Pensando uma nova economia

Luana Ozemela é CEO da DIMA, uma empresa de desenvolvimento internacional estabelecida no Qatar que é uma porta de acesso ao mercado árabe. Doutora em economia e professora pesquisadora de gênero e políticas públicas da universidade Hamad Bin Khalifa da Fundação do Qatar, ela é diretora de relações com doadores da ONG PEGF da Nigéria na área de saúde. Foi funcionária do BID, em Washington DC, nos EUA. Ao longo da sua carreira, Luana interagiu com dezenas de governos, doadores, investidores e ONGs nos EUA, América Latina, África e Oriente Médio.

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Luana Ozemela

Equidade, diversidade e inclusão: uma questão moral ou econômica?

Se as políticas protegem os interesses de quem discrimina e exclui, por que sair da zona de conforto?

Diversidade (Foto: Evanto Elements)
  • Pode parecer surreal, mas por muito tempo economistas investiram capital intelectual para provar que a diversidade étnica racial produz custos econômicos, ou seja, é ruim para a economia dos países
  • Ignorância a respeito dos custos e a ganância frequentemente prevalecem acima da moralidade. Se não tornamos obvio que a exclusão dói no bolso, a incredulidade nas políticas equidade, diversidade e inclusão (EDI) prevalecerão

Eu estou envolvida em vários grupos de discussão onde participam CEOs e figuras públicas brasileiras preocupadas com as questões de equidade, diversidade e inclusão (EDI).

Em um destes grupos, uma grande proporção dos participantes é de pessoas brancas comprometidas com a causa e o desenho de soluções para o problema das desigualdades étnico-raciais. É muito interessante acompanhar as discussões e a visão destas pessoas bem como o que lhes chama atenção e o que compartilham ao respeito. Essa semana surgiu um debate com respeito à necessidade (ou não) de ter que justificar EDI em termos econômicos.

A discussão começou após um dos participantes ter compartilhado um artigo que fazia uma importante pergunta: “os dados provam que diversidade é bom para a empresa? O que falta agora?”.

Um dos comentários foi sobre a constante necessidade de ter que justificar com evidências que EDI é bom para os negócios. Uma questão importantíssima foi levantada “se estes estudos [sobre os benefícios econômicos de EDI] indicassem que tanto faz ter diversidade, seria um motivo para deixar tudo como está?”. Ou seja, sugerindo que EDI deva ser encarada mais como uma questão moral do econômica.

Este tema está no cerne do avanço ou da paralisia dos investimentos em EDI, sobretudo investimentos na população negra. Isto porque é fácil de se desconectar da problemática racial se você não é uma pessoa negra. Mas é mais difícil se desconectar da queda das ações da sua empresa.

A minha estratégia, portanto, tem sido criar uma narrativa com o objetivo de convencer quem está alienado aos temas EDI, mas que poderia fazer uma real diferença. Seja porque controlam o fluxo de capital, seja porque têm poder de tomar decisões políticas criticas que afetam a população negra diretamente.

Muitas vezes, dentro da multilateral e de multinacionais onde trabalhei, ouvi a seguinte frase: “aqui não fazemos ativismo, mas sim o que é mais inteligente economicamente para os países e para as empresas”, ou o chamado “smart economics”. Por isso, estudos que demonstram o impacto negativo das desigualdades ou os benefícios de EDI são cruciais para aumentar investimentos e priorizar ações.

O propósito dos dados não é convencer os convencidos, mas os céticos, que estão confortáveis com o status quo. Dados e evidências foram cruciais para o avanço dos temas de sustentabilidade e de igualdade de gênero, portanto, não será diferente com igualdade racial.

EDI sem dúvida produz valor econômico, é mais eficiente e reduz riscos institucionais. Ou seja, a pergunta importante não é “porque temos que sempre provar que EDI é bom?”, mas “quem temos que convencer?”

Pode parecer surreal, mas por muito tempo economistas investiram capital intelectual para provar que a diversidade étnica racial produz custos econômicos, ou seja, é ruim para a economia dos países. E, de que a segregação racial de bairros ou do chão de fábrica era bom, porque reduziria conflitos entres grupos étnicos.

A separação de negros e brancos seria uma solução ótima para aumentar a produtividade da força de trabalho. O objetivo desses economistas era convencer governos e legisladores de que passassem leis sancionando dita política ou ter juízes decidindo a favor da segregação e da discriminação racial. Por mais imoral que as políticas de segregação pudessem ser, elas estavam embasadas num argumento econômico nas cortes norte americanas.

O nosso storytelling, ou o que eu chamo de ativismo baseado em evidências, tem o objetivo de convencer céticos, aqueles onde a moralidade não tem valor intrínseco. Entretanto, desconhecemos a nossa audiência. Hoje em dia, todos dizem ser a favor de EDI, mas na prática, muitos ainda se questionam porque realmente precisam fazer isso.

Ignorância a respeito dos custos e a ganância frequentemente prevalecem acima da moralidade. E, se não tornamos obvio que a exclusão dói no bolso, a incredulidade nas políticas EDI prevalecerão. O discurso da moralidade convencerá alguns poucos, mas voltaremos a ter EDI apenas como filantropia. Se quisermos mudanças efetivas, a nossa narrativa terá que falar diretamente com quem detém o capital, e estes falam o idioma chamado Taxa Interna de Retorno (TIR).

Se for possível seguir ganhando dinheiro em um contexto de exclusão, por que é preciso mudar? Se as políticas protegem os interesses de quem discrimina e exclui, por que sair da zona de conforto? E é isso que temos hoje.

Celebrar superávit ainda que morram 400 mil pessoas. Não estou dizendo que a narrativa econômica seja a melhor, mas que precisamos de melhores estratégias para convencer os céticos. Ou aqueles que não têm interesse nenhum em fazer parte destas discussões. Uma que consiga minar os alicerces da hegemonia da narrativa econômica que coloca a acumulação de capital acima das vidas humanas.