- A plataforma de locações por temporada chegou no Brasil em 2012, de olho na Copa do Mundo que ocorreria dois anos depois
- Airbnb se tornou fonte de renda para quem teve problemas com a locação tradicional ou venda do imóvel
- Revisão do Código Civil chama modalidade de “hospedagem atípica”, mas lei do inquilinato prevê aluguel temporário de até 90 dias
Em 2009, a mãe da designer Marcela Arantes decidiu morar com a filha. O apartamento de pouco mais de 65 metros quadrados em que vivia, na Vila Mariana, zona Sul da capital paulista, ficou vago e logo se tornou uma fonte de renda para as duas. No entanto, a relação com os inquilinos por vezes trazia dores de cabeça e mais custos com o imóvel do que lucro. O cenário mudou quando conheceram o Airbnb e viram vantagem em oferecer hospedagens de curta duração.
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Ao E-Investidor, Marcela conta que seguiu a dica de uma amiga que é anfitriã por meio da plataforma e disponibiliza acomodações no Copan, o famoso prédio do centro de São Paulo. “O meu inquilino estava com aluguéis atrasados e relutante em chegar a um acordo com a imobiliária. Era um contrato de 18 meses, ainda haveria multa se ele saísse antes do prazo. Eu estava pensando em vender o apartamento assim que ele desocupasse para me livrar do problema, até que uma amiga me contou do Airbnb”, lembra Marcela.
A plataforma de locações por temporada chegou no Brasil em 2012, para capturar um público que demandaria hospedagem de rápida duração para a Copa do Mundo de 2014. Na época, o CEO do Airbnb, Brian Chesky, revelaria depois que 120 mil pessoas se hospedaram no país utilizando a plataforma, gerando uma arrecadação de US$ 38 milhões.
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A plataforma de aluguéis conta com mais de 200 mil anúncios no país e, embora não costume divulgar números específicos das localidades em que atua, recentemente ela revelou que os gastos de hóspedes totalizaram US$ 5,2 bilhões no Brasil em 2022. A maior parte do montante foi de viajantes nacionais, visto que os hóspedes estrangeiros responderam por 18,1% dos gastos contabilizados.
A designer se tornou anfitriã da plataforma apenas em 2017, quando o número de hóspedes do Airbnb chegou a 2,2 milhões, crescimento de 120% em relação ao ano anterior. Os objetivos de Arantes eram somente três: ter uma renda mensal garantida, mais controle sobre o imóvel e menos burocracia com o locatário.
Investiu quase R$ 50 mil na reforma e mobília completa do apartamento para oferecer o espaço na plataforma. “É claro que a diária do Airbnb é mais cara do que era cobrado no aluguel convencional pela imobiliária. O apartamento tem tudo o que uma casa precisa, com as facilidades de um hotel e em uma ótima localização.”
Oferta x demanda: o impacto do Airbnb nos aluguéis
O engenheiro de dados André Justino ia iniciar um mestrado na Holanda em 2021 e, devido à mudança de país, colocou o seu apartamento à venda em Praia do Futuro, em Fortaleza. O imóvel ficou meses vazio. “Não sei se foi a pandemia ou outra coisa. Houve poucas visitas e quase nenhuma proposta de compra”, diz. Como seu irmão tinha uma procuração para representá-lo nas negociações do imóvel, partiu dele a ideia de fazer um anúncio no Airbnb. “Morei na região por alguns anos, então ainda havia alguns móveis que permitiam o conforto para quem se hospedasse lá”, conta.
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Justino conta que por estar em uma cidade turística, o imóvel constantemente está reservado, sobretudo em épocas de férias e em finais de semana. No entanto, isso não significa que haja hóspedes nos 30 dias do mês. “Entre junho e agosto o movimento cai bastante. Já aconteceu nessas épocas: na soma dos dias alugados, não fecha o valor do que consigo tirar em 15 dias durante o verão”, revela. Esse é um dos motivos que fez Justino cobrar pela diária mais do que equivale um dia da locação residencial que é praticada no condomínio.
Ele conta que o preço médio do aluguel de um apartamento vizinho ao seu está em aproximadamente R$ 1,7 mil, fora o condomínio de R$ 650. “A minha diária é de R$ 120, que é o valor praticado na região. Se um hóspede fechar um mês inteiro eu tenho o dobro do ganho que teria com o aluguel. Só que isso nunca aconteceu e há despesas de manutenção e taxas do Airbnb”, conta.
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Ainda assim, o apartamento de Justino é um imóvel a menos na fila das locações na capital cearense. “Isso gera uma redução da oferta para o aluguel à população que mora permanentemente na cidade”, aponta o professor de Planejamento Urbano da Universidade de São Paulo (USP), Nabil Bonduki. Só que, para ele, as plataformas de hospedagem temporárias não podem ser responsabilizadas pelo aumento dos aluguéis em todos os lugares.
“Acontece que a maioria dessas habitações ficam nas regiões mais procuradas, seja pela proximidade a um ponto turístico ou por estar em uma área central”, argumenta Bonduki. No entanto, um impacto direto que o urbanista exemplifica é do crescimento de prédios compostos exclusivamente por estúdios e apartamentos de baixa metragem, a fim de atender a demanda por esse tipo de locação. “Reforça uma tendência que já está acontecendo no mercado imobiliário brasileiro. Na cidade de São Paulo temos edifícios inteiros com estúdios destinados para locações de curta temporada.”
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Vale dizer que tanto no Brasil quanto no resto do mundo ainda há poucas pesquisas sobre os impactos da locação temporária no mercado imobiliário. Em sua dissertação de mestrado de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Igor Gushiken estudou os preços praticados na cidade do Rio de Janeiro. Para isso, ele cruzou dados dos preços do Airbnb e da imobiliária digital Quinto Andar.
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Gushiken constatou que cada aumento de 1% na oferta de anúncios ativos do Airbnb gerou uma alta de 0,07% nos aluguéis residenciais. Nos bairros com mais de 80% de moradias próprias, e menor oferta de locação, houve 0,14% de aumento. “Ao disponibilizar um imóvel para aluguel de curta locação, reduz-se a quantidade disponível de imóveis para locação de longa duração, gerando um aumento de preços.”
Outra forma de analisar as diferenças entre os preços praticados na locação temporária e os aluguéis é por meio do AirDNA, plataforma que analisa dados do Airbnb. A ferramenta mostra (veja o gráfico acima), por exemplo, que o Rio de Janeiro, Florianópolis, Brasília e São Paulo são as capitais brasileiras que geram as maiores receitas com o aluguel temporário. Coincidências à parte, essas cidades também estão entre as que têm o maior aluguel residencial por metro quadrado de acordo com o índice FipeZap.
Airbnb é aluguel por temporada ou hospedagem atípica?
Curiosamente, é a união entre casa e hotel que tem dado margem para discussões jurídicas sobre plataformas como Airbnb e Booking.com. Tanto é que a proposta de revisão do Código Civil, que está em análise do Senado, propõe limitar a presença desse tipo de acomodação em condomínios residenciais. O artigo 1.336 classifica que a “hospedagem atípica” deve ser autorizada em assembleia pelos condôminos.
Para o diretor de Legislação do Inquilinato do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação ou Administração de Imóveis Residenciais ou Comerciais (Secovi-SP), Jaques Bushatsky, a proposta pode gerar mais confusões do que esclarecimentos, sobretudo considerando que há legislações que dão margem para esse tipo de acomodação. “Trata-se de uma locação de curtíssima temporada, que é típica, inclusive legalmente falando porque está prevista no artigo 48 da Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), que permite o aluguel por temporada de 1 a 90 dias”, explica.
Marcela Arantes revela que não sabia dessa revisão do Código Civil, mas acha que dificilmente isso vai atrapalhá-la já que outros moradores do edifício também são anfitriões do Airbnb. Apesar disso, ela entende que faltam regulações específicas para essa modalidade de hospedagem. “Não vejo problemas se houver, mas acho que isso pode trazer mais burocracias e encargos, pode refletir nas diárias cobradas já que o anfitrião precisa ter um retorno.”
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