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- No total, neste ano, os países em desenvolvimento esvaziaram as reservas – o estoque de emergência que possuem para se defender de crises econômicas graves – em US$ 379 bilhões
- Os países emergentes não são os únicos a serem massacrados pelo dólar forte – basta perguntar aos europeus e japoneses
- Os traders de derivativos agora estão apostando contra todas as moedas de mercados emergentes nos próximos seis meses
(Srinivasan Sivabalan, Karl Lester M. Yap e Ruth Carson, da Bloomberg) – A alta implacável do dólar americano está prejudicando as finanças dos países em desenvolvimento.
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Os formuladores de políticas nesses países estão, em conjunto, gastando o equivalente a mais de US$ 2 bilhões em reservas estrangeiras todos os dias da semana, na tentativa de apoiar suas moedas em relação ao dólar. No total, neste ano, eles esvaziaram as reservas – o estoque de emergência que possuem para se defender de crises econômicas graves – em US$ 379 bilhões.
Em um sinal, porém, de como são poderosas as forças que estão elevando o dólar, e do quanto o momento atual é perigoso, esses esforços têm feito pouco para estabilizar os mercados cambiais nos países mais vulneráveis.
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De Gana ao Paquistão, passando pelo Chile, as moedas caíram para marcas recordes, agravando picos na inflação, intensificando a pobreza e espalhando o caos que já estava latente depois de dois anos de mal-estar econômico causado pela pandemia. Em todo o mundo, 36 moedas perderam pelo menos 10% de seu valor este ano. Dez delas, entre as quais estão a rúpia do Sri Lanka e o peso argentino, caíram mais de 20%.
Tudo isso carrega uma certa semelhança com as grandes crises dos mercados emergentes dos últimos cinquenta anos: o desastre do endividamento da América Latina na década de 1980 e a onda de desvalorizações cambiais que assolou a Ásia uma década depois.
Por enquanto, a maioria dos analistas vê esse tipo de colapso extremo como pouco provável, mas ao mesmo tempo apontam que o Federal Reserve, o principal motor da alta do dólar, tem muito mais trabalho a fazer para conter a inflação. E quanto mais a instituição aumentar a taxa de juros dos EUA para atingir esse objetivo, maior será o risco de que mais países em desenvolvimento mergulhem em uma verdadeira crise monetária que poderia, por sua vez, alimentar uma crise de endividamento.
“Sem dúvida, podemos ter uma crise real nos mercados emergentes”, disse Jessica Amir, estrategista da Saxo Capital Markets, em Sydney. “Eles já estão no limite. O dólar forte é o pico de todas as incertezas, principalmente para os mercados emergentes vulneráveis.”
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É claro que os países emergentes não são os únicos a serem massacrados pelo dólar forte – basta perguntar aos europeus e japoneses. O euro caiu até atingir a paridade com o dólar pela primeira vez em 20 anos no mês passado, enquanto o iene despencou para sua pior marca desde 1998. Mas embora essas quedas signifiquem um sofrimento real para empresas e consumidores gastando mais com produtos do exterior, os países em desenvolvimento que dependem do dólar para financiar seus governos enfrentam uma ameaça quase existencial da mesma dinâmica.
Por isso, embora as reservas esgotadas este ano representem menos de 6% das participações, de acordo com dados do Fundo Monetário Internacional (FMI) para 65 países em desenvolvimento, os investidores estão de olho nisso. Esta é a queda mais rápida desde a crise cambial de 2015 liderada pela desvalorização surpresa da China. Desta vez, algumas das maiores reduções nas reservas acontecem em Gana, no Paquistão, no Egito, na Turquia e na Bulgária – também alguns dos mesmos locais onde se percebe os piores sell-offs de moeda.
A disparada dos rendimentos dos títulos do Tesouro americano e US$ 215 bilhões em pagamentos de dívida com vencimento até o final de 2023 devem agravar o sofrimento, e os analistas diferem apenas na escala das quedas esperadas, com alguns prevendo perdas gerenciáveis, enquanto outros, como o Renaissance Capital e o HSBC Holdings, chegam a apontar crises semelhantes para os países mais vulneráveis.
“Em um ambiente de arrocho da liquidez global, queda das expectativas de crescimento, pressão inflacionária elevada e dólar americano forte, é razoável supor que os países de mercados emergentes com dificuldades agudas em grande escala enfrentarão estresse cambial contínuo”, disse Paul Greer, gerente financeiro da Fidelity International. “Estamos cautelosos.”
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Gana, que solicitou um resgate financeiro do FMI para sobreviver à crise econômica pós-pandemia, vende dólares a cada duas semanas para defender o cedi, a moeda local. Embora o país tenha perdido US$ 2,60 de cada US$ 10 que tinha na reserva neste processo, a moeda ainda caiu cerca de 30% este ano. Ucrânia, Paquistão e Mongólia perderam aproximadamente 30% de suas reservas.
Países maiores também estão sendo atingidos. As reservas do Chile diminuíram mais de 10% no primeiro semestre deste ano e caíram US$ 1,2 bilhão na primeira semana de agosto, conforme vendia dólares, ajudando a recuperar o peso chileno de uma baixa recorde. Na Turquia, bilhões foram injetados para estimular a demanda pela lira turca, mas não impediram uma queda de 26% da moeda, em desvalorização pelo décimo ano consecutivo.
Com grande parte das medidas cada vez mais restritivas do Fed e toda a extensão dos riscos econômicos globais ainda por se desdobrar, os países correm o risco de esgotar seus dólares em pouco tempo. Qualquer percepção nos mercados de que eles estão ficando sem dólares poderia levar a um ataque mais voraz às suas moedas. Isso poderia excluir os países mais fracos dos mercados de capitais internacionais, deixando-os incapazes de financiar seus governos. E qualquer aumento adicional no preço das importações poderia agravar essa questão, atrasando um pico na inflação e possivelmente alimentando o descontentamento popular – como observado no Sri Lanka.
“Algumas moedas de mercados emergentes estão enfrentando pressões consideráveis de depreciação, especialmente aquelas com baixa adequação de reservas”, disse Paul Mackel, chefe global de pesquisa de câmbio do HSBC. “Não acho que exista um argumento forte para dizer que uma crise cambial ampla está em desenvolvimento. No entanto, alguns têm enfrentado movimentações semelhantes a crises, em particular aqueles no limite.”
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Independentemente do tamanho dessa derrota, ela já tem alguns fatores em comum com as crises sistêmicas do passado. Tanto a crise financeira asiática de 1997 quanto a “década perdida” da América Latina nos anos 1980 foram acompanhadas de períodos de endividamento externo excessivo, e, em seguida, uma parada repentina nos fluxos de capital quando as taxas de juros do Fed começaram a subir. Tendências semelhantes estão ganhando terreno agora, conforme os países em desenvolvimento passam de uma década de financiamento barato ao enfrentamento da escassez de dólares.
Os fluxos de capital para mercados emergentes caíram este ano para o nível mais baixo desde o período seguinte ao início da pandemia, mostra um indicador da Bloomberg, enquanto a volatilidade da taxa de câmbio sinalizada pelos preços das opções saltou um terço no ano passado, de acordo com dados do JPMorgan Chase. Os carry traders, que emprestam dólares e investem em ativos de maior rendimento em países em desenvolvimento, estão sofrendo perdas pelo terceiro ano consecutivo.
Os traders de derivativos agora estão apostando contra todas as moedas de mercados emergentes nos próximos seis meses, usando estratégias de opções sem valor intrínseco (OTM) para comprar e vender ações.
De fato, há pouco incentivo para os traders comprarem de forma seletiva as moedas de países com um banco central bem capitalizado. Isso porque – apesar do sell-off do ano – muitas dessas taxas de câmbio permanecem altas demais em relação ao histórico, com o índice de Moedas de Mercados Emergentes (MSCI) ainda sendo negociado em 92º no percentil de seu intervalo de 25 anos. Por outro lado, as ações de mercados emergentes são negociadas em 68º no percentil, tornando-as uma proposta muito mais interessante quando os traders desejam adicionar risco.
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“As condições para gostar de um grupo amplo de moedas de mercados emergentes estão em falta há algum tempo”, disse Mackel. “Com um dólar forte alimentado por um Fed linha-dura e um crescimento global fraco, esta é uma configuração desafiadora.”
Maria Elena Vizcaino, Ye Xie, Marcus Wong, Selcuk Gokoluk e Simon White contribuíram com esta reportagem.
Tradução: Romina Cácia