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Fernanda Camargo é sócia-fundadora da Wright Capital Wealth Management e tem mais de 25 anos de experiência no mercado financeiro, 15 dos quais em Gestão de Patrimônio, com passagens por Vinci Partners, Gávea Arsenal Gestão de Patrimônio, Standard Bank, Deutsche Bank e Merrill Lynch. Ela é uma das fundadoras do Instituto LiveWright, OSCIP dedicada a gestão do esporte olímpico no Brasil e faz parte do Conselho da ONG Atletas pelo Brasil.

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Fernanda Camargo

Como reconstruir a confiança global após Davos

A Inteligência artificial e as mudanças climáticas foram assuntos discutidos no Fórum Econômico Mundial

'Reconstruindo confiança' foi o slogan Fórum Econômico Mundial 2024. Imagem: Adobe Stock

O resultado das eleições do Paquistão, em 9 de fevereiro, foi chocante. Candidatos independentes afiliados ao partido do líder político paquistanês Imran Khan, que está preso, conquistaram o maior número de assentos na Assembleia Nacional. Uma versão de Khan gerada por inteligência artificial (IA) reivindicou a vitória nas eleições e apelou aos seus apoiadores para “mostrar agora a força de proteger o seu voto”.

Khan tem usado IA para enviar mensagens a seus apoiadores. “Você manteve minha confiança e sua participação massiva surpreendeu a todos”, disse a voz da IA ​​​​no vídeo.

Segundo o Global Risk Report do Fórum Econômico Mundial, as preocupações com uma crise persistente do custo de vida e os riscos interligados de desinformação e informação falsa impulsionados pela IA, bem como a polarização social, dominam as perspectivas de riscos para 2024.

A relação entre a informação falsa e a agitação social ocupará uma posição central nas eleições em várias economias importantes nos próximos dois anos. Os conflitos armados interestaduais são uma das cinco principais preocupações para os próximos dois anos. As tensões geopolíticas subjacentes e o risco de erosão da resiliência social estão criando um contágio de conflitos.

Neste contexto, o slogan da reunião deste ano do Fórum Econômico Mundial (WEF) em Davos foi “Rebuilding trust”(Reconstruindo confiança). Desafios comuns, como fortalecer a economia e enfrentar as alterações climáticas, levantaram a questão de por onde começar, uma vez que estas circunstâncias complexas exigem ações urgentes e coordenadas.

Portanto, o Fórum Econômico Mundial ofereceu a plataforma para abrir conversas e recuperar a confiança entre entes públicos e privados, permitindo o florescimento da colaboração global.

Entre os desafios estão não apenas a forma de lidar com as mudanças climáticas e as suas consequências, mas também a preparação para os riscos da transição; isto é, riscos relacionados às alterações climáticas associados à transição para economias e tecnologias verdes.

Limitar o aquecimento global a um máximo de 1,5°C não é negociável. É vital para evitar pontos de inflexão climáticos em cascata e, sendo a eliminação progressiva dos combustíveis fósseis “inevitável” nas palavras do secretário-geral da ONU, António Guterres, os governos, as empresas, o sistema financeiro e as organizações internacionais devem adaptar-se rapidamente, colocando os objetivos de desenvolvimento sustentável no centro da agenda.

O fio condutor: a necessidade de colaboração entre o setor público e privado com a sociedade civil, mas com um alinhamento comum.

Transformações na demanda energética; impactos na saúde humana devido as mudanças climáticas; o futuro do Green Deal na Europa face à incertezas geopolíticas; extração sustentável e redução da dependência de minerais críticos; o papel da América Latina na manutenção das cadeias de abastecimento alimentar; a IA como força motriz para a economia e tecnologias digitais críticas para a adaptação climática foram alguns exemplos de temas debatidos em Davos.

Os principais desafios identificados foram insuficiência de políticas para apoiar a eficiência energética, garantir financiamento para descarbonizar mercados emergentes, estratégias concretas para triplicar a capacidade de energias renováveis, envolvimento da comunidade para implantação de infraestrutura, reformas para governança global e a necessidade de desenvolver modelos de transição resilientes contra choques econômicos e geopolíticos.

Segundo Fatih Birol, diretor executivo da IEA (International Energy Agency), a eficiência energética precisa atingir níveis suficientes para garantir segurança e manutenção da competitividade das indústrias e o fornecimento para 10 bilhões de pessoas em uma economia global duas vezes maior que a atual com energia acessível até 2050.

A destruição de ecossistemas não pode mais ser considerada uma externalidade, é necessário um alinhamento financeiro relacionado ao clima e promover políticas orientadas pela ciência, além da capacitação de bancos públicos para lidar com projetos orientados por Net zero (emissão zero).

Algo que emergiu nas conversas em Davos foi a tendência psicológica de criar um preconceito contra os extremos, uma desconexão com problemas maiores e imediatos e a falta de vontade de pensar em eventos catastróficos – até que eles aconteçam. Esta tendência faz com que os riscos que não podemos resolver imediatamente pareçam distantes e abstratos.

Para resolver isso, precisamos encontrar novas formas de transmitir a urgência e as consequências tangíveis das mudanças climáticas. A declaração de Bill Anderson (Bayer AG) trouxe um bom exemplo: “Temos que parar de falar sobre a crise climática em termos de graus Celsius e começar a falar sobre isso em número de vidas”.

O encontro em Davos demonstrou a necessidade de reconstruir a confiança e colaborar a nível global, nacional e local sobre ameaças comuns, apesar das crescentes divisões sociais. O desafio é deixar de lado diferenças geopolíticas e imprimir um sentido de urgência, mostrando os perigos da inação.

Será que vai ser preciso um aumento nos prêmios de seguros ou deimpostos, por exemplo, para traduzir os impactos das alterações climáticas em custos monetários ou de saúde para que haja consequências? Os setores público e privado internacionais precisam promover uma transição sustentável e evitar consequências mais catastróficas das alterações climáticas, enquanto a “água ainda esta nos joelhos”.

 

O relatório global de riscos apela aos líderes que repensem a ação para enfrentar os riscos globais e recomenda que eles se concentrem na cooperação global para rápida construção de proteções para os riscos emergentes mais disruptivos, tais como acordos que abordem a integração da IA nas tomadas de decisão em caso de conflitos.

No entanto, o relatório também aborda outros tipos de ações que não dependem exclusivamente da cooperação entre países, como o reforço da resiliência individual e estatal através de campanhas de educação digital sobre desinformação e informação falsa, ou a promoção de uma maior investigação e desenvolvimento de modelos e tecnologias climáticas com potencial para acelerar a transição energética, com a contribuição dos setores público e privado.

“O mundo não está em um único ponto de inflexão. Está em pontos de múltiplas inflexões.”
Ursula Von Der Leyen, Presidente da Comissão Europeia.