- O encontro entre os 30 países membros começou focando na Guerra da Ucrânia e em novas formas de pressionar o governo russo a buscar uma negociação para restabelecer a paz
- As recentes movimentações da China em relação às ilhas-nações no Pacífico acendeu um alerta na cabeça dos EUA, principalmente pela Austrália e Nova Zelândia
- O mundo está se transformando e o Brasil ainda debate o passado como se pudéssemos mudá-lo
Na última semana, a reunião de Cúpula da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) em Madri, capital da Espanha, nos revelou alguns sinais sobre o futuro de médio prazo na geopolítica global. Como era de se esperar, o encontro entre os 30 países membros, além de contar com os convidados especiais Coreia do Sul, Japão, Austrália, Nova Zelândia, Suécia, Finlândia e Geórgia, começou focando na Guerra da Ucrânia e em novas formas de pressionar o governo russo a buscar uma negociação para restabelecer a paz.
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Ligado a isso, um esforço diplomático foi necessário para demover a Turquia da ideia de vetar o acesso da Suécia e da Finlândia à organização. O posicionamento turco causou estranheza, apesar de ser justificado por Ankara pelo fato de que a Suécia estaria abrigando membros do PKK (partido do Curdistão), considerado pela Turquia como um grupo terrorista. De qualquer forma, as negociações surtiram efeito e o caminho para a adesão de Suécia e Finlândia está aberto. Conversas mais superficiais em relação à adesão da Geórgia também ocorreram, porém com bastante cautela para não provocar uma reação desmedida da Rússia a curto prazo. Invadir a Geórgia seria mais simples e efetivo do que atacar a Finlândia ou a Suécia.
No entanto, o que mais chamou a atenção durante a cúpula foi o redirecionamento estratégico que a Otan está dando para a região do Indo-Pacífico. Se, outrora, a raison d’être da aliança militar era a área do Atlântico Norte e o foco na Rússia, hoje há demonstrações firmes de que o Indo-Pacífico é a nova região “quente” do mundo. Apesar da tentativa de Donald Trump de desmantelar a Otan (algo que seria o sonho de consumo de Vladimir Putin), a invasão na Ucrânia acabou dando uma sobrevida inesperada à aliança e aproximou seus membros de uma forma mais intensa do que nunca.
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A coordenação entre os estados-membros tem sido tão eficiente, que a ideia de expandir o foco para além da Europa pareceu natural e instintiva. Jens Stoltenberg, secretário-geral da Otan, resumiu bem a razão pelo qual a China passa a ser o principal alvo: a ansiedade. Pequim passa ansiedade aos membros da Otan, por conta de suas movimentações militares e diplomáticas na região.
A normalização da guerra na Ucrânia, infelizmente, era inevitável. O interesse público perdura um pouco menos do que o interesse da imprensa. Hoje, a mídia busca histórias pitorescas na guerra e não apenas informar o que está acontecendo. O impacto na inflação, preços de commodities etc, parece já estar dado. Assim, o próprio foco dos EUA, Reino Unido e outros aliados volta-se naturalmente para a China.
As recentes movimentações da China em relação às ilhas-nações no Pacífico acendeu um alerta na cabeça dos EUA, principalmente pela Austrália e Nova Zelândia. Curiosamente, isso levou a uma corrida entre China, EUA, Austrália e Nova Zelândia por influência e alianças com as Ilhas Salomão, Kiribati, Fiji, Tonga e Vanuatu. Se o mundo do futuro envolver uma guerra entre EUA e aliados versus China e aliados, o local será esse: Indo-Pacífico e suas ilhas.
Para a China, esse desvio de foco da Otan é uma péssima notícia. De cara, Pequim já ficou incomodada com o convite feito ao Japão e à Coreia do Sul para a reunião em Madrid. Se ter um ambiente de tensões e “guerra fria”, segundo alguns, com os EUA já é ruim, ampliar isso para os 30 membros da Otan fica bem pior. Paradoxalmente, esse tipo de postura da Otan empurra a China para a Rússia de forma mais aguda, como se a formação de dois blocos começasse a ganhar forma. Por um lado temos EUA, países europeus, Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Japão e Índia; por outro, China, Rússia, Paquistão, Coreia do Norte, Sérvia etc.
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O Brasil ainda não sabe onde está. A falta de alinhamento não se trata de “posicionamento estratégico”, mas de “confusão estratégica” e vem a calhar igual. O Brasil não gosta dos Brics por causa da China. Mas o Brasil gosta dos Brics por causa da Rússia. O Brasil também não liga pros Brics por causa da Índia e África do Sul. O Brasil também traz um ódio aos Brics por querer trazer Argentina e Irã para o grupo, mas tem esperanças nos Brics porque pode ser o passaporte para uma influência maior no jogo diplomático da primeira divisão.
A Otan está ampliando o foco para a China e o jogo agora vai começar a esquentar. A resposta chinesa deverá ser a mesma de sempre, ou seja, seguir ampliando sua operação militar em todas as frentes: manutenção de operações aéreas no Mar do Sul da China e em Taiwan, ampliação de alianças com países da região, utilização da Rota da Seda para aumentar acordos comerciais que gerem dependência em diversos países (estimulando-os à neutralidade) e busca constante para manter o controle doméstico à força ou não.
O mundo está se transformando e o Brasil ainda debate o passado como se pudéssemos mudá-lo. Com a China se sentindo acuada ou contra-atacando, o mundo deverá sofrer turbulências econômicas no próximo ano bem mais profundas do que as de 2022.