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O caminho para o corte da Selic e os potenciais obstáculos para a redução dos juros

Uma avaliação do checklist do Copom para a taxa básica revela avanços importantes rumo à queda dos juros, mas pontos sensíveis podem frear o início do ciclo

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Uma leitura completa do checklist do Copom mostra avanços consistentes na desinflação, câmbio estável e arrefecimento da atividade, mas também incertezas relevantes que podem moldar o início e o ritmo do ciclo de cortes da Selic. (Imagem: Adobe Stock)
Uma leitura completa do checklist do Copom mostra avanços consistentes na desinflação, câmbio estável e arrefecimento da atividade, mas também incertezas relevantes que podem moldar o início e o ritmo do ciclo de cortes da Selic. (Imagem: Adobe Stock)

Faz alguns anos, me deparei com um livro chamado Checklist¹. O tema era sobre como procedimentos realizados por meio de etapas rigorosas a serem conferidas tinham papel central na medicina e em outras atividades (os pilotos de avião também são grandes usuários de checklists, por exemplo). Nosso propósito aqui será checar o painel de controle do Copom, em que medida estamos próximos de satisfazer as condições para um corte de juros e quais os obstáculos mais relevantes no presente e para o próximo ano.

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Começando pelos preços de commodities, temos um ambiente benigno. A ampliação da oferta global de petróleo resultou em queda de cerca de 15% dos preços em 2025. A perspectiva é de que a situação de oferta favorável se manterá em 2026, com alguns especialistas prevendo mesmo uma queda adicional para a casa de US$ 55. Nos produtos agrícolas, as últimas safras foram abundantes. Com isso, temos preços de soja, milho e trigo historicamente baixos. Alguma inflexão é possível no próximo ano, mas moderada. O temor de um choque climático advindo do fenômeno La Niña tem se dissipado. O maior risco para 2026, o da alimentação, reside no potencial de um novo ciclo de alta nos preços de bovinos e em algumas culturas específicas (como no arroz). Por fim, as commodities metálicas têm exibido razoável heterogeneidade, com pressão de baixa para os preços do aço e alta do cobre. Do ponto de vista da inflação ao consumidor, contudo, também é um quadro que não causa preocupações. Assim, podemos colocar uma anotação positiva em nosso checklist para os preços de commodities.

A apreciação da taxa de câmbio contribuiu para a redução da inflação nos últimos trimestres. De níveis ao redor de R$ 6, observamos uma apreciação de cerca de 10% ao longo do ano. Olhando adiante, não é possível contar com a mesma força de apreciação. Os mercados já incorporaram aos preços o corte de juros pelo Fed e o déficit em conta corrente próximo de 4% do PIB significa que o Brasil precisa atrair elevado volume para financiar suas contas externas. De todo modo, a estabilidade da taxa de câmbio nos patamares atuais não é um empecilho para um corte da taxa Selic.

Trajetória da inflação é promissora

Os modelos econômicos apontam para a importância da inflação passada na determinação da inflação futura (o chamado processo inercial). Houve queda significativa da inflação acumulada em 12 meses: de um pico de 5,5% projetamos que o IPCA caminhará para 4,5% ao final de 2025. Quando consideramos medidas da inflação de forma “instantânea” a redução é ainda mais clara. Para isso, em geral se utiliza a medida dos núcleos da inflação dessazonalizada e anualizada na média de 3 meses. Nessa medida, houve queda da faixa de 6% no 1º trimestre para perto de 4% atualmente. Para os serviços, essa mesma medida de núcleo passou do patamar de 7,5% para atuais 4,5%. O processo de redução da inflação, portanto, tem caminhado de forma favorável, ainda que o IPCA permaneça acima da meta. Vale lembrar que a política monetária sempre está avaliando a trajetória futura da economia. Um corte de juros não requer que a inflação já tenha retornado à meta, mas sim que o processo de desinflação esteja em curso. Em nossa lista de checagem, podemos dizer que a inflação corrente ainda não satisfaz a condição para o início do corte de juros, mas que a trajetória é promissora.

As expectativas de inflação são a âncora central do regime de metas. Os modelos de projeção utilizados pelo Banco Central conferem papel de destaque para as expectativas. As expectativas de inflação de longo prazo sofreram um processo de desancoragem em 2023 como resultado da discussão sobre a alteração da meta de inflação de 3% para retomar a meta anterior de 4,5%. As expectativas passaram da faixa de 3,25% para 4,00%. A confirmação da meta de 3% resultou em um movimento de redução, mas imperfeito (para 3,5%). A aceleração da inflação ao final de 2024 trouxe as expectativas de volta para perto de 4%. Mais recentemente, a política monetária também tem exibido sucesso em reduzir as expectativas de inflação de forma gradual. As projeções da pesquisa Focus para 2027, 2028 e 2029 estão em 3,80%, 3,50% e 3,50%, respectivamente. Ainda existe um trabalho a ser feito, mas a trajetória tem sido na direção correta.

A maior incerteza da economia para o início de 2026

Por fim, temos o ponto essencial da atividade econômica. A queda da inflação requer uma economia compatível com seu potencial, isto é, um equilíbrio entre a demanda de consumo e investimento e a capacidade de oferta dos diversos setores. Há sinais cumulativos de uma reversão do sobreaquecimento da economia registrado até o segundo trimestre. O indicador do Banco Central mensal que procura reproduzir o PIB tem exibido estabilidade e mesmo alguma retração nos últimos meses. A produção industrial está estável desde o final de 2024. O setor de serviços, de outro lado, segue mais resiliente, assim como o mercado de trabalho. Contudo, a geração de vagas de emprego também tem exibido moderação nos últimos meses. A maior incerteza para o Banco Central parece ser o que poderá ocorrer com a atividade econômica a partir do início de 2026 quando entram em vigor impulsos importantes para a economia.

Haverá redução do imposto de renda para parcela importante dos contribuintes e impulsos advindos do novo programa de crédito para reformas de residências, da aceleração do crédito consignado privado e da expansão do crédito imobiliário por conta da redução de compulsórios sobre a poupança. A trajetória de desaquecimento da economia é visível, mas para satisfazer a condição para o início da redução de juros, avaliamos que ainda será necessário dirimir a dúvida sobre esses estímulos no início do ano.

Nossa projeção é de que o ciclo de queda tenha início em março de 2026. Tendo em vista o elevado patamar de partida da Selic, consideramos que um corte inicial de 50 pb seria o mais provável. Há espaço para uma redução do grau de restrição da política monetária, mas que ainda tende a se manter no terreno contracionista. Ao final do ano, nosso cenário base é de uma taxa Selic de 12%, o que representaria uma política monetária cautelosa. As condições para haver algum corte de juros devem ser satisfeitas em breve. O maior risco parece ser em relação à intensidade do ciclo. Julgamos que há dois obstáculos mais relevantes: uma eventual depreciação da taxa de câmbio com o início da queda dos juros em um contexto naturalmente volátil por conta do ano eleitoral; uma reaceleração da atividade que poderia interromper prematuramente o ciclo de redução dos juros. O nível elevado da taxa Selic sugere que o primeiro risco é menos relevante. O segundo, contudo, é importante uma vez que a reação da demanda dos consumidores aos estímulos de renda e crédito são mais difíceis de prever.

¹“Checklist, Como Fazer as Coisas Bem-Feitas”, do autor Atul Gawande.

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