O olhar do mercado internacional

Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasília.
Twitter: @ThiagoGdeAragao

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Thiago de Aragão

China x Taiwan e EUA: entenda os riscos e quem perde com uma guerra

Entrevista com o general dos EUA Mike Minihan acirrou o debate sobre um possível conflito entre China e Taiwan

(Foto: glaborde7/Pixabay)
  • O general Mike Minihan afirma que, em 2025, a China pode atacar Taiwan
  • Neste cenário, uma possível guerra mundial eclodiria, com os EUA interferindo militarmente na região
  • Se o ataque de fato acontecer, é um indicativo de que a economia chinesa não vai bem, e apelar para o nacionalismo com uma guerra pode ser uma forma de Xi Jinping administrar uma crise interna

Essa semana, uma entrevista do general da Força Aérea dos Estados Unidos Mike Minihan causou furor em Washington. Menos de um dia depois, o deputado Michael McHaul, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Congresso norte-americano, foi na mesma linha e afirmou: há boas chances de termos uma guerra com a China em 2025.

A argumentação de Minihan é que a China está chegando a um ponto de inflexão e preparação para lançar uma ofensiva definitiva contra Taiwan. O fato de haver eleições presidenciais em Taiwan e nos EUA ajudariam o propósito. No caso de Taiwan, a retórica anti-China chegaria a seu ápice durante as campanhas eleitorais, enquanto no caso dos EUA, a eleição desviaria o foco do país para tudo o que ocorre fora do campo eleitoral.

Por mais que Minihan seja um general de quatro estrelas e chefe do Comando de Mobilidade da Força Aérea e McHaul um respeitado congressista, ao contrário do que eles acreditam, apostamos que as reais chances de isso acontecer são remotas.

Uma invasão chinesa em Taiwan não é algo tão simples quanto uns podem falar. Obviamente, a capacidade militar da China supera e muito a força militar taiwanesa. Mesmo assim, não se trata de um cachorro morto e, lembremos, defender é ligeiramente mais fácil do que atacar.

Cruzar o estreito de Taiwan é uma operação logística complicadíssima. Análises do Pentágono e de Whitehall, assim como da defesa japonesa (e do próprio governo chinês), mostram que o período ideal para uma invasão anfíbia é durante os primeiros 2 meses e meio do ano. Depois disso, as correntes marítimas beneficiariam a defesa ao invés do ataque.

O custo de uma invasão como essa seria altíssimo. Não apenas no âmbito financeiro, mas em termos de impactos duradouros. A China viu a união de sanções aplicadas em cima da Rússia por conta da invasão na Ucrânia. O custo comercial, industrial e econômico a curto, médio e longo prazos seria estrondoso. Certamente, devemos observar que o custo de aplicar sanções é bem inferior — se comparado a uma China –, mesmo assim, percebemos que ao longo dos últimos anos, os EUA e seus principais aliados (Reino Unido, Austrália e Japão) possuem cada vez mais ímpeto em aplicar sanções contra os chineses.

Desde o início dos anos 1980, quando Deng Xiaoping iniciou a abertura econômica, o Partido Comunista Chinês (PCC) entende que a economia é o alicerce da estabilidade social. Isso se acentuou com o fim da União Soviética, quando um grupo de estudos específico do PCC concluiu que, entre vários equívocos estruturais, a ausência de liberdade econômica empurrou a União Soviética para o abismo.

O principal combustível que garante a existência do PCC é o crescimento econômico. O crescimento econômico chinês se baseia na produção industrial e nas exportações de manufaturados e importação de matéria prima. Xi Jinping erra em achar que a China sobrevive sem o mundo comprador (leia-se Europa e EUA). Uma invasão em Taiwan destruiria a economia e o comércio chinês rapidamente.

Sabemos que protestar na China não é algo fácil. Os riscos são imensos e as punições, pesadas. Mesmo assim, há um sentimento de que as pessoas estão se arriscando mais. No fim de 2022, uma onda de protestos na China por conta da política de Covid-Zero, pegou de surpresa o PCC e o mundo. O mais impressionante foi que esses protestos geraram resultados, fazendo com que (de forma atabalhoada e sem um plano de vacinação a postos) a política de Covid-Zero fosse encerrada.

A China nunca experimentou uma guerra fora de seus territórios. Uma guerra contra Taiwan, não seria apenas contra Taiwan. Seria contra os EUA, Austrália, Reino Unido, Europa etc. Uns não lutariam militarmente, outros, sim. Na prática seria algo pesado e destruidor caso o engajamento dos EUA ocorresse na forma como o General Miniham prevê.

Assim, para um país que viveu décadas numa política de filho único, cada morte de um soldado chinês na guerra seria o fim de uma linhagem familiar. Dependendo do grau de profundidade, protestos eclodiriam pelo país, afetando diretamente a capacidade do PCC de conduzir uma operação militar dessa magnitude. Uma guerra contra Taiwan e, principalmente, contra os EUA, traria mais chances de criar cisões e instabilidades internas do que um sentido de nacionalismo, como espera o PCC.

Uma guerra com os EUA, tendo o Indo-Pacífico como epicentro, não funcionaria da forma como a China espera. Os EUA sabem que uma guerra próxima ao litoral chinês daria uma vantagem aos chineses por conta de acesso logístico a suprimentos, soldados etc. Enquanto a Marinha americana cumpriria a função de impedir o encapsulamento da ilha por parte da Marinha chinesa, a estratégia primordial americana seria a de evitar o mano a mano.

Uma das formas mais lógicas seria a de fechar as principais vias de acesso do planeta para estrangular o acesso decommodities e de outros bens necessários para a máquina de guerra. Bloqueios no Canal do Panamá, Cabo da Boa Esperança, Estreito de Magalhães, Mar Vermelho, Estreito de Malaca e Luzón poderiam isolar a China de acesso a commodities necessárias. Certamente, a China faria estoques de alimentos, aço e outras commodities para garantir o fluxo, mas isso não impediria um racionamento agressivo interno que alimentaria mais protestos.

Há pouco tempo conversei com algumas fontes de Pequim e Xangai sobre essa possibilidade.

Uma das fontes ressaltou um ponto interessante: se Xi Jinping decidir ir à guerra, é porque ele sabe algo que ninguém ainda sabe. Esse ponto, precisamente, seria de que a economia chinesa está descendo a uma espiral de descontrole e queda. No ambiente político de vários países, vemos que quando um ambiente econômico está se deteriorando, os governantes apelam para o nacionalismo como fórmula para substituir o engajamento popular a favor da pátria.

No caso atual, o elo de ligação entre o povo e o partido é a pujança econômica. Se Xi Jinping sabe que a economia está se deteriorando a um ponto irreversível por diversos fatores, tais como matriz energética, população envelhecendo, apelar para o nacionalismo por meio de uma guerra mal avaliada, poderia ser a derradeira solução para algo que ele enxerga estar fadado ao fracasso.

No entanto, não temos dados que confirmem que a China está entrando numa espiral de queda. Apesar do crescimento econômico baixo do último ano, razões claras estão por trás dos números. Uma guerra com o intuito de mascarar outros fracassos e se ancorar no nacionalismo para sobreviver pode gerar um ambiente de Malvinas no qual Xi não teria controle.

Uma guerra por Taiwan é algo remoto, independente do que Miniham ou McHaul disseram. Faz parte do jogo alertar sobre o risco de algo, precisamente para fazer esse risco desaparecer. Essa pode ter sido a jogada do general, mas não deixa de criar uma situação de terror. Uma guerra entre EUA e China seria trágico para todos os envolvidos e para todos os espectadores.