O que este conteúdo fez por você?
- Apostas esportivas são um negócio que movimenta R$ 100 bilhões por ano no Brasil
- Casas de apostas ajustam probabilidades para garantir lucro, explorando o desconhecimento de probabilidades dos clientes
- As "apostas" na bolsa de valores teriam mais semelhanças com o pôquer do que com jogos de azar
O Campeonato Brasileiro, encerrado neste mês com o Botafogo consagrado campeão, também impulsionou o mercado de apostas esportivas, um negócio que movimentou R$ 100 bilhões em 2023 no Brasil, segundo projeções da Strategy & Brasil, consultoria estratégica da PwC.
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As propagandas das bets são os maiores estímulos para captar clientes, que através da imagem de craques e celebridades mascaram a matemática implacável das “odds” – o retorno potencial de uma aposta, ou simplesmente a probabilidade de um evento acontecer – que transformam paixão em prejuízo. Conforme pesquisa de opinião do Instituto Locomotiva aplicada entre os dias 3 e 7 de agosto deste ano, 86% dos apostadores acabam endividados e, não é exagero afirmar, com a geladeira vazia também, como afirmou o presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), João Pedro Nascimento.
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Enquanto isso, as casas de apostas ajustam as probabilidades para garantir lucro, explorando o desconhecimento da maioria dos clientes neste campo. Seriam elas as grandes vilãs dos jogos de azar?
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Esse tipo de modelo, no entanto, não é exclusivo das bets. Loterias, como a Mega-Sena, também arrecadam mais do que pagam – e com margens significativamente maiores. A prática de ajustar probabilidades para garantir lucro não é maliciosa, mas um elemento estrutural de qualquer jogo de azar, avalia o professor de probabilidade e matemática da Fundação Getulio Vargas (FGV), Moacyr Alvim. “Não vejo nada de injusto em princípio”, reforça.
Bets são balcões de negócios
O professor enxerga essas empresas como “balcões de negócios” que poderiam, neste aspecto, ser comparadas à Bolsa de Valores. As odds das bets são ajustadas de forma que o dinheiro perdido pelos apostadores que erram cobre os lucros dos que acertam, sempre com uma margem para a casa – geralmente em torno de 5%.
O diretor de Comunicação da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), Leonardo Benites, afirma que as odds são calibradas e todo momento, inclusive durante a realização dos jogos, mas nenhuma bet tem controle sobre elas. Segundo ele, todas contratam provedores terceirizados de estatística, chamados de odd providers.
Na prática, o ajuste acontece o tempo todo, inclusive durante o jogo, para refletir a raridade dos eventos futuros, mas só afetam novas apostas, diz Benites. “Alterações não se aplicam às apostas já feitas, o jogador não é prejudicado após sua decisão”, ressalta.
Um exemplo seria um jogo com odds iniciais de 2 para o Flamengo e 7 para o Botafogo. Após dois gols do Botafogo, as odds se invertem devido à maior chance de vitória do time. Porém, isso só vale para novas apostas. Quem havia apostado 7 no Botafogo antes da partida vai receber o valor acordado no momento em que apostou.
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Na visão de Alvim, acusar as bets de serem mais prejudiciais que outros jogos de azar ignora o fato de que todos operam sob os mesmos princípios matemáticos e econômicos: é necessário pagar uma taxa pela “brincadeira”.
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Jogos de azar versus pôquer
Embora o professor da FGV trace um paralelo entre as apostas esportivas e a Bolsa de Valores, Devanir Campos, CEO do Brazilian Series of Poker (BSOP, o campeonato brasileiro de pôquer), apresenta um contraponto. Segundo ele, as “apostas” na Bolsa têm mais semelhanças com o pôquer do que com jogos de azar. “No pôquer, diferentemente das apostas esportivas, não se joga contra a casa, mas contra outros participantes”, explica.
Isso muda completamente a dinâmica. O resultado de longo prazo depende diretamente da habilidade de cada jogador em tomar decisões estratégicas com base em probabilidades e na sua capacidade de influenciar os oponentes. A casa, diz, apenas organiza o jogo, cobrando uma taxa fixa — geralmente sobre as inscrições ou os torneios —, sem interferir no resultado.
Campos admite que o fator sorte pode influenciar o resultado de um jogo de pôquer, mas apenas no curto prazo. “Existem os fatores aleatórios, as cartas que saem mais ou menos. No longo prazo, Roberto Baggio é vencedor”, comenta, lembrando do ex-craque italiano que deu a Copa do Mundo de 1994 ao Brasil. Na decisão por pênaltis, ele chutou a bola decisiva para fora, num lance de sorte… para os brasileiros.
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O executivo do BSOP destaca outra diferença. Nas casas de apostas esportivas, as odds representam a relação entre o valor apostado e o possível ganho, refletindo a probabilidade de o evento ocorrer. No pôquer, as odds são cálculos de probabilidade que os jogadores usam para avaliar a viabilidade de uma jogada. “Enquanto nas bets a matemática favorece a banca, no pôquer ela se torna uma ferramenta de decisão estratégica.”
Por exemplo, no pôquer, com R$ 5 no pote de fichas e um custo de R$ 1 para o jogador continuar a jogar, a chamada pot odd é de 5:1. Isso significa que o jogador tem que avaliar se tem pelo menos 20% de chance de vitória para a aposta ser vantajosa (1 representa 20% de 5). Se a probabilidade de ganhar for maior que as pot odds, vale apostar; caso contrário, é melhor desistir. Esse cálculo matemático guia decisões estratégicas no jogo.
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No caso das bets, quem faz essa análise é o provedor, com as chances da vitória, empate e derrota de um time somando 100% das probabilidades, que são convertidas em odds. Em um caso de um jogo entre duas equipes, por exemplo, em que a probabilidade de uma delas ganhar é de 20%, seu “pot odd” seria de 5:1. A questão é que as casas ajustam essas odds, para, na prática, embolsar uma das cinco fichas possíveis. É dessa forma que incorporam a margem de lucro. Neste exemplo de 5:1, o vencedor da aposta vai levar 80% do prêmio, pois uma ficha (20%) fica com a plataforma.
Leonardo Benites admite que as casas trabalham com uma margem em torno de 5% e no máximo 10%. “O ajuste varia conforme o esporte e o mercado”, diz. A margem do campeonato brasileiro é diferente do europeu, já que o futebol brasileiro tem um resultado mais imprevisível, tornando difícil para os algoritmos identificarem o resultado mais provável. “Mercados como faltas, escanteios e vitórias têm suas margens de lucro também, geralmente não ultrapassam 10%.”
Para Benites, a afirmação de que as bets são máquinas que transferem renda de quem não sabe matemática para quem sabe deriva, no entanto, dos jogadores que fazem arbitragem. Estes são apostadores que exploram as variações de odds entre as casas. “Se a casa A oferece odds de 5 para o Botafogo e a outra 6 para o Flamengo, ele aposta em ambas as opções de forma estratégica, garantindo lucro independente do resultado”, ressalta.
No final das contas, em jogos de azar, como roleta ou apostas esportivas, a matemática da casa é construída para que o jogador perca no longo prazo. Já no pôquer, embora a chance de perder exista, ela depende diretamente da habilidade do jogador em competir no nível adequado. “Assim como no tênis, em que enfrentar um adversário muito superior resulta em derrota certa, no pôquer, preparação e domínio de probabilidades são determinantes”, diz Campos.
Baixa renda tem dinheiro para jogar, não para poupar
Morgan Housel, autor do famoso livro “A Psicologia Financeira”, defende que toda decisão sobre o que uma pessoa vai fazer com o seu dinheiro é reflexo das informações disponíveis e de como ela enxerga o mundo. Mesmo com dados incompletos, erros de matemática ou influência de propagandas, essas escolhas fazem sentido com suas experiências de vida.
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Ele dá como exemplo as famílias de baixa renda nos EUA que gastam, em média, US$ 412 anuais em loterias — quatro vezes mais que famílias ricas —, mesmo quando 40% dos americanos não têm US$ 400 para emergências. Esses gastos, observa, sacrificam fundos essenciais em troca de chances mínimas de retorno, revelando escolhas financeiras ruins.
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No Brasil, 64% das pessoas que apostam em bets estão com nome sujo na praça por causa de dívidas e a grande polêmica é sobre o uso das verbas do Bolsa Família em apostas. Na sexta (13), a Advocacia Geral da União (AGU) informou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que não tem como impedir o uso do Bolsa Família em apostas online. Em novembro, o ministro Luiz Fux determinou ações para proibir essa prática, decisão que foi confirmada por unanimidade pelo plenário.
Para quem vive com dificuldade, observa o autor, guardar dinheiro se torna impossível e conquistas como casa própria ou a faculdade para os filhos parecem inalcançáveis. O bilhete de loteria – ou as apostas esportivas – oferece um momento único para sonhar com uma vida melhor, algo que quem já vive o sonho da vida estável não consegue compreender.