Comportamento

Bebida de garrafa a US$ 10 mil quer status do uísque e conquista investidor

Pode ter sido só jogada de marketing, mas valeu a pena: colecionadores estão chegando, assim como o susto com o preço

Bebida de garrafa a US$ 10 mil quer status do uísque e conquista investidor
Foto: Envato Elements
  • Os colecionadores de rum de primeira linha estão chegando e o susto com o preço nas etiquetas está inevitavelmente a caminho
  • As novas garrafas de alta qualidade são vendidas a preços inexplicáveis há três anos, mas não foi a bebida em si que mudou
  • Conforme os apreciadores de outras categorias começarem a conhecer mais sobre a bebida, a disputa por ela ficará cada vez mais acirrada

Bebidas envelhecidas são artigos de luxo hoje em dia. O conhaque francês e o uísque escocês de alta qualidade podem custar mais de quatro dígitos por garrafa, mas o uísque americano não fica muito atrás. A destilaria Michter lançou recentemente um blend com dois tipos de uísque, bourbon e rye, que foi vendido originalmente por US$ 6 mil, e já pode ser encontrado pelo triplo hoje. E até agora, os fãs de rum de primeira linha tinham sido poupados em grande parte desse mercado secundário de especulação.

Se você gosta da bebida jamaicana feita com melaço de cana-de-açúcar, prepare-se para um destino semelhante. Os colecionadores estão chegando e o susto com o preço nas etiquetas está inevitavelmente a caminho.

Para ficar claro, não foi a bebida em si que mudou. Pelo contrário: a reverência à técnica de produção tradicional é o que faz o rum jamaicano ser atraente aos seus apreciadores. “Em algum momento, durante a segunda metade do século 20, muitas bebidas alcoólicas – mas principalmente o rum – passaram a ser fabricadas em massa, o que foi muito prejudicial para a categoria”, explica Alexandre Gabriel, historiador de rum e fundador da marca de rum Plantation.

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O rum da Jamaica tende a apresentar um tipo de tonalidade não convencional, que faz lembrar frutas tropicais muito maduras. Conhecido localmente como hogo, é produzido por meio de fermentações mais longas do melaço de cana e, muitas vezes, com a etapa adicional chamada de “mucking”, na qual culturas de leveduras e bactérias são introduzidas no líquido para promover a esterificação, o processo pelo qual os compostos de aroma e sabor são formados.

O armazenamento do rum

As destilarias jamaicanas também continuam a usar alambiques, enquanto o restante da indústria passou a recorrer a colunas de destilação. Nenhum desses métodos é particularmente eficiente. A escolha por eles deve-se apenas ao fato de produzirem líquidos ricos e complexos, o tipo de bebida que define a categoria – e atrai inerentemente os fãs de outras bebidas produzidas em alambiques, como o uísque escocês e o conhaque francês.

Devido ao calor e à umidade do clima caribenho, a bebida armazenada pode começar a extrair notas fortes dos barris em questão de meses, ou seja, não precisa envelhecer por muito tempo. Mas, na Jamaica, as destilarias estão demonstrando uma vocação para a paciência.

A destilaria Hampden Estate opera sem parar nos planaltos das matas de Trelawny Parish desde 1753. Ela só começou a vender rum envelhecido com sua marca em 2018 e cobra mais de US$ 100 por garrafa. No ano passado, a destilaria Appleton Estate lançou um trio de bebidas produzidas em meados dos anos 1990 como parte de sua série Hearts Collection. Hoje, o trio de alto teor alcoólico, com notas que vão desde gasolina a mamão, é difícil de ser encontrado por menos de US$ 500 dólares a garrafa.

“Temos um estoque invejável de rum envelhecido e lançamos uma edição limitada todos os anos, cada uma com uma nota diferente de casca de laranja, que se tornou nossa marca registrada devido aos nossos alambiques de cobre exclusivos”, explica Joy Spence, master blender da Appleton.

“Preços inexplicáveis”

Não querendo ficar para trás, a Plantation tem uma série produzida em um único tonel e garrafas vintage de algumas das destilarias mais célebres da Jamaica, entre elas a Long Pond, também fundada em 1753, e a Claredon, uma novata em comparação a elas, que começou a operar em 1949.

O Extreme No. 3, de 22 anos, particularmente marcante, é vendido por US$ 400. O sabor dele lembra um smoothie de frutas tropicais, com uma maciez de súbita abundância de bananas e frutos silvestres. No fim, a doçura diminui para revelar notas de café e sândalo. Sua elegância e escassez – apenas 2.100 garrafas foram lançadas – o tornam uma compra obrigatória para qualquer aspirante a colecionador.

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“Os fabricantes de rum jamaicano estão num momento em que podem testar o que o mercado vai tolerar em termos de preço”, disse Matt Pietrek, autor de “Modern Caribbean Rum: A Contemporary Reference to the Region’s Essential Spirit” (Rum Caribenho Moderno: uma Referência Contemporânea à Bebida Essencial da Região, em tradução livre). “As novas garrafas de alta qualidade são vendidas a preços inexplicáveis há três anos”, contou.

“Embora não estejamos ainda em um nível de devoção como das garrafas de Pappy, muitos lançamentos da Hampden somem das prateleiras no mesmo ritmo”, continua ele, referindo-se à marca famosa de bourbon do Kentucky cujo valor fez um ex-funcionário roubar garrafas para revender depois. E como no caso dessa marca, “houve um aumento significativo nas reclamações de pessoas revendendo garrafas de forma informal, um tormento antigo do mercado de Bourbon”.

Você ainda pode facilmente entrar em uma loja de bebidas e sair com uma garrafa de rum caribenho de US$ 15. Já uma garrafa vintage de rum 25 anos da Wray & Nephew, em comparação, está atualmente sendo vendida na internet por US$ 10 mil. A diferença é ainda mais gritante quando se leva em consideração que o crescimento das vendas de rum jamaicano está estagnado nos Estados Unidos.

O Conselho de Bebidas Destiladas do país mostra um aumento de apenas 0,2% na receita dos fornecedores de 2020 a 2021. Mas durante o mesmo período, a destilaria Worthy Park viu suas exportações dobrarem. E embora você talvez tenha encontrado a marca nas prateleiras por menos de US$ 20 há uma década, hoje as garrafas de rum dela da linha Estate Reserve costumam ser vendidas por mais de US$ 100.

Investidores

O renascimento moderno da coquetelaria Tiki também atraiu colecionadores e investidores para a categoria. A história da origem de drinks universalmente aclamados, como o Mai Tai e o Rum Punch, não pode ser contada – ou recriada – sem incluir runs jamaicanos específicos.

“[O comerciante conhecido como] Trader Vic usou o Wray & Nephew 17 anos para criar sua receita original do Mai Tai em 1944”, disse Kevin Beary, diretor de bebidas e bartender do bar Three Dots and a Dash em Chicago. “A história diz que o drink era tão popular que acabou com todo o estoque da destilaria e Trader Vic passou a usar o rum envelhecido de 15 anos.”

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Beary conseguiu garantir o estoque restante da década de 1940 da bebida, que ele está usando para preparar um Mai Tai Vintage de US$ 800 em seu bar. Mas você não precisa viajar até Chicago para prová-lo: em junho, a Appleton Estate (cuja empresa controladora, o Campari Group, a comprou junto com a Wray & Nephew e um portfólio de marcas jamaicanas menores por US$ 415 milhões) relançou a edição limitada do Old Legend 17 anos.

“É a nossa recriação fiel do amado Old Rum 17 anos da Wray & Nephew”, disse Joy. “Com apenas 1.500 garrafas disponíveis, este lançamento nunca mais acontecerá e certamente se tornará um item cobiçado por colecionadores.” Em outras palavras, em breve será vendido por bem mais do que seu preço inicial sugerido no varejo de US$ 500. O Mai Tai vintage de US$ 800 do Three Dots and a Dash pode parecer uma pechincha depois disso.

No entanto, para Bertrand Noury, o “molho secreto”, no fim das contas, tem muito mais a ver com a proveniência do que com a idade da bebida. O gerente de bebidas tem vários prêmios por seu Ali’i Mai Tai servido no Ritz-Carlton Maui, em Kapalua. “É uma versão do Mai Tai original de 1944 criado por Trader Vic com apenas um toque de doçura”, diz ele sobre o drink, que leva suco de limão espremido na hora e uma orchata feita com macadâmia.

“Funciona tão bem por causa do rum jamaicano – os produtores do país caribenho estão comprometidos com séculos de tradição”, disse Noury. “A bebida deles tem uma firmeza que sobrevive em um drink. Tudo se resume ao estilo mais expressivo da bebida que você sempre vai ter.”

Engarrafadores independentes

Do outro lado da baía onde “Trader Vic” Bergeron abriu seu restaurante temático tiki em Oakland, em 1934, o rum jamaicano está novamente ocupando um lugar de destaque em muitos bares de São Francisco.

Martin Cate, dono do bar Smuggler’s Cove, famoso por sua vasta coleção com mais de 700 variedades de rum, não se surpreende com o aumento do interesse pela bebida. “Os destilados arrojados e com personalidade, aprimorados com um envelhecimento tropical longo e subsequente redução por evaporação, significam preços mais altos do que justificáveis”, afirmou. “O produto final com certeza garante o lugar do rum jamaicano entre as melhores bebidas do mundo.”

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Os engarrafadores independentes tiveram um papel importantíssimo nisso tudo. Marcas como Blackadder, Samaroli e Velier têm, cada uma, rótulos complexos e vintage em seus respectivos portfólios, com bebidas envelhecidas de 3 a 15 anos. E todas elas cobram tranquilamente mais de US$ 500 por garrafa.

No final de 2020, a The Last Drop lançou uma garrafa de rum jamaicano de US$ 3 mil produzido em 1976.  Ele exala especiarias como gengibre, cravo e tramas de folhas secas de tabaco. Esses runs são vendidos em garrafas mais atraentes e caixas projetadas especialmente para eles, o tipo de coisa que faz chamar a atenção num bar e competir com os uísques e conhaques igualmente envelhecidos.

Pode ter sido apenas uma jogada de marketing, mas valeu a pena.

Pietrek percebe o que ele apelidou de mentalidade estilo “Pokémon! Temos que pegar” nos atuais entusiastas do rum jamaicano. Conforme os apreciadores de outras categorias começarem a conhecer mais sobre a bebida, a disputa por ela ficará cada vez mais acirrada.

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