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- Historicamente, a política brasileira de redução da pobreza se concentrou no ajuste dos níveis de renda e não no estoque de ativos
- No entanto, uma política de desenvolvimento só poderá ser realmente eficaz se priorizar também a redução das desigualdades patrimoniais, entre ricos e pobres, mulheres e homens, negros e brancos
Ao longo da minha carreira como economista, eu frequentemente tenho me deparado com questionamentos sobre problemas econômicos e sociais, e até mesmo angústias relacionadas à persistência dos mesmos. Meus questionamentos mais recentes são com respeito à mobilidade ascendente da população negra, as desigualdades raciais na indústria de investimentos e nos padrões de acumulação de patrimônio das famílias brasileiras.
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Instintivamente a maioria das pessoas pensa que patrimônio é uma casa, um terreno, uma conta na poupança ou um resgate do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). No entanto, patrimônio também inclui participações em empresas, investimentos em ações, em renda fixa e variável e seguros de vida e assim por diante. Mas esses são apenas os componentes positivos do patrimônio.
O patrimônio também tem um componente negativo. Além do seu estoque de ativos, você pode ter estoque de passivos, como empréstimos e hipotecas. Somente após tomarmos em conta os passivos e os ativos que teremos o seu patrimônio líquido.
A única maneira de sair permanentemente da vulnerabilidade e da pobreza é acumulando patrimônio
As principais maneiras de acumular patrimônio líquido são através de herança, a aquisição de novos ativos em vida, a valorização dos atuais ativos e a redução dos passivos.
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Trabalho duro e remuneração contribuem pouco (ou muito lentamente) na acumulação de patrimônio.
Ter patrimônio alivia a pressão mental e econômica em períodos de desemprego ou crise, por exemplo, eliminar o risco de despejo te proporciona certa tranquilidade para buscar nova colocação no mercado de trabalho. Ele pode ser utilizado para criar ou alavancar novas fontes de renda, por exemplo, pagamentos de juros sobre depósitos bancários ou dividendos sobre ações.
Ter patrimônio influencia a qualidade da moradia, no acesso de uma família a melhores bairros e escolas, bem como na capacidade de financiar o ensino superior.
O patrimônio individual e das famílias é importante porque aumenta a possibilidade de aceder a capital para novos negócios e é uma fonte de influência política e social.
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Se mais famílias negras possuíssem bens que pudessem servir de garantia no mercado financeiro, isso poderia reduzir a desigualdade no acesso ao capital produtivo, permitindo que mais famílias tivessem a oportunidade de investir e expandir suas empresas, resultando em maior crescimento econômico.
Leia também: As 13 regras não escritas sobre ser negro em Wall Street
Apesar do acesso à educação superior de qualidade contribuir no aumento de salários, são os ativos familiares os itens que mais influenciam na transmissão inter-geracional de sucesso econômico, e nas próprias aspirações e expectativas educacionais desde criança.
As evidências para os EUA mostram que, quando o estoque de bens da família é incluído nos modelos que explicam a probabilidade de entrar e permanecer no ensino superior, a renda familiar e a escolaridade dos pais tornam-se irrelevantes.
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Contudo, muito pouco se sabe sobre o patrimônio das famílias brasileiras, e menos ainda sobre as desigualdades raciais patrimoniais, no perfil e comportamento dos investidores, e o impacto disso no crescimento econômico.
Historicamente, a política brasileira de redução da pobreza se concentrou no ajuste dos níveis de renda e não no estoque de ativos. No entanto, uma política de desenvolvimento só poderá ser realmente eficaz se priorizar também a redução das desigualdades patrimoniais, entre ricos e pobres, mulheres e homens, negros e brancos.
Os negros investem em classes de ativos de baixa rentabilidade
A pandemia acelerou exponencialmente o processo de endividamento das famílias brasileiras, terminando 2020 com 11 milhões de famílias endividadas nas capitais do País, segundo levantamento da Fecomércio-SP.
Ao mesmo tempo, a pandemia não afetou todas as famílias da mesma forma. Pelo contrário, durante a pandemia as famílias com maiores níveis de renda e patrimônio puderam rapidamente migrar às opções mais rentáveis ainda inacessíveis às famílias com menores níveis de patrimônio, aprofundando as desigualdades raciais.
Por exemplo, os títulos privados (debêntures, CDBs, LCI, LCA, entre outros), e os fundos de investimento tiveram uma rentabilidade bem superior ao do mercado de ações. Ambos têm maior predominância entre as classes mais altas (classes A/B, com cerca de 70%), segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro (Anbima).
Existem diferenças raciais no valor total e no ritmo de acumulação de patrimônio
A compreensão do problema começa pela análise dos tipos de ativos que brancos e negros possuem. Cada tipo tem padrões de retornos médios que afeta o ritmo ou a velocidade da acumulação patrimonial (valorização dos ativos). Desigualdades raciais patrimoniais, portanto, são consequência das diferenças raciais em dois componentes: 1) no valor total do património, e 2) na taxa de rentabilidade do mesmo. Dito de outra maneira, as diferenças nos retornos médios das classes de ativos de negros e brancos exercem influencia direta nas desigualdades raciais na acumulação de patrimônio e na mobilidade ascendente da população negra.
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Por exemplo, a poupança e casa própria são os tipos de ativos mais comuns entre as famílias negras, de acordo com dados da Pesquisa Nacional Contínua por Amostra de Domicílios (PNADC) e da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF). No entanto, os ganhos de riqueza com apreciação imobiliária ou da renda da poupança são muito inferiores aos ganhos com ativos de risco, como ações em empresas e fundos de investimento, onde as famílias negras estão sub-representadas.
Cabe mencionar que, no Brasil, a segregação profunda faz com que as amizades e os laços familiares fiquem restritos a grupos raciais e de classe similares, eliminando qualquer possibilidade de ganhos financeiros, sociais e políticos por meio de conexões, exceto aquelas dentro do próprio círculo de relações das famílias negras ou brancas. Isso quer dizer que, se as famílias negras estão fora dos círculos de informação privilegiada com respeito a oportunidades de investimento, elas terão menores chances de adquirir ativos de maior rentabilidade. Ou seja, o racismo estrutural tem impacto direto na quantidade e no ritmo de acumulação de patrimônio.
A população negra precisa aprender como e onde investir para atingir verdadeira liberdade econômica
Um estudo publicado em 2018 mostra que os negros que participam em programas especializados de educação financeira são 1.64 vezes mais propensos a investir no mercado de ações. A educação financeira poderia, por tanto, ser usada como solução holística para alavancar o potencial de investimento da população negra.
A população negra, além de ser mercado consumidor e a maior parte da força laboral, representa a expansão do mercado de investidores para a indústria de investimentos. Portanto, sem sombras de dúvidas a indústria deve estar atenta às características, comportamentos e demandas deste gigantesco mercado.
Entretanto, temos no Brasil uma séria falta de dados, pesquisas e ações dirigidas a construção de patrimônio pelas famílias. A POF não coleta informações completas sobre ativos e passivos, mas apenas relacionadas à renda e ao consumo das famílias. O Raio X do Investidor Brasileiro da Anbima não desagrega as informações por raça/cor. Mas temos na Pesquisa de Finanças do Consumidor dos EUA, um exemplo considerado “padrão ouro” das pesquisas de riqueza familiar.
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Chegou a hora de olharmos seriamente para os ativos das famílias negras, incluso o comportamento nos investimentos, como uma dimensão independente e extremamente importante da estratificação social e econômica brasileira. Isso é mais do que uma mera preocupação metodológica; a desigualdade racial na acumulação de patrimônio certamente já deve ter influenciado substancialmente os resultados econômicos no Brasil, embora esquecida (ou ignorada) pela política e a pesquisa econômica.