É também a partir de agora que muitos brasileiros começam a conviver com uma dúvida recorrente: “Será que minha declaração caiu na malha fina?” Ou, em alguns casos, uma preocupação ainda mais específica: “Posso retificar a declaração sem chamar atenção
do Fisco?”
A resposta é direta: sim, pode — e deve, se necessário.
Retificar é um direito — e não um risco
Ainda há quem acredite que retificar a declaração seja, por si só, um motivo para que a Receita Federal passe a “investigar” o contribuinte. Esse receio, embora compreensível, não encontra respaldo na prática fiscal atual. O sistema foi estruturado justamente para permitir correções — e a retificação é um mecanismo legítimo e seguro, previsto pela legislação, para ajustar erros, omissões ou dados informados de forma incompleta.
É importante lembrar que, enquanto a declaração estiver dentro do prazo de cinco anos e ainda não tiver sido objeto de procedimento fiscal, ela pode ser retificada livremente. A retificação é, portanto, um instrumento de autorregularização que deve ser utilizado sem receios. Evitar corrigir por medo é, paradoxalmente, o que pode acabar provocando problemas com o Fisco.
E se cair na malha fina? Sem pânico
A malha fiscal (conhecida como malha fina) nada mais é do que uma retenção temporária da declaração para verificação de inconsistências entre os dados declarados pelo contribuinte e as informações disponíveis nos sistemas da Receita Federal — que incluem informes de rendimentos, dados de cartórios, bancos, operadoras de saúde, e cruzamentos com outras fontes.
Estar na malha não é, por si só, um indicativo de fraude, sonegação ou erro grave. E tampouco é motivo para desespero. Muitas declarações são retidas por questões simples, como:
- divergência nos valores de rendimentos declarados em relação aos informes;
- omissão de rendimentos de dependentes;
- despesas médicas sem documentação comprobatória;
- deduções incompatíveis;
- erros de digitação;
- inclusão de alimentandos sem o correspondente registro judicial;
- divergência no CPF de dependentes ou fontes pagadoras.
A primeira providência do contribuinte deve ser acessar o extrato da declaração no portal e-CAC (Centro Virtual de Atendimento da Receita Federal), usando uma conta gov.br com nível prata ou ouro. Ali, é possível consultar se há pendências, quais são os apontamentos
e que tipo de inconsistência foi identificada.
Caso a pendência seja clara e tenha origem em erro do contribuinte, a própria plataforma permitirá corrigir por meio de uma declaração retificadora, dispensando qualquer comparecimento presencial. Em boa parte dos casos, o problema é resolvido rapidamente, com a liberação da restituição após novo processamento.
E se virar fiscalização?
Há situações em que a declaração retida pode evoluir para uma fiscalização formal, especialmente se o contribuinte não toma providências após a retenção ou se a Receita entende que há indícios de omissão relevante ou inconsistência grave. Mesmo nesses casos, o contribuinte tem o direito à ampla defesa. A Receita abrirá prazo para apresentação de documentos e esclarecimentos, que poderão ser enviados eletronicamente e, uma vez demonstrada a regularidade, a declaração será liberada, sem autuação ou penalidade.
Importante destacar que não existe multa automática pelo simples fato de cair na malha fina. A multa só ocorre se, após a fiscalização, ficar comprovado que houve imposto devido e não recolhido. Caso a Receita não identifique respostas e esclarecimentos conclusivos, poderá, então, formalizar a cobrança de tributos e multas através da “Notificação de Lançamento”. Nesses casos, o contribuinte poderá: (i) efetuar o pagamento à vista do montante cobrado pela Receita, com desconto de até 50% na multa, se pago em até 30 dias, (ii) parcelar o débito, atualmente em até 60 vezes, (iii) solicitar, quando for o caso, a retificação do lançamento, e (iv) apresentar impugnação administrativa, contestando a cobrança e iniciando uma discussão com a Receita (provavelmente, longa…).
Acompanhar é fundamental
Com o avanço da tecnologia e da digitalização dos serviços públicos, a Receita Federal passou a ser uma instituição cada vez mais baseada em cruzamento de dados em larga escala. Isso significa que erros que antes passavam despercebidos hoje são detectados quase automaticamente. Nesse cenário, é essencial que o contribuinte:
- acompanhe regularmente sua declaração no e-CAC;
- mantenha os comprovantes de despesas e rendimentos organizados;
- verifique se há divergência com informes de rendimentos recebidos;
- e, se cair na malha, atue de forma proativa.
Conclusão: vigilância fiscal não é punição — é rotina
A malha fina é, hoje, uma etapa comum e tecnicamente previsível dentro do processo de verificação fiscal. Não é uma condenação. Em grande parte dos casos, representa apenas um ponto de atenção, muitas vezes resolvido com uma retificação simples ou a apresentação de um documento faltante.
Portanto, não é o momento de se desesperar — é o momento de acompanhar e corrigir, se for o caso. O contribuinte bem-informado, organizado e disposto a agir com transparência quase sempre resolve tudo sem grandes dores de cabeça.
No fim das contas, talvez o maior risco não seja cair na malha, mas permanecer nela por omissão, inércia ou desinformação. O sistema já está pronto para fiscalizar. Cabe a nós estarmos preparados para responder — com serenidade, responsabilidade e, claro, com os recibos em mãos.