

O cheque ainda sobrevive no Brasil, apesar dos avanços tecnológicos dos instrumentos financeiros, como o pagamento por aproximação e o Pix. De 1995, no auge do seu uso, até 2024, as emissões caíram 95,87%, mas ainda assim o cheque foi transacionado 137,6 milhões de vezes no ano passado, segundo dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Samira Koury, de 58 anos, faz parte desse grupo. Gerente de uma loja há três décadas, ela diz que o seu local de trabalho ainda aceita cheques de clientes e fornecedores. “Aceitamos de quem não consegue trabalhar direito com o cartão de crédito ou quando a conexão da máquina está ruim, diz.
Koury tem na ponta da língua as vantagens de usar o cheque. Em áudio, ela explica como ele pode beneficiar tanto na hora de receber o pagamento dos clientes, quanto na hora de fazê-lo à outra empresa:
Koury recorda que, antes dos anos 2000, o cheque era um dos instrumentos financeiros que ela mais utilizava. “No passado só existia o dinheiro e o cheque, então eu tinha que usar um caderninho para saber quem estava devendo”, diz.
Apesar do cheque já ter sido muito popular – em 1995 foram 3,3 bilhões deles rodando de mão em mão –, dados da Febraban mostram que, a partir da ascensão de novos meios de pagamento, o seu uso declinou consideravelmente. Em 2020, só 1% de todas as transações do País mapeadas pelo Banco Central (BC) foram feitas com eles.
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Por que as pessoas ainda usam cheque?
De acordo com o Banco do Brasil (BBAS3), o cheque continua sendo um meio de pagamento relevante para determinados segmentos. Entre os principais fatores que justificam sua utilização atualmente estão a possibilidade de emissão sem limite de valor, a flexibilidade no prazo de pagamento e a segurança jurídica que ele oferece como "título executivo" – documento que se apresenta ao juiz para pedir a execução de dívida ou obrigação do devedor.
Em aluguéis de carros ou apartamentos, por exemplo, é comum utilizar um cheque caução como forma de reservar uma parte do dinheiro com antecedência para o caso de o pagamento não ser realizado ou para bancar o reparo do bem alugado se houver algum dano durante o uso.
Paula Sauer, professora de Economia e coordenadora do laboratório de inteligência financeira da ESPM, diz que a falta de oferta de serviços financeiros em algumas regiões do Brasil também impulsiona a utilização do cheque devido à limitação para meios de pagamento digitais. Em áudio, ela explica:
O cheque tem ainda seu espaço em pagamentos parcelados, já que ele não implica em taxas e pode ser emitido com uma data futura já determinada para a cobrança – popularmente chamado de cheque pré-datado. “Esta opção é utilizada por profissionais liberais, como dentistas”, afirma Ricardo Gomes, planejador financeiro CFP®.
José Achiles Mozambani é mais um exemplo do grupo que segue utilizando o cheque. Ele possui um sítio em Monte Alto-SP que produz frutas entregues à Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP). Os pagamentos feitos pelos feirantes e supermercados aos produtores rurais neste centro são realizados por meio deste instrumento financeiro. Isso ocorre em razão do alto volume dinheiro que circula nas compras e nas vendas de mercadorias e pela ausência de taxas de juros característica do cheque.
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O microempreendedor afirma que, mesmo que outros lugares não usem mais cheques, ele já se acostumou a receber por meio desse sistema. "Todos só recebem por cheque na CEAGESP. Não vejo essa situação terminando um dia. Não dá para adivinhar o futuro, mas é tanto tempo trabalhando assim que fica difícil mudar."

O auge e a queda do cheque no Brasil
De acordo com o BC, o cheque é uma ordem de pagamento à vista, em que o emissor do documento autoriza o banco a fazer o repasse de um determinado valor ao beneficiário. Ou seja, é uma espécie de título de crédito, representando uma dívida por parte do emissor.
O cheque era amplamente usado nas décadas de 1980 e 1990 para pagamentos cotidianos. O instrumento autorizava saques na “boca do caixa”, ou seja, permitia transformar um pedaço de papel em dinheiro, fosse depositado conta corrente ou retirado o valor em cédulas. Servia, inclusive, de símbolo de status, uma vez que, por meio do talão, era possível identificar o tipo de conta que o cliente possuía.
Outro fator que potencializou o uso do instrumento na época foi o cenário de inflação alta no Brasil – em março de 1990, em pleno auge do cheque, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) chegou a 82,39%. Em razão disso, o cheque era uma opção que evitava o transporte de muitas notas de dinheiro vivo. “Nos anos 1990, a inflação era muito alta. Se você sacasse o dinheiro no dia primeiro, no dia 10 ele já tinha um valor menor. Quando eu recebia o meu salário, eu de imediato ia no mercado, fazia uma compra grande e pagava em cheque”, diz o analista financeiro da Caixa Econômica Federal Marcos Lembi Alves.
A popularização do seu uso, contudo, trouxe também a insegurança e a desconfiança de quem o recebia, uma vez que o papel não oferecia a garantia de que a conta inscrita teria fundos suficientes para realizar a transferência – o temido cheque sem fundo.
A vantagem de usar cheque: segurança
Ainda há vantagem do ponto de vista de segurança ao usar o cheque hoje em dia. Afinal, roubos de celulares, por exemplo, colocam em risco o dinheiro na conta do banco da vítima, que pode ser acessado via aplicativo. “Se em um assalto me pedissem um cheque, o ladrão teria que depositá-lo ou sacá-lo, mas eu teria tempo de enviar uma ordem para o banco contra-ordenando o cheque", afirma.
Em entrevista, Alves conta que, apesar de o cheque ter sido uma estratégia interessante para se utilizar nos anos de 1980, ele não o usa mais. Em vídeo gravado em um dia de intensa chuva, o analista da Caixa revela por quais meios de pagamento os instrumentos foram substituídos no seu dia a dia.
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O que o futuro reserva para os meios de pagamento?
Com o surgimento de transferências eletrônicas, cartões de crédito e o Pix, o cheque perdeu seu protagonismo na vida financeira do brasileiro. A facilidade que os outros meios de pagamento oferecem, especialmente para as novas gerações, acabaram tornando o cheque obsoleto. O futuro dos meios de pagamento, porém, aponta para mais experiências de “invisíveis”.
O Pix se consolidou, nos últimos anos, como principal método de pagamento no País. Segundo o BC, em dezembro de 2024 o sistema foi usado 6,4 bilhões de vezes, com volume financeiro de R$ 2,7 trilhões. O cartão de crédito segue na disputa por oferecer a possibilidade de parcelamentos e programas de fidelidade, além de ser um método de pagamento confiável para grande parte da população.
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Segundo Douglas Barrochelo, CEO da Biz, plataforma de infraestrutura de pagamentos e serviços bancários, a era atual está dominada pelos pagamentos invisíveis, em que o usuário realiza transações sem perceber. "Serviços como de mobilidade, delivery e aplicativos de streaming exemplificam essa tendência, na qual o pagamento acontece de forma automática, sem a necessidade de ação direta do consumidor no momento da compra.”
Assim, os avanços tecnológicos estão redefinindo o papel dos pagamentos na vida das pessoas, tornando-os mais eficientes e flexíveis. O fato é que em um determinado momento, os cheques, e até mesmo o dinheiro como conhecemos hoje, podem deixar de existir. “Se você entrar em uma sala de aula de estudantes de graduação e perguntar quem tem dinheiro na carteira, poucos terão. A maioria dos jovens de hoje fazem pagamentos e transferências por aplicativos”, comenta Sauer, da ESPM.
*Supervisionado por Wladimir D'Andrade
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