O olhar do mercado internacional

Thiago de Aragão é diretor de estratégia da Arko Advice e assessora diretamente dezenas de fundos estrangeiros sobre investimentos no Brasil e Argentina. Sociólogo, mestre em Relações Internacionais pela SAIS Johns Hopkins University e Pesquisador Sênior do Center Strategic and International Studies de Washington DC, Thiago vive entre Washington DC, Nova York e Brasília.
Twitter: @ThiagoGdeAragao

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Thiago de Aragão

O teste de fogo da China em meio ao conflito entre Israel e Hamas

O conflito no Oriente Médio pode impactar drasticamente a geopolítica global e pesar na economia dos países

Bandeira da China (Foto: Envato Elements)
  • O potencial para que o conflito entre Israel e Hamas provoque mudanças drásticas na geopolítica regional e global é alto
  • Há uma relação importante entre a China e o ataque promovido pelo Hamas
  • Israel acumula ódio para despejar depois que aniquilar o Hamas; cabe à China agir como força pacificadora em relação ao Irã

Desde sábado (7), quando o Hamas atacou Israel de forma surpreendente, muito já foi dito sobre esse assunto. O potencial que o conflito carrega para provocar mudanças drásticas na geopolítica regional – e possivelmente global – é alto e poderá gerar impactos pesados na economia, na segurança e nas relações diplomáticas entre vários países.

Dentro desse contexto, é importante observar a estreia de um personagem-chave nesse tipo de encruzilhada: a China. Historicamente, o país asiático nunca se envolveu em situações similares a essa.

Com ambição territorial em áreas adjacentes ao seu território, a China pisou no palco da influência geopolítica há pouco, com o atual presidente Xi Jinping.

Há uma relação importante entre a China e o ataque promovido pelo Hamas. É importante lembrar que o financiamento e o fornecimento de armas e estratégias para o grupo palestino vem do Irã.

O Hamas, assim como o Hezbollah e os Houthis (no Iêmen) são financiados pelo Irã, como forma de lançar um braço armado, embora desconectado formalmente, contra seu principal inimigo: Israel. Mas é importante notar que a capacidade iraniana de financiar tais grupos flutua de acordo com sua situação econômica.

É exatamente aí que entra a China. Relativamente ingênua no campo da geopolítica global, assim como das nuances históricas entre países distantes de sua realidade, o país vem, desde 2008, compensando a ausência de conhecimento profundo sobre os países para além do Sudeste Asiático com os quais se relaciona com robustos financiamentos e fortalecimento comercial.

A robustez comercial e a flexibilidade em linhas de crédito aceleraram a entrada da China no campo das potências influenciadoras d’além mar. No entanto,  essa influência não se traduz, necessariamente, em influência política e geopolítica.

O Irã viu na China uma oportunidade de realinhar seu comércio exterior, já que o mercado ocidental se encontra fechado há décadas. A China ofereceu ao Irã generosas linhas de crédito que são pagas por meio de exportações de barris de petróleo em valores abaixo dos praticados no mercado. Essa revitalização dos cofres iranianos, naturalmente, não é suficiente. O país vive com problemas gravíssimos de natureza econômica, por mais que a China esteja perto para aliviar a barra quando necessário.

Priorizando determinadas contas, o regime do Aiatolá Khamenei trata o financiamento ao Hamas e Hezbollah como prioridades. A China, como matriz financeira, falhou em não identificar que uma parcela importante das suas linhas de crédito iam na direção de Gaza e do Líbano.

Alguém pode perguntar: mas por que a China se importaria com o financiamento iraniano ao Hamas e ao Hezbollah? Bem, não é segredo que a China busca sedimentar uma relação pacífica (e de dependência) com o máximo de países possíveis, incluindo Irã, Arábia Saudita, Israel, Líbano entre outros.

A desestabilização de uma região (por meio de guerra, crise etc.) não ajuda em nada os objetivos chineses em determinada região. Num recente e notável esforço, a China ajudou a promover a reaproximação entre Irã e Arábia Saudita. No entanto, essa reaproximação não foi sólida o suficiente para estimular um ambiente de estabilidade política na região, compreendendo o comportamento iraniano.

Claro, não quero ser engenheiro de obra pronta. De agora em diante, a China tem um problema claro. Primeiro, cidadãos chineses foram sequestrados pelo Hamas. Certamente, esses estarão entre os primeiros a serem liberados, já que uma ligação de Pequim para Teerã e de Teerã para Gaza deve resolver. Segundo, enquanto o Irã comemora e provoca e, por outro lado, Israel acumula ódio para despejar depois que aniquilar o Hamas, cabe à China agir como força pacificadora em relação ao Irã.

Se os EUA tentarão de um lado amenizar a ira israelense contra o Irã, o mesmo precisa ser feito – do outro lado – pelos chineses. Numa clássica conjuntura de guerra fria, o jogo de xadrez entre Irã e China movimenta peças pegando fogo num jogo perigoso. Um ataque israelense contra o Irã poderá desencadear uma guerra generalizada na região.

Sabemos que há apenas um país (depois de tantos anos) com acesso direto à Teerã e uma legítima capacidade de influenciar. Caso a China opte por não agir, o que é sempre possível, já que Xi Jinping se encontra no meio de uma nova caça às bruxas (contra militares de alto escalão), tornar-se-á claro que a China sabe jogar um jogo em épocas de paz, mas não em tempos de guerra. Num contexto de tensões crescentes, a ação ou inação chinesa revelará muito ao seu rival, os EUA.