O que este conteúdo fez por você?
- Presidentes da Petrobras enfrentam instabilidade no cargo e sofrem pressões políticas
- Em dois anos, a estatal passa pela terceira troca de CEO. Ações são penalizadas pelos riscos políticos e negociam com desconto
- Para analistas, mudanças têm pouco efeito prático sobre a política de preços da petroleira
São seus primeiros meses no emprego novo. Você passou por um processo seletivo difícil e concorrido, mas no final seus gestores te escolheram a dedo para assumir um grande desafio. Todos os dias você vai ao trabalho, repassa as demandas, segue toda a política da companhia à risca – ou seja, tudo aquilo que foi contratado para fazer.
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De repente, seus gestores, que te indicaram ao cargo, começam a criticá-lo publicamente. E criticá-lo justamente por seguir as políticas da companhia, que já eram de prévio conhecimento destes superiores. No final, sua demissão é anunciada e seu substituto entra e passa a fazer exatamente o que você fazia.
Este é o ciclo pelo qual os presidentes da Petrobras vêm passando, principalmente a partir de 2019. De lá para cá, Roberto Castello Branco, general Joaquim Silva e Luna e José Mauro Coelho ocuparam a cadeira da presidência da estatal, mas acabaram demitidos em função do descontentamento do governo com os aumentos dos preços dos combustíveis.
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“A gestão da Petrobras foi a primeira rachadura na imagem liberal que o governo Bolsonaro tentou vender. Mas foi a partir das sucessivas tentativas de intervenção que o presidente mostrou que não tem nada de liberal. Continua devoto do modelo militar-nacionalista e intervencionista que sempre defendeu em seus quase trinta anos como deputado”, afirma Mario Goulart, analista da 02Research. “O liberalismo foi uma fachada de conveniência para se eleger”, diz.
A cada troca, o novo titular passou a ficar cada vez menos tempo no cargo: Castello Branco permaneceu dois anos e meio à frente da petroleira (3 de janeiro de 2019 a 13 de abril de 2021); Silva e Luna não chegou a completar 1 ano na gestão (16 de abril de 2021 a 13 de abril de 2022); por fim, Mauro Coelho ficou pouco mais de 1 mês (14 de abril de 2022 a 20 de junho de 2022).
A cada troca, o mercado passou a se assustar menos. Apesar de ter saído oficialmente em 13 de abril de 2021, a demissão de Castello Branco foi anunciada na noite do dia 19 de fevereiro de 2021, nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro. No pregão seguinte, as ações PETR4 caíram 21,51%, com os investidores temendo ingerências políticas na petroleira.
Diferentemente do que se pensava, Silva e Luna entrou com um discurso simular ao do antecessor Castello Branco, o que tranquilizou os investidores. O militar afirmou que respeitaria a política de preços da Petrobras, ou seja, não faria intervenções nos preços dos combustíveis.
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Sua demissão, anunciada em 28 de março deste ano, já não teve o mesmo impacto negativo da destituição de Castello Branco. Na data, as ações caíram 2,17%, mas subiram 2,22% no pregão seguinte.
Após a saída de Silva e Luna, o imbróglio se formou na sucessão da Petrobras. Inicialmente, Adriano Pires seria o profissional indicado para a presidência da estatal, mas supostos conflitos de interesse na atuação do executivo do setor de óleo e gás minaram a sua nomeação.
No final, Mauro Coelho assumiu o posto e saiu após 40 dias, também na esteira das críticas do governo ao aumento dos preços dos combustíveis. Agora, o sucessor indicado pelo governo deve ser Caio Paes de Andrade, atual secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital.
“Castello Branco saiu por praticar uma paridade de preços mais dinâmica, com pouca defasagem em relação ao mercado internacional. Essa dinâmica ficou um pouco mais lenta na gestão do Silva e Luna, quando se optou por continuar seguindo a política de paridade de preços, conforme manda a lei, mas de forma mais espaçada”, afirma Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos. “Hoje, parece que qualquer sinalização de aumento está sendo negativa para o governo.”
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Enquanto não há a posse oficial de Paes de Andrade, o presidente interino da Petrobras é Fernando Borges, diretor executivo de Exploração e Produção da petroleira. Nos últimos 30 dias, a PETR4 caem 13%. No ano, os papéis ainda estão em alta de 16%, aos R$ 27,07.
Bode expiatório?
O analista da Ativa explica que a Lei das Estatais impede que se tenha prejuízos nos cofres públicos em função das estatais. Também é instituído, por regimento, a política de paridade de preços dos combustíveis, que para ser alterada também necessitaria de uma mudança de legislação.
Isso quer dizer que a atuação do presidente da Petrobras é limitada, mesmo com todas as trocas feitas pelo governo. Arbetman ressalta que a precificação dos derivados de petróleo envolve uma fórmula complexa, que leva em conta o preço do petróleo no mercado internacional, o câmbio e a tributação.
“Vimos os últimos CEOs descontinuados do cargo para que o governo pudesse sinalizar essa insatisfação (com o preço dos combustíveis), mas a verdade é que os presidentes muito pouco poderiam fazer”, diz. “O que eles poderiam fazer é aplicar uma política mais espaçada (reajustar os preços dos combustíveis com atraso), o que já vinha sendo feito desde Silva e Luna”, explica Arbetman.
Para alterar a política de paridade internacional, diretores e conselheiros precisam ter um parecer único sobre a alteração. “Só que pela Lei das Estatais, esses executivos respondem na pessoa física caso alguma das mudanças aprovadas causem prejuízos para o povo à frente. As leis são boas e o espaço de manobra dos CEOs é pequena”, afirma o especialista.
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Apesar de a margem para mudanças na política de preços ser pequena, os analistas se dividem sobre as recomendações para as ações em função do estresse político. Na visão de Arbetman, a Petrobras está sendo negociada com um desconto muito grande pelas preocupações com ingerências.
“Reforçamos nosso entendimento quanto a atratividade do valuation atual da companhia mesmo diante da atual conjuntura e acreditamos que uma normalização do cenário deve amenizar as pressões sofridas pela ação da companhia nos últimos dias”, afirma a Ativa Investimentos, em comentário.
A XP também recomenda a compra dos papéis, na esteira do valuation descontado. “Reconhecemos que os riscos aumentaram, tanto internacionalmente (recessão global) quanto internamente (político). Mas essas análises de sensibilidade indicam que a Petrobras continua sendo uma aposta assimétrica”, explica André Vidal, head de óleo, gás e materiais básicos da XP. “A Petrobras se destaca como a major de O&G mais barata do mundo.”
Contudo, alguns analistas enxergam os riscos como altos demais. A Eleven mantém recomendação neutra para os papéis. “Acreditamos que isso (saída de Mauro Coelho) possa acelerar a troca de do conselho de administração que está em processo e que ruídos de interferência governamental na Estatal continuem prejudicando a performance da ação”, afirma a research.
Ex-presidentes
Arbetman afirma nunca ter visto um período com trocas tão constantes de gestão na Petrobras, quanto nos últimos dois anos. Entretanto, ser presidente da petroleira nunca foi um emprego muito estável. Nos últimos 20 anos, 11 executivos passaram pela cadeira da presidência – uma média de 1,8 anos por executivo. Na última década, foram 8 presidentes.
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“Nos últimos 7 anos, tivemos 6 presidentes. E agora, além de interferir nos preços, o governo quer que o Paes de Andrade chegue muito rápido no cargo”, afirma Danielle Lopes, sócia e analista de ações da Nord Research. “Se o presidente da Petrobras, na visão do governo, não consegue conter o repasse de preços ao público, principalmente em época de eleições, alguma movimentação é feita”, destaca Lopes.
Confira a lista de ex-presidentes da Petrobras e o efeito sobre as ações da companhia. Os dados de valorização dos papéis em cada período foram levantados por Einar Rivero, da TC/Economatica:
- José Eduardo Dutra (2 de janeiro de 2003 a 22 de julho de 2005)
O ex-senador José Eduardo Dutra foi o primeiro presidente da Petrobras do governo Lula. Enquanto esteve à frente da estatal, as ações da petroleira subiram 172,59%.
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“Durante sua gestão a companhia atingiu índices recordes de lucratividade e geração de caixa, e a produção no Brasil atingiu a média mensal recorde de 1.755 milhão de barris diários em junho/05. Foi contratada a construção de quatro novas plataformas que deverão permitir a companhia a alcançar a produção de 2.300 mil barris diários até 2010”, afirma comunicado ao mercado, publicado pela Petrobras na época.
Dez anos após a saída, Dutra foi acusado por Pedro Corrêa, ex-presidente do PP, de ter conhecimento sobre o esquema de corrupção conhecido como 'petrolão'.
- Sergio Gabrielli (22 de julho de 2005 a 13 de fevereiro de 2012)
Sergio Gabrielli foi presidente da Petrobras entre os governos Lula e Dilma. No total, ficou mais de seis anos no cargo. Paralelamente, as ações da companhia subiram 130,17%. Na época, o petista deixou a presidência da estatal para se candidatar à prefeitura de Salvador.
- Graças Foster (13 de fevereiro de 2012 a 4 de fevereiro de 2015)
A engenheira química Maria das Graças Silva Foster já tinha 30 anos de Petrobras quando foi indicada para a presidência. Ficou pouco mais de dois anos no cargo, período em que os papéis PETR4 caíram 53,85%.
Graça Foster renunciou ao cargo 10 meses após a descoberta dos escândalos de corrupção da Petrobras, no âmbito da operação Lava-Jato.
- Aldemir Bendine (6 de fevereiro de 2015 a 30 de maio de 2016)
Aldemir Bendine assumiu o Petrobras no ‘olho do furacão’, quando os casos de corrupção vieram à tona, ainda no governo Dilma Rousseff. O executivo permaneceu no cargo até o afunilamento das questões relacionadas ao impeachment da então presidente da República. Em meados de 2020, Bendine foi condenado a seis anos e oito meses de prisão por corrupção passiva em um processo da Operação Lava Jato.
Enquanto esteve à frente da petroleira, os papéis PETR4 caíram 8,11%.
- Pedro Parente (30 de maio de 2016 a 1 de junho de 2018)
Depois que Michel Temer assumiu a presidência da República no lugar de Dilma Rousseff, Pedro Parente foi o executivo escolhido para liderar a recuperação da Petrobras. As ações PETR4 acumularam alta de 93% no período em que Parente esteve à frente da estatal.
Foi durante a gestão de Parente que a política de paridade internacional de preços foi implementada e os combustíveis passaram a ser reajustados com uma frequência maior. Os aumentos nos preços provocaram uma grande greve dos caminhoneiros, no período de 21 de maio de 2018 a 1 de junho de 2018.
Para acalmar a classe, a petroleira anunciou reduções nos preços do diesel. No fim da grave, Parente decidiu deixar o cargo. “De novo, o presidente saiu por pressões políticas para que a Petrobras interferisse nos preços dos combustíveis”, afirma Goulart, da 02Research. “Esse conflito já vem de algum tempo.”
- Ivan Monteiro (1 de junho de 2018 a 3 de janeiro de 2019)
O segundo presidente da Petrobras no governo Temer foi Ivan Monteiro. Com a eleição de Jair Bolsonaro, Monteiro deixou o cargo de CEO. Nos seis meses em que esteve na presidência da estatal, as ações da companhia avançaram 58,68%.
- Roberto Castello Branco (3 de janeiro de 2019 a 13 de abril de 2021)
Após a saída de Monteiro, Roberto Castello Branco assumiu a cadeira de presidente da Petrobras - a primeira nomeação do governo Bolsonaro. Ficou no posto pouco mais de dois anos, o maior tempo desde Graça Foster.
No período em que esteve no cargo, os papéis andaram de lado: acumularam um retorno de 0,46%, na esteira dos efeitos da pandemia do coronavírus nas economias globais. Saiu em abril de 2021, após pressões do governo relacionadas ao aumento dos preços dos combustíveis e ameaças de novas greves dos caminhoneiros.
- Joaquim Silva e Luna (16 de abril de 2021 a 13 de abril de 2022)
- José Mauro Ferreira Coelho (14 de abril de 2022 a 20 de junho de 2022)
Da mesma forma que Castello Branco, Silva e Luna (79,29%) e Mauro Coelho (-3,53%) sofreram pressões do governo federal após aumentos nos preços dos combustíveis e acabaram saindo dos cargos.
- Fernando Borges (20 de junho de 2022 - Atual) - Interino
Atualmente, o presidente interino é Fernando Borges.