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Comportamento

Como é lidar com dinheiro na Argentina com inflação de 138%

Confira o relato de brasileiro que há 2 meses no país lida com questões do dia a dia, como pagar o aluguel

Como é lidar com dinheiro na Argentina com inflação de 138%
O candidato da extrema direita nas eleições presidenciais argentinas, Javier Milei (Imagem: Victor Moriyama/The New York Times)
  • Sempre existe uma tensão para lidar com dinheiro na Argentina
  • Apesar da diversidade de meios de pagamentos que existem hoje, nem sempre lojas, casas de shows e atrações turísticas aceitam todos eles
  • O país tem mais de uma dezena de taxas de câmbio. O mais famoso e o que realmente interessa para o turista se chama dólar blue, o dólar paralelo

Com uma inflação de 138% nos últimos 12 meses, a desvalorização do peso favorece o turista brasileiro. Sim, há muitos produtos e serviços baratos na Argentina, principalmente comida e bebida, combustíveis e energia elétrica por causa de subsídios governamentais, além do câmbio favorável. Mas antes de pensar que você vai viajar para o país vizinho comprando tudo que der na telha, veja um pouco da minha experiência após dois meses morando em Buenos Aires.

Já te adianto o principal: se tem uma mensagem que você precisa aprender desse texto, é essa: sempre existe uma tensão para lidar com dinheiro na Argentina. Apesar da diversidade de meios de pagamentos que existem hoje, nem sempre lojas, casas de shows e atrações turísticas aceitam todos eles. E mesmo que aceitem, o dinheiro que vai sair do seu bolso nem sempre é aquele previamente combinado na negociação ou o que está no cardápio.

É isso mesmo. Apesar de toda modernidade de meios de pagamentos que estamos acostumados, há diversas nuances que impedem experiências fluidas e seguras na Argentina.

Mas antes que você saia demonizando a todos pela declaração que fiz aí, saiba que não é culpa dos nossos hermanos. Eles estão passando por uma situação de crise há praticamente duas décadas e cada um precisa fazer a sua engenharia financeira para sobreviver – situação central nas eleições presidenciais do país, cujo primeiro turno ocorre neste domingo (22).

Dinheiro

A forma mais vantajosa para um estrangeiro pagar na Argentina é, efetivamente, em “efectivo”.  Trocadilho à parte – “efectivo” em castelhano significa “em espécie” –, com o dinheiro em notas se faz compras pequenas e grandes por aqui. Não à toa lojas que vendem celular, imobiliárias que recebem aluguel e agências de viagens que vendem passeios possuem máquinas contadoras de dinheiro.

Bolo de notas de dinheiro empilhados com uma lata de refrigerante ao lado para efeito de comparação de altura.
Pouco mais de ARS 800 mil pesos, sendo que dois terços foram para a compra de um smartphone Samsung S23 125Gb (Imagem: Wladimir D’Andrade)

O problema dessa forma de pagar – além, claro, de ter que andar com a carteira gordinha ou bolos de dinheiro na mochila – está no saque dele. Há diversos serviços oferecidos por financeiras como Western Union e os bandeiras de cartão de crédito, porém constantemente há empecilhos que atrapalham sua programação diária. Lojas sem saldo suficiente, sistemas fora do ar, detalhes que não conferem no formulário de transferência bancária, filas quilométricas de argentinos para pagar contas nestes mesmos caixas.

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Para evitar ao máximo efeitos da inflação, retiro dinheiro para compras da casa, transporte e telefonia e lazer a cada uma semana ou dez dias. O percurso até algum guichê ocorre sob a expectativa de sucesso ou fracasso na missão. Na dúvida, então, procure sacar antes de que seu bolso esteja todo esvaziado.

Câmbio oficial e paralelo

A alternativa aos serviços de envio de remessas fica com o câmbio, formal ou no paralelo. A Argentina tem mais de uma dezena de taxas de câmbio. Dólar tarjeta, para cartão de crédito; dólar soja, para liquidação de negócios agrícolas; dólar mayorista, para para compras em grande escala; e dólar ahorro, para até US$ 200 por mês; dólar Qatar, para o turista que viaja ao exterior; e até dólar Coldplay, em referência à famosa banda, que serve para os organizadores de espetáculos internacionais. Além de dezenas de outros, inclusive o dólar oficial.

O mais famoso e o que realmente interessa para o turista se chama dólar blue, o dólar paralelo – pelas leis do país, ele é ilegal, mas todos sabem que existe e nele giram todas as cotações do dia a dia. O blue reflete a percepção da população sobre o valor da moeda argentina. Enquanto o dólar oficial cota nesta sexta-feira (20), às vésperas da eleição, US$ 1 dólar a 347,50 pesos (ARS) na compra e ARS 365,50 na venda, o dólar blue estava cotado a ARS 880 na compra e ARS 900 na venda. No último dia 10 e no dia 11 e outubro, o blue chegou a bater os ARS 1.100 na venda.

O turista que vai trocar seus dólares com cambistas facilmente encontrados no centro da capital federal, principalmente na Calle Florida, sai do hotel com uma simples conta na cabeça: valor em dólares que tem na mão vezes cotação do dólar blue no dia. É isso que ele espera obter no câmbio. Ledo engano.

Na frente do cambista, os US$ 100 dólares que o turista vai trocar não valem exatamente a cotação do dia (no caso deste exemplo, ARS 880). Como são “apenas” US$ 100 dólares ele vai te oferecer comprar por ARS 850. Se ao invés de uma única nota de US$ 100 você tem, na verdade, notas menores que somam os US$ 100, então ele vai te colocar outro desconto, para ARS 800. Se as notas tiverem manchadas ou amassadas, ARS 700. E por aí vai.

Então, vai uma dica para quem está de passagem marcada para a Argentina: traga notas novas e de cifras mais altas de dólar (sim, eu me dei mal nessa).

Cartão

Os argentinos usam muito métodos de pagamento como o PagSeguro, via QR Code, mas para uma conta dessa a empresa exige o DNI, o RG do país. Assim, para não utilizar dinheiro vivo, sobra a opção de cartões. Para cartões de débito há empresas que oferecem esse serviço internacional, como um cartão de débito pré-pago – o da Wize e o da Nomad são os mais conhecidos.

Via uma conta do Brasil, dá para transferir um valor para o cartão e realizar a conversão de real para dólar americano. Na hora do pagamento, o cartão automaticamente faz a conversão de dólar para pesos argentinos. É assim que funciona por aqui. São duas transações, ou seja, duas vezes que se paga pelo câmbio.

Além disso, o uso do cartão pré-pago acaba se parecendo com uma loteria. São momentos de apreensão até a confirmação ou negativa da compra pelo atendente que está com o plástico para passar na maquininha – e aqui é bem comum o lojista tomar o cartão da sua mão, olhar seus dados impressos nele e andar com ele pela loja enquanto eu fico olhando apreensivo para entender onde está indo. Há estabelecimentos que aceita, muitos não, depende do banco atendido pela maquininha. Portanto, certifique-se antes de consumir.

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Só não recomendo o cartão de crédito. Além dos lojistas cobrarem adicionais que podem chegar a 30% no valor da compra para pagamentos com crédito, a cobrança chegará no Brasil cotada pelo dólar tarjeta, que na sexta-feira estava cotado a ARS 736,06, abaixo, portanto do blue. O consumidor será, então, duplamente penalizado. Ou melhor, triplamente punido, porque ainda há a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), cuja alíquota se encontra em 5,38%, sobre o montante da compra.

Últimas dicas

A Argentina é um país maravilhoso para conhecer. Um lugar que respira cultura e história, de paisagens lindas, de gente acolhedora e uma ótima gastronomia. E o momento para o turista brasileiro favorece, tendo em vista a vantagem cambial a favor. Antes, porém, se prepare:

  • Traga notas altas e novas de dólar, elas lhe darão melhores cotações no câmbio;
  • Abra conta em algum serviço de remessa de dinheiro, as cotações são próximas do blue e o IOF, o menor que você vai encontrar;
  • Diversifique seus meios de pagamento além do dinheiro em espécie, como um cartão de débito internacional;
  • Evite ao máximo usar cartão de crédito;

E se for comprar produtos de valor maior, como um smartphone, leve uma bolsa ao guichê de retirada de dinheiro. Sério, você pode receber bolos de notas – eu mesmo me vi em uma cena de filme de assalto a banco ao colocar tudo correndo na mochila e sair na rua olhando para todos os lados.

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