As exportações de carros da China tiveram alta de mais de 50% nos primeiros nove meses deste ano, com o envio de mais de 2 milhões de veículos. Não se trata de montadoras ocidentais usando a China como central de exportação; marcas domésticas também estão encontrando espaço no mercado mundial. E a demanda é liderada pela Europa, berço do automóvel, onde um aperto na cadeia de fornecimento, uma crise de energia e a guerra na Ucrânia continuam a afetar os fabricantes.
A ameaça é mais do que uma questão de preço. Os automóveis feitos na China são de qualidade muito superior aos modelos que o país tentou oferecer aos consumidores europeus há mais de uma década e meia. As montadoras da Europa já estão perdendo participação no mercado da China por não serem muito competitivas na arena dos veículos elétricos, e correm o risco de ficar na mesma situação em casa, onde as montadoras chinesas já respondem por 5% do mercado de veículos elétricos.
Os políticos europeus não devem ser ingênuos, mas precisam evitar uma reação agressiva: novas e rigorosas barreiras aos produtos chineses aumentariam o custo dos veículos elétricos, ao mesmo tempo reduzindo a pressão sobre as montadoras europeias para que melhorem sua competitividade.
As montadoras da China estão avançando depois de passar anos se preparando para atender à crescente demanda por veículos elétricos e pelas baterias que os alimentam. Montadoras de todo o mundo fazem parcerias com fabricantes chinesas de baterias para alimentar suas frotas de veículos elétricos.
Graças em parte à generosidade do governo e a uma política industrial que favoreceu os produtores domésticos, as marcas chinesas de veículos elétricos dominam seu mercado local em rápida expansão, onde procuram reduzir os preços, ampliando ainda mais a adoção.
Elas também avançaram nos recursos de software, entretenimento e informação exigidos pelos clientes chineses. Com exceção da Tesla, as montadoras ocidentais ficaram frequentemente para trás nesse quesito.
A oportunidade para a China é clara: a lealdade à marca ainda não foi estabelecida no mercado de veículos elétricos, e os modelos atuais alimentados por baterias são frequentemente caros. As montadoras ocidentais ignoraram deliberadamente o espectro dos modelos mais baratos no mercado europeu, acreditando que margens de lucro superiores viriam dos preços altos, e não de um alto volume de vendas.
As empresas chinesas estão agora se valendo de suas economias de escala para enviar carros para a Europa a preços competitivos. A dimensão das ambições da China esteve em evidência no Salão do Automóvel de Paris, em outubro, onde marcas como a BYD, com investimento da Berkshire Hathaway, e a Great Wall Motor apresentaram vários modelos tecnicamente impressionantes.
Entretanto, ainda há muito trabalho a ser feito para estabelecer melhor as marcas chinesas, suas redes de concessionárias e centros de serviços. Acordos como o estabelecido em outubro pela BYD com a gigante alemã do aluguel de carros Sixt, prevendo a compra de aproximadamente 100.000 veículos elétricos, vão ajudar a desenvolver o reconhecimento do cliente.
Não surpreende que marcas ocidentais adquiridas pelos chineses, como MG e Polestar tenham sido as mais bem-sucedidas (a MG pertence à SAIC Motor Corp., enquanto a Polestar recebe apoio financeiro do Zhejiang Geely Holding Group).
O avanço da China representa um problema espinhoso para os políticos europeus, que estão sob pressão para garantir uma concorrência justa. Atualmente, a importação de carros para a China é tarifada em 15%, enquanto a importação parta a União Europeia é tarifada em 10%.
O diretor executivo da Stellantis NV, Carlos Tavares, quer que a Europa aumente as tarifas para modelos chineses importados. Enquanto isso, o presidente da França, Emmanuel Macron, diz que os incentivos 1ª compra devem depender da produção local, como ocorre agora nos Estados Unidos após a aprovação da lei de redução da inflação.
Já a Alemanha, cuja indústria automobilística tem muito mais a perder em caso de uma retaliação da China, tem se mostrado reticente até o momento. Os executivos das montadoras alemãs integram uma delegação de lideranças empresariais que o chanceler Olaf Scholz está levando à China para uma visita na última semana.
A Europa já está preocupada com a desindustrialização por causa do altíssimo custo da energia. Há também crescente preocupação política com a dependência empresarial do continente em relação à China – uma valiosa parceira comercial que é cada vez mais vista como rival estratégica.
O destino de indústrias como a de painéis solares – com os consumidores alemães subsidiando, na prática, a ascensão de fabricantes chinesas enquanto as produtoras alemãs quebravam – mostra os perigos da complacência.
Embora as montadoras ocidentais já tenham superado o desafio competitivo das montadoras japonesas e coreanas, desta vez a ameaça é maior, porque os veículos elétricos são uma tecnologia nova e a China está anos à frente em termos de baterias e da cadeia de fornecimento associada.
Na semana passada a UE chegou a um acordo para banir a venda de carros movidos a combustão a partir de 2035; com isso, as fabricantes do continente se veem entre a cruz e a espada. Seria razoável estimular as fabricantes chinesas a estabelecer centros locais de produção, como Pequim fez com as montadoras ocidentais.
Talvez isso ajude a Europa a se tornar mais competitiva, criando empregos na manufatura no próprio continente. Concessões parecidas já foram feitas antes (fabricantes chinesas de baterias já estão construindo fábricas na Europa).
Sufocar a importação de veículos chineses pode ser popular do ponto de vista político, mas os consumidores europeus acabarão sofrendo, seja com preços mais altos ou produtos inferiores. No fim, a Europa terá de escolher entre protecionismo ou acessibilidade. Infelizmente, não se pode ter ambos.
* Tradução de Augusto Calil