- Recentemente, Lula tem dado sinais de forte aproximação com a China, como quando se posicionou favorável ao abandono do dólar em transações internacionais
- Com esta postura, o Brasil cria tensões com os EUA e se coloca como porta-voz da China
- As declarações recentes de Lula também dão a entender aproximação com a Rússia, e esse movimento não era esperado por nenhum dos lados
O Brasil se tornou comercialmente dependente da China a partir de 2008. Se, por um lado, isso é visto como uma grande vitória, pois gerou um crescimento robusto do agronegócio brasileiro, além da ampliação da balança comercial, por outro, qualquer situação de dependência nas relações internacionais é problemática por definição. Essa dependência comercial apenas cresceu de 2008 para cá, independentemente do presidente Lula e de seu posicionamento ideológico.
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A grande mudança nessa visita de Lula à China foi o aprofundamento no alinhamento diplomático e geopolítico. O mundo mudou bastante desde os dois primeiros mandatos de Lula. Em 2003, 2005, 2008, o alinhamento com a China era pragmático e comercial. Durante as gestões Lula 1 e Lula 2, as tensões entre os americanos e os chineses eram restritas a universos não públicos.
Naquela época, posicionar-se fortemente a favor da China em temas diplomáticos ou políticos trazia poucas consequências perceptíveis, pois o mundo era outro. Agora, Lula toma uma posição que o coloca num desconforto desnecessário. Ao se alinhar geopoliticamente (em relação a Taiwan) e tecnologicamente (desenvolvimento de chips semicondutores, 6G, satélites etc.) com a China, ele embarca numa aventura da qual será muito complexo sair.
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Em temas geopolíticos e tecnológicos, não existe equidistância. Lula, ao se abraçar com o desenvolvimento tecnológico chinês, afasta-se dos Estados Unidos e, possivelmente, fecha algumas portas de empresas americanas e europeias para determinados projetos no Brasil. Não se trata de algo ruim ou bom, mas factual.
O Brasil inaugura uma nova fase, em que, desenvolvendo parcerias em tecnologias sensíveis com a China, estimula a dependência tecnológica e o País se vê preso à determinada matriz tecnológica. Pode-se argumentar sobre os benefícios e prejuízos dessa aproximação. Os inúmeros acordos assinados devem ser vistos com ceticismo. Dilma Rousseff, enquanto presidente, assinou dezenas de acordos com os chineses, incluindo a Trans-Pacífica.
Memorandos de entendimento não representam grande coisa e a maioria deles nunca saiu do papel. Mais importante do que o que foi assinado é o que foi dito. Lula, ao se posicionar a favor do abandono do dólar em transações comerciais, posiciona-se como porta-bandeira daquilo que a China mais quer que aconteça. Saindo do papel ou não, os Estados Unidos, que é o outro grande parceiro do Brasil, não se esquecerá.
O governo brasileiro hoje, pode-se dizer publicamente, está mais próximo e mais aliado da China que dos Estados Unidos. Isso é inédito e imenso na história recente do nosso País. Enquanto as tensões seguem como tensões, o impacto negativo disso em relação aos Estados Unidos e à Europa pode ser controlado.
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Num aprofundamento dessas tensões, eventuais conflitos diretos e indiretos, aprofundamento em sanções e retaliações, o Brasil já estará preso num compromisso que, se tentar desfazer, poderá piorar bastante a situação. Sem escolher lado, o Brasil seguiria usufruindo de tudo o que as duas superpotências e seus aliados pudessem oferecer. Escolhendo um lado, o Brasil deve torcer para as tensões não piorarem, pois aí o preço das alianças pode ser colocado à mesa.
Enquanto o aprofundamento dos laços com a China ainda não pode ser considerado nem “bom” nem “ruim”, o posicionamento a favor da Rússia na Guerra da Ucrânia pegou o mundo de surpresa, inclusive os russos. Naturalmente, a diplomacia brasileira pode argumentar que não tomou posição ao lado dos russos, mas, nas relações internacionais, tudo o que foi feito e dito nas últimas semanas coloca o Brasil como o grande trunfo e a melhor notícia que Vladimir Putin poderia ter em meses.
Se a ideia era mediar, isso foi por água abaixo. Combinar com o invasor um plano de paz para com o invadido não traz credibilidade nem seriedade na comunidade internacional. Quando Sergey Lavrov, ministro de Relações Exteriores da Rússia, diz que “o plano do Brasil atende aos interesses russos”, ele imediatamente anula o plano do Brasil como viável.
Defender a cessão permanente da Crimeia para os russos, a fim de acelerar um acordo de paz, não só soou bizarro para Vladimir Zelensky, como também para entusiastas de Lula na Europa, como Emmanuel Macron, na França, e Olaf Scholz, na Alemanha. Lula deu um passo muito ousado.
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A percebida aliança com a Rússia impactará diretamente a percepção da comunidade internacional mesmo em temas não correlatos. Após o fim do governo Jair Bolsonaro (PL), no qual a política externa liderada por Ernesto Araújo durante a maior parte do governo foi vista como confusa e sem direção, os Estados Unidos, a União Europeia e a própria China viram a vitória de Lula como um indício de pragmatismo e neutralidade estratégica.
Isso atendia aos interesses do Brasil em relação a todos os atores internacionais. O pragmatismo e a neutralidade estratégica somem, contudo, em construções como as feitas com a Rússia nos últimos dias. O impacto negativo disso? Os países que condenaram a invasão russa à Ucrânia e que, ao mesmo tempo, deram crédito e saudaram com apreço a volta de Lula à Presidência passam a observar o governo brasileiro com mais dúvidas, pé atrás e até decepção.
Isso pode afetar diretamente a forma como estão sendo conduzidas as negociações entre o Brasil e os países europeus em temas não correlatos à geopolítica europeia, caso do Acordo UE-Mercosul. Na política externa, o silêncio é, muitas vezes, a resposta mais estratégica que existe. A ida de Lula à China não causaria tanto desconforto aos Estados Unidos se as declarações públicas tivessem sido mais contidas.
No caso da Rússia, o que foi dito não pode ser desdito e coloca um selo em Lula que, no mínimo, causará dúvidas e questionamentos sobre os reais interesses da política externa brasileira.
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