Pensando uma nova economia

Luana Ozemela é CEO da DIMA, uma empresa de desenvolvimento internacional estabelecida no Qatar que é uma porta de acesso ao mercado árabe. Doutora em economia e professora pesquisadora de gênero e políticas públicas da universidade Hamad Bin Khalifa da Fundação do Qatar, ela é diretora de relações com doadores da ONG PEGF da Nigéria na área de saúde. Foi funcionária do BID, em Washington DC, nos EUA. Ao longo da sua carreira, Luana interagiu com dezenas de governos, doadores, investidores e ONGs nos EUA, América Latina, África e Oriente Médio.

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Luana Ozemela

O que aconteceu na Califórnia após a obrigatoriedade da cota de gênero nos conselhos?

Desde 2018, todas as empresas de capital aberto na Califórnia devem ter ao menos uma mulher na diretoria

(Foto: Evanto Elements)
  • No dia do anúncio (1º de outubro de 2018), o mercado de ações reagiu negativamente à nova regulação (variando de -1,2% a -2,2%)
  • Por que as ações caíram após o anúncio? O problema não eram as mulheres, mas os homens

Em 2018, a Califórnia introduziu cota de gênero obrigatória nos conselhos das empresas privadas. A lei atualmente exige que todas as empresas de capital aberto sediadas no estado tenham pelo menos uma diretora nomeada até o final de 2019 e duas mulheres conselheiras até o final de 2021 para conselhos com cinco membros. Seguindo o exemplo de vários países, como Espanha, Finlândia, Islândia, França, Israel, Quênia, África do Sul, Itália, Bélgica, Portugal, Alemanha e Áustria, a nova lei fez da Califórnia o primeiro estado dos EUA a impor uma cota vinculativa de gênero aos conselhos. O descumprimento tem um custo de US$ 100 mil para a primeira violação e US$ 300 mil para as violações subsequentes.

No dia do anúncio (1º de outubro de 2018), o mercado de ações reagiu negativamente à nova regulação (variando de -1,2% a -2,2%), um fato que foi precipitadamente interpretado como evidência de que os acionistas se opunham ao sistema de cotas, temendo a possível escassez de candidatas qualificadas, o que aumentaria os custos de contratação ou resultaria na nomeação de diretoras menos qualificadas.

Entretanto, um estudo recente das economistas Marina Gertsberg, Johanna Mollerstrom, e Michaela Pagel revelou evidências surpreendentes sobre o que poderia estar por de traz da reação negativa dos mercados.

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As autoras mostram que a teoria da escassez de mulheres não era válida, pois existia um número significativo de candidatas qualificadas. Também é importante notar que as candidatas já recebiam maior apoio do que os homens nas suas candidaturas antes da cota, mostrando que as candidatas a diretoria eram, em média, mais qualificadas do que os homens. Após a introdução da cota se observou um aumento ainda mais expressivo no apoio a candidatura de novas diretoras.

Em resumo, elas mostram que o sistema de cotas foi capaz de eficazmente corrigir o problema das disparidades de gênero nos conselhos. Cerca de 95% das empresas com nenhuma diretora antes da cota adicionaram pelo menos uma diretora em abril de 2019.

Então, por que as ações caíram após o anúncio?

O problema não eram as mulheres, mas os homens. Primeiro, os acionistas tinham baixa expectativas sobre a capacidade das empresas onde os conselhos eram 100% conformados por homens, conseguirem se ajustar a tempo para atender à nova regulação. Segundo, eles temiam a desestabilização que a saída de atuais diretores homens considerados “populares” poderia causar para a entrada de novas diretoras.

Os acionistas viram estes dois riscos como um potencial custo, pois para evitar a perda de diretores homens com alta aceitação, uma alternativa seria inflar os conselhos. As autoras observaram que o tamanho médio dos conselhos permaneceu constante em oito até 2019, e houve um aumento em uma cadeira em 2020 que segundo elas não pôde ser atribuído à cota.

Em resumo isto foi o que elas encontraram com resultado das cotas de gênero nos conselhos na Califórnia:

  1. Aumento nos votos de apoio a novas candidatas nas eleições de conselho. As novas candidatas passaram a receber relativamente maior apoio nas eleições de conselho em comparação aos candidatos homens (novos ou atuais) após a introdução da cota. O apoio se torna igual aos dos homens após atingir a meta da cota.
  2. Diminuição nos votos de apoio aos atuais diretores homens. Contrário ao argumento de que os acionistas preferem o status quo, houve uma diminuição no número de votos de apoio à reeleição de atuais diretores homens, para a entrada de novas diretoras. O voto dos acionistas é uma medida direta das percepções dos acionistas sobre a qualidade de ambos conselheiros homens e mulheres.
  3. As ações mais afetadas foram as das empresas com maior risco de não conformidade. As empresas em risco de não conformidade, apesar de serem uma minoria (cerca de 12% do total), influíram nos preços médios das ações. Devido a que estavam em falta de três diretores para cumprir a exigência de 2021, elas enfrentavam os maiores custos de observância e muito provavelmente descumpririam a regulação.

Em resumo, o impacto negativo foi devido à antecipação dos acionistas de que as empresas em risco de não conformidade, em particular, não seriam capazes de reestruturar seus conselhos de forma a maximizar o valor.

Isto demonstra que a reação negativa no mercado de ações não deriva de uma oposição às cotas para diretoras nos conselhos, mas é motivada por uma percepção ao redor da dinâmica e conformação de gênero atual dos conselhos (quanto maior a proporção de homens, maior o risco de descumprimento).

Uma alternativa para dar segurança aos acionistas é ter claridade respeito às regras de estruturação do conselho para a entrada de mulheres.

O estudo é extremamente importante pois nos ajuda a perceber que a reação do mercado de ações a novas regulamentações nem sempre é obvia e, no caso da California se deveu em parte a uma reação a nova lei em si e, em parte, a uma reação ao comportamento dos conselhos dada essa nova lei.

Essas sutilezas geralmente estão ausentes dos debates sobre cotas nos conselhos ou sobre novas políticas e regulamentações relacionadas à diversidade no setor privado.

No caso do Brasil, a introdução de novas regras deverá ser acompanhada com maior engajamento dos acionistas, não só aqueles com maior poder de voto mas também o engajamento dos investidores de varejo, cada vem mais conscientes, e que não estão sendo informados sobre as regras pelas quais as decisões sobre a composição do conselho estão sendo tomadas. O Laboratório de Inovação Financeira promovido pela CVM, GIZ e BID tem um importante papel a contribuir neste sentido.