O olhar do mercado internacional

Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasília.
Twitter: @ThiagoGdeAragao

Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias

Thiago de Aragão

Por que a CPI da Petrobras parece palanque eleitoral

A CPI pode servir para para agradar os consumidores e reduzir preços, mas não será boa para a empresa

CPI da Petrobras é assunto do momento em Brasília, mas pode ser ruim para imagem da empresa – REUTERS/Paulo Whitaker
  • O otimismo exagerado de dirigentes na política em relação às suas próprias capacidades de manobra e de ação podem gerar resultados desastrosos
  • O presidente Bolsonaro também sofre desse mal. A leitura do ambiente atual nos alerta que existe uma crença fora de propósito em sua própria capacidade de solução
  • Uma CPI da Petrobras servirá mais para afugentar qualquer potencial interessado em comprar a empresa e não para demonstrar algo sobre a política de preços

Pouco antes do início da Primeira Guerra Mundial, enquanto as tensões no continente aumentavam, o general francês Noel de Castelnau avisou aos seus superiores: “Não teremos uma guerra ampla. Nosso exército é muito superior. Me deem 700 mil soldados e, se for necessário, eu conquisto a Europa”.

Bem, Castelnau recebeu 8 milhões de soldados e viu a Europa ser dizimada numa guerra onde 40 milhões de pessoas morreram. O exagerado otimismo do general perante uma situação complexa e visivelmente negativa para o continente prejudicou toda a sua capacidade de avaliação, mesmo com toda a expertise que tinha sobre o assunto.

Em graus e situações diferentes, mas com uma lógica similar, o otimismo exagerado de dirigentes na política em relação às suas próprias capacidades de manobra e de ação – quando faz com que deixem de reconhecer os possíveis impactos negativos na Economia, na Geopolítica ou no ambiente social – podem gerar resultados desastrosos.

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O presidente Bolsonaro também sofre desse mal. A leitura do ambiente atual nos alerta que existe uma crença fora de propósito em sua própria capacidade de solução. A crise com a Petrobras é um episódio emblemático. A crise dos combustíveis é um problema mundial e de falta de capacidade de refino no Brasil. O País até tentou criar refinarias durante o governo Lula, mas essas acabaram derretendo para a corrupção endêmica que gerou a Operação Lava Jato.

Por mais que a população entenda que o governo é o responsável por encontrar uma solução, o presidente Bolsonaro envia muitos sinais trocados sobre suas visões e pontos de vista. Se em um minuto fala da privatização da Petrobras, no minuto seguinte articula colocar a empresa, da qual o Brasil é o maior acionista, para ser investigada por uma CPI.

Sabemos que a Petrobras é uma das petroleiras globais que mais dá lucro aos seus acionistas, e isso não significa que haja aí corrupção ou conduta equivocada. Uma CPI servirá mais para afugentar qualquer potencial interessado em comprar a empresa e não para demonstrar algo sobre a política de preços. Como sabemos, os preços dos combustíveis são reflexos de um ambiente internacional conturbado, no momento em que inúmeros países passam pela mesma situação. Concordando ou não, o governo agora só possui a arma do subsídio para aliviar o custo para o consumidor.

Todo governante precisa de um pessimista apaixonado por dados e fatos para contrapor aos otimistas amarrados aos desejos. Nesse caso, cabe ao novo presidente da Petrobras e ao Ministério de Minas e Energia expor os dados que geram a alta dos preços e buscar alternativas diferentes a de uma abertura de CPI. Claro que o imposto da gasolina no Brasil é absurdamente alto, mas, num quadro de Estados quebrados fica complicado restringir a busca por soluções apenas no âmbito do antagonismo dos governadores. Ou seja, apelar para que esses cortem a receita oriunda desses impostos.

A CPI parece encomendada como palanque eleitoral. Se a Petrobras não está colocando possíveis soluções na mesa e mantém-se amparada na lei para manter sua política de preços, o governo demonstra um erro gerencial de não buscar soluções que doem nele mesmo, como seria a criação de um subsídio.

A Petrobras só tem uma margem de manobra, os lucros. A empresa poderia diminuir seus lucros para aliviar o preço final? Em tese, sim, mas aí precisamos rever se a empresa é estatal ou privada e se a vontade do governo em privatizar condiz com as ações tomadas até então.

A CPI reforça a tese de que o governo acredita que seus erros são apenas fruto das circunstâncias e acontecimentos, enquanto os erros dos outros ficam sempre ligados a competência e caráter. Nesse imbróglio, a Petrobras pode ter culpa, mas o governo existe para buscar soluções acima de justificativas.

Castelnau achava que a solução era simples para um problema que pouco conhecia. A realidade mostrou que nem com 8 milhões de soldados, o sucesso seria fácil. Uma CPI não resolve, mas cai muito bem para a plateia que não consegue encher o tanque.