- A percepção que se tem do Brasil não é boa. Além disso, a questão climática e todos os subtemas que surgem daí passam a ter um papel preponderante, nos colocando como o símbolo do que eles não querem ter de comportamento de atuais e potenciais aliados
- Quando Kerry afirma, no fim do evento, que o discurso do Brasil surpreendeu, ele está colocando a sinceridade das expectativas baixas que circulavam entre os tomadores de decisão americanos em relação a Bolsonaro
Existem razões que levaram o Brasil a ser colocado em uma posição coadjuvante diante de um dos poucos temas em que o País herdou, por força da sua geografia, o direito de ser protagonista. No entanto, temos que entender isso a partir do ponto do organizador do evento, nesse caso, o governo americano.
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Primeiro, por mais que esse evento tenha marcado a estreia internacional de Joe Biden como organizador da discussão – sobre um tema que foi chave durante sua campanha eleitoral -, o conteúdo doméstico teve um peso muito grande na narrativa que o presidente americano buscou desenvolver para o progresso da Cúpula do Clima.
Dentro desse aspecto doméstico, podemos nos aprofundar ainda mais e entrar no contexto partidário, no qual Biden precisa diariamente equilibrar as pressões de alas mais “à esquerda” do partido democrata, exigindo dele quase tanto jogo de cintura quanto o necessário para lidar com as alas mais “à direita” do partido republicano.
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Dentro desse grupo democrata, a percepção que se tem do Brasil não é boa. Além disso, a questão climática e todos os subtemas que surgem daí – energias renováveis, crédito de carbono, ESG etc. – passam a ter um papel preponderante, nos colocando como o símbolo do que eles não querem ter de comportamento de atuais e potenciais aliados. Não colocar o Brasil como um dos destaques da conferência foi mais um ato de política doméstica e partidária do que de política internacional.
Um outro fator que também colaborou para que o Brasil ficasse atrás das Ilhas Marshall e da Argentina, foi a imprevisibilidade. Por mais que a carta do presidente Bolsonaro para o presidente Biden já indicasse o rumo da narrativa brasileira, não havia confiança em Washington de que a narrativa da carta estaria espelhada com a da Cúpula. Por se tratar de um evento-símbolo para Biden e para os Estados Unidos, o temor de que o Brasil usasse o palanque, logo no início do evento, para falar sobre coisas desconexas com o tema central, era real.
A falta de confiança na consistência de narrativa brasileira se baseava no último ano, principalmente por conta da figura do ex-chanceler Ernesto Araújo. Soma-se a isso também o fato de o Brasil demonstrar um atabalhoamento – nos meses de dezembro e janeiro – com o presidente Bolsonaro manifestando lealdade ao ex-presidente Trump, alegando, de forma infundada, que teria havido fraudes nas eleições , mesmo quando uma das figuras mais importantes do partido, como Lindsay Graham, afirmava que isso era uma fantasia.
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Esse ponto também não deve ser desconsiderado: a impressão pessoal de Joe Biden em relação a Bolsonaro. Por mais que a visão de chefe de estado deva sempre superar os sentimentos pessoais, não é de estranhar que Biden tenha ficado profundamente incomodado com a postura de Bolsonaro, assim como com a de Andrés Manuel López Obrador, no México, de se agarrarem até o último minuto em teses furadas sobre fraude eleitoral. Isso atuou como fator para que durante a elaboração da conferência não houvesse o menor interesse em se colocar o Brasil em posição de destaque.
Cabe aqui uma observação importante: a Cúpula não passa de um evento pro forma. Os assuntos importantes foram debatidos antes, em conversas um a um entre os principais países. No caso dos EUA com a China, por exemplo, a visita de John Kerry a Pequim selou tudo que os americanos esperavam dos chineses nesse tema, e vice-versa.
O mesmo em conversas telefônicas ocorridas na semana anterior entre Biden e Putin e Biden e líderes europeus. Biden queria um evento que transmitisse confiança para países menores na sua capacidade de liderar , assim como uma demonstração de força para com a China e a Rússia. Nesse ponto, o Brasil não era prioridade e, como falamos, não passava a confiança de que se comportaria como o anfitrião esperava.
Quando Kerry afirma, no fim do evento, que o discurso do Brasil surpreendeu, ele está colocando a sinceridade das expectativas baixas que circulavam entre os tomadores de decisão americanos em relação a Bolsonaro.
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O fato de ter surpreendido positivamente abre espaço para que o Brasil melhore as relações com os Estados Unidos, via a porta da sustentabilidade, comprometimentos climáticos e ambientais. No entanto, isso depende mais da proatividade brasileira. Em um mundo onde a China, o Irã, a Rússia e outros são problemas e temas diários na mesa de Biden, o Brasil precisa de narrativas sólidas e convergentes para que sua importância histórica nesse tema renasça e possa colocar o país na mesa dos grandes, como formador de opinião e não apenas como o exemplo a não ser seguido.