gold acumulava rentabilidade de 11,4% desde o início das negociações, em julho de 2022, até o encerramento, em março deste ano. Ou seja, 30% do CDI do período. O Azimut Vif Multimercado, da gestora Azimut, foi descontinuado em janeiro deste ano apesar de acumular, desde 2015, rentabilidade de 117% do CDI.

“O fundo foi utilizado pela gestão no passado para alocações em créditos high yield (debêntures com maiores retornos, mas com maiores riscos)”, diz a Azimut. “Com o tempo, esses investimentos foram sendo esvaziados e deixou de fazer sentido.”

Em novembro de 2021, o Azimut Vif chegou a ter 100 cotistas. Esse número foi caindo consistentemente e, antes de ser cancelado, contava com 11 investidores.

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