O olhar do mercado internacional

Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasília.
Twitter: @ThiagoGdeAragao

Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias

Thiago de Aragão

Crise na China: nem tudo está bem para Xi Jinping

Apesar da economia forte, questionamentos contra o presidente estão surgindo dentro do próprio partido

Xi Jinping, presidente da China (Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters)
  • Os acontecimentos do ano de 2021 indicam que Xi Jinping poderia estar perdendo a confiança de diversos membros do partido, justamente por estar ficando poderoso demais
  • A História nos ensina que à medida que um governante ganha poder, pode, em contrapartida ganhar inimigos
  • Questionamentos contra Xi Jinping estão surgindo mais do nunca dentro do próprio partido

O ano de 2022 será o ano mais difícil para a China desde 2012, quando Bo Xilai foi preso por tentar orquestrar uma mudança de poder à força dentro do Partido Comunista. Todo mundo já está cansado de saber que Xi Jinping é o líder chinês mais poderoso desde Mao Tse Tung. Mesmo assim, os acontecimentos do ano de 2021 indicam que ele poderia estar perdendo a confiança de diversos membros do partido, justamente por estar ficando poderoso demais.

Por mais paradoxal que seja, o excesso de poder dentro da estrutura chinesa pode levar a uma perda de status desde que algumas variáveis ocorram.

Xi Jinping tem uma origem muito especial dentro do Partido Comunista Chinês. Ele é filho de um revolucionário de primeira geração, ou seja, um membro de origem comunista “puro”. No entanto, quando assumiu o poder em 2012, teve de sustentar o apoio de diversos membros do partido por meio de nomeações estratégicas e garantias de manutenção do status quo, pelo menos para as lideranças mais importantes do PCC.

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À medida que o poder político de Xi se acumulava de uma forma antes vista apenas durante o “reinado” de Mao Tse Tung, a confiança para tomar decisões mais controversas também aumentava. A diplomacia “wolf warrior”, onde a China busca impor sua posição política, comercial e econômica com ênfase, independentemente da posição do país contrário, foi estabelecida durante o governo de Xi Jinping, mirando sua própria conduta dentro do partido para com aliados e opositores.

Com a confiança só aumentando, medidas antes discutidas eternamente por membros do PCC durante os governos de Hu Jintao e Jiang Zemin ganharam vida e passaram a entrar na fila de prioridades iminentes ao invés de “prioridades eventuais”, como a questão de Taiwan, por exemplo.

Xi Jinping iniciou um processo de pressão cumulativa em cima da ilha de Taiwan, com uma expansão invejável das Forças Armadas e iniciou o processo de tomada “à força” do Mar do Sul da China com a criação de ilhas artificiais. Peitou o mundo na área de direitos humanos com ações decisivas e agressivas em Xinjiang e Hong Kong.

Além disso, assumiu o eventual risco de rupturas comerciais com parceiros importantes, apoiando-se na dependência comercial (e nas enormes vantagens geradas por um comércio com a China) de diversos países que fazem parte, ou não, da Rota da Seda. Xi Jinping mostrou ao mundo uma China que o mundo não conhecia, mas também mostrou ao Partido uma China que o Partido não conhecia e nem desejava, necessariamente, tomar conhecimento.

A História nos ensina que à medida que um governante ganha poder, pode, em contrapartida ganhar inimigos. A China atingiu em diversas áreas uma posição de soberania. Seja nas relações comerciais com inúmeros países do mundo, seja na capacidade tecnológica — na fabricação de diversos produtos, em pesquisas, ou até mesmo na produção farmacêutica inigualável. Ao mesmo tempo, fez com que os Estados Unidos declarassem publicamente que a China é um rival (quase se tornando um inimigo) e atribuíssem ao Dragão Chinês muitos problemas existentes no mundo de hoje.

A China vem se tornando próspera porém, independentemente do crescimento econômico robusto dos anos anteriores e do PIB monstruoso, ainda é um país muito desigual. Para muitos membros do PCC, a prosperidade numérica ainda precisa se traduzir em prosperidade prática antes que seu país possa peitar o resto do mundo, correndo risco de perder um embate no qual ainda não está pronto para entrar.

Questionamentos contra Xi Jinping estão surgindo mais do nunca dentro do próprio partido. Em outubro, o evento mais importante do PCC irá ocorrer. A cada 5 anos, o Congresso do Partido elege novos membros para o Politburo e confirma ou elege um novo líder para o Partido e, consequentemente, para o país.

Xi deverá ser reconduzido para mais 5 anos , mas isso não quer dizer que ele estará mais forte do que está hoje. Alguns aliados já questionam o impacto de várias decisões tomadas recentemente por Xi. O confronto com empresas de tecnologia, com portas se fechando no mercado de capital americano para empresas chinesas, acaba por prejudicar muitos dos indivíduos que Xi teve, a duras penas, teve que conquistar para apoia-lo em 2012. A elite econômica chinesa não está gostando nem um pouco das últimas decisões de Xi sobre analisar com escrutínio as ações empresariais de vários poderosos do país.

Ao mesmo tempo, a crise energética em toda a China ainda não está perto de ser solucionada. O uso extensivo do carvão afasta cada vez mais o desejo de vários membros do PCC de ver a China na liderança absoluta no processo de transformação energética em função de uma linha mais sustentável.

O colapso da Evergrande é visto, não só pelo mercado financeiro internacional e por importantes membros do governo chinês, como um sinal de que todo o setor imobiliário no país poderá colapsar. Para piorar, a política de “Covid Zero”, não está funcionando como o esperado. Após lockdowns em Xi’an e Anyang, a região de Macau é a próxima na fila.

Os anos de crescimento econômico na casa dos 9% acabaram. De agora em diante, a tendência é algo girando na casa dos 5%, fazendo com que o governo precise dar alguns empurrões em alguns setores que já não precisavam mais de sua ajuda.

Talvez Xi Jinping tenha assumido uma postura global de “tolerância zero” cedo demais. A China é enorme, poderosa e caminha para, um dia, tornar-se a grande potência econômica do planeta. Esse processo, no entanto, marca o peso da codependência econômica no mundo moderno. A China depende do bem-estar financeiro de seus clientes (países compradores) e fornecedores (países exportadores).

Depende do comércio com os EUA, assim como da sua cadeia de produção. Depende de um mundo onde os países menos poderosos tenham desejo de navegar economicamente junto a ela. Uma guerra no Mar do Sul da China (por mais remota que seja essa possibilidade no momento), faria a economia chinesa colapsar. Um efeito dominó no setor imobiliário para outras partes da cadeia produtiva e industrial, faria o país estagnar. Um exagero das medidas de controle social, sem apoio unânime do Partido, faria a população se revoltar.

O ano de 2022 não será fácil para Xi Jinping. Caso ele demonstre habilidade pra entrar poderoso e com o país arrumado em 2023, ele durará muitos anos. Caso contrário, o Congresso do Partido poderá ser a celebração atrasada de um auge que passou por pouco.