O que este conteúdo fez por você?
- A proliferação de notícias falsas exemplifica um fracasso no nosso sistema educacional, aliado ao desejo de se tornar o portador da notícia
- Para um país que não tem tradição acadêmica coletiva de interpretação de texto, as notícias falsas ou distorcidas caem como uma luva
- Normalmente, a crença em uma informação falsa vem do desejo pessoal para que aquela informação seja real
Muito já se falou sobre “fake news” nos últimos anos. A proliferação de informações falsas e distorcidas tem como alvo muitas pessoas com discernimento insuficiente para checar a informação e, ao mesmo tempo, afoitas o bastante para disparar o conteúdo para o máximo de pessoas possíveis.
Leia também
A ânsia em dividir informações bombásticas e visivelmente duvidosas expõe o desejo de indivíduos em serem protagonistas da informação entre seus amigos e familiares mais próximos.
De certa forma, a proliferação de notícias falsas exemplifica um fracasso no nosso sistema educacional, aliado ao desejo de se tornar o portador da notícia.
Publicidade
Naturalmente, as redes sociais se tornaram os veículos perfeitos para tal. O Twitter, por exemplo, estimulou indivíduos a buscarem explicações complexas sobre vacinas, virologia, Direito Constitucional, tecnologia, investimentos, entre outras matérias, definidas em poucos caracteres.
Para um País que não tem tradição acadêmica coletiva de interpretação de texto, as notícias falsas ou distorcidas caem como uma luva. Segundo uma pesquisa realizada pela TutorMundi, 27,1% dos estudantes brasileiros possuem dificuldades em interpretação de texto. Segundo a OCDE em um estudo divulgado no dia 16 de setembro, o Brasil “sofre com abismo em nível de leitura entre jovens de alta e baixa renda”.
As “fake news” não são uma novidade e nem começaram com a explosão das redes sociais. Naturalmente, a democratização da produção de informações, por meio das redes sociais, facilitou para que indivíduos com baixo nível de compreensão de textos e alta capacidade de eloquência se tornassem influenciadores em uma multitude de temas.
Informações deliberadamente falsas fazem parte da política desde o início da política. Em 15 de fevereiro de 1898, o navio de guerra americano USS Maine afundou em Havana, Cuba, matando 266 tripulantes. Dois dos principais jornais americanos da época, o New York Journal e o New York World (fundado por Joseph Pulitzer), noticiaram que a explosão fora causada por bombas ou torpedos inimigos (no caso, da Espanha). Essas notícias levaram os EUA a declarar guerra à Espanha e, consequentemente, herdar o controle de Porto Rico, Guam, Filipinas, além de garantir a independência de Cuba.
Publicidade
Somente em 1976, uma comissão no Congresso americano identificou que a explosão foi auto-infligida, proveniente de um incêndio no compartimento de carvão do navio. Os dois jornais da época ecoaram um mantra que tomou conta da população: “Lembre-se do Maine e mande a Espanha para o inferno”.
Outro caso clássico de “fake news” teve a França como protagonista. Em 1894, um jornal francês chamado La Libre Parole, acusou Alfred Dreyfus, um oficial de artilharia do Exército francês, de vender segredos para os alemães. Em cima dessa matéria jornalística que inflamou a população, a Inteligência Militar Francesa fabricou documentos que comprovavam a culpa de Dreyfus. Entre 1894 e 1906, Dreyfus se viu preso. Somente em 1995 o governo francês assumiu que Dreyfus sempre foi inocente e trouxe à tona o processo de fabricação.
A mentira só existe porque a verdade também existe. Não é fácil comprovar a veracidade de tudo que ocorre nas nossas vidas. O bom senso ajuda muito a identificar se algo tem conformação de verdade ou não. Normalmente, a crença em uma informação falsa vem do desejo pessoal para que aquela informação seja real. Raramente as pessoas admitem que não possuem conhecimento ou informação básica em relação a algo. Assim, quando o desejo de que algo seja real ou mentira se vê de frente à informação apresentada, as lacunas do nosso conhecimento são preenchidas com desejo.
Isso vale para tudo na vida: quando uma criança culpa a professora por suas notas ruins, quando um adolescente erroneamente acredita que outra pessoa está ou não apaixonada por si, quando se aposta em uma análise no mercado financeiro e acompanha os resultados derreterem na sua frente e, principalmente, quando se deseja algum resultado político e não se consegue compreender, dentro das próprias limitações, as razões para um resultado adverso.
Publicidade
“Ninguém fofoca sobre a virtude alheia” (Bertrand Russel), e sim sobre os erros, os fatos chocantes, as interpretações reais e falsas sobre a pessoa que mereceu ser o alvo da fofoca. As correntes de fake news sempre serão movidas para gerar o seu senso de injustiça, de raiva e de choque. No fim, acreditar em algo falso, fantasioso ou distorcido não deixa de ser uma escolha do próprio indivíduo. Alegar ignorância ou tratar como uma brincadeira, não altera o fato de que, em algum momento, alguma lacuna intelectual foi preenchida pelos desejos pessoais.