Comportamento

Por que a China e os EUA discordam sobre novos IPOs na bolsa

Empresas chinesas correspondem a cerca de 4% dos US$ 50 trilhões do mercado americano de ações

Por que a China e os EUA discordam sobre novos IPOs na bolsa
Para muitas pessoas, entender mais sobre como investir no exterior tem se tornado uma boa opção. (Foto: Pixabay)
  • Empresas chinesas em busca de capital têm apelado há muito tempo para o mercado de ações dos Estados Unidos
  • Tudo isso parece prestes a mudar. A China prometeu elaborar novas regras para empresas do país abrirem o capital em mercados estrangeiros
  • Não está claro se foi a contenciosa IPO da Didi Global Inc., em junho, que desencadeou esse movimento; os EUA estão dando passos para forçar algumas empresas chinesas a abrir seus registros ou serem tiradas da bolsa e bloquearam novas IPOs

(Richard Frost, Sofia Horta e Costa, WP Bloomberg) – Empresas chinesas em busca de capital têm apelado há muito tempo para o mercado de ações dos Estados Unidos em busca de seus ricos investidores.

Ao longo das duas décadas recentes, elas levantaram mais de US$ 100 bilhões em aberturas de capital na bolsa americana. Esse fluxo de dinheiro foi imensamente lucrativo para todos os envolvidos: fundadores de empresas, banqueiros, investidores iniciais e novos acionistas.

Ainda assim, tudo isso parece prestes a mudar. A China prometeu elaborar novas regras para empresas do país abrirem o capital em mercados estrangeiros e aumentar a fiscalização daquelas que já negociam ativos fora do país.

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Não está claro se foi a contenciosa IPO da Didi Global Inc., em junho, que desencadeou esse movimento; os EUA estão dando passos para forçar algumas empresas chinesas a abrir seus registros ou serem tiradas da bolsa e bloquearam novos IPOs.

De qualquer maneira, isso resulta em um grande sobressalto para empresas chinesas – que correspondem a cerca de 4% dos US$ 50 trilhões do mercado americano de ações -, seus acionistas e Wall Street.

1. O que a China está fazendo?

A Administração do Ciberespaço da China, agência reguladora da internet no país, propôs novas regras rigorosas em relação a ofertas de ações em outros países. Empresas que detêm dados de mais de 1 milhão de pessoas serão obrigadas a passar por inspeções de cibersegurança antes de poder realizar IPOs no exterior.

A inspeção também levará em conta potenciais riscos de segurança nacional relativos a essas IPOs. Empresas que controlam grandes quantidades de informações sensíveis podem ser proibidas de oferecer ações nos EUA definitivamente, noticiou a Dow Jones em agosto.

Agências reguladoras também afirmaram que estão considerando exigir que empresas que já abriram capital usando uma entidade de interesse variável (VIE) busquem aprovação em ofertas adicionais de ações no exterior (uma VIE cria uma empresa de fachada estrangeira em lugares como as Ilhas Cayman as Ilhas Virgens Britânicas – ostensivamente fora do alcance dos reguladores chineses). Isso surtiria impacto empresas como a Alibaba Group Holding Ltd.

2. A ideia é limitar a participação de acionistas estrangeiros?

Não tanto. A China já possui leis rígidas a respeito de investimento estrangeiro em certos setores, como empresas de internet, bancos, mineradoras e empresas privadas de educação. As VIEs eram uma alternativa legalmente instável que possibilitava a empresas chinesas conseguir capital em mercados estrangeiros sem abrir mão do controle da companhia.

Algumas empresas chinesas de tecnologia possuem investidores estrangeiros desde a época em que não passavam de valentes iniciantes. O Softbank Group Corp. e a Uber Inc., por exemplo, possuem fatias consideráveis da Didi, enquanto a Naspers Ltd. é dona de 29% da Tencent Holdings Ltd., o que faz dela a maior acionista individual.

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A mais recente movimentação do Partido Comunista Chinês é destinada a garantir que dados sensíveis controlados por empresas de seu país não possam ser acessados por agências reguladoras estrangeiras. De maneira mais abrangente, isso é parte de uma campanha para impor controles mais rígidos sobre as empresas chinesas de tecnologia; muitas das quais detêm quase-monopólios em seus campos de atuação e vastas quantidades de informações de usuários – o novo petróleo da economia digital.

3. Por que a China está fazendo isso agora?

Anos de regulação branda sobre o setor da tecnologia permitiram às empresas e seus fundadores bilionários ficar cada vez mais ricos, influentes e poderosos. Poderosos demais, ao que parece. Desde o ano passado, o governo do presidente Xi Jinping atuou para domar essas corporações – do descarrilamento da estrondosa IPO do Ant Group a novas regras para refrear práticas monopolistas no ambiente digital.

Em março, Xi alertou que Pequim miraria as chamadas empresas “plataforma” que acumulassem dados e dominassem mercados. Esse termo cobre uma gama de empresas que oferecem serviços a centenas de milhões de pessoas, da Didi à gigante de entrega de comida Meituan e líderes no comércio digital como JD.com Inc.

A decisão da Didi de ir adiante com sua IPO nos EUA apesar das reservas expressadas pelas agências reguladoras chinesas foi vista em Pequim como mais um exemplo de como algumas empresas de tecnologia consideram estar fora do alcance do Partido Comunista. As novas regras evitariam efetivamente que um incidente desse tipo voltasse a ocorrer.

4. O que os EUA estão fazendo?

Segundo legislação aprovada durante o governo Trump, em dezembro, empresas chinesas podem ser excluídas das bolsas americanas caso se recusem a entregar informações financeiras para análise de agências reguladoras americanas. A Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC) começou a implementar em março as novas regras, que exigem inspeções de autoridades americanas sobre a contabilidade das empresas chinesas.

Há muito tempo a China se recusa a permitir que o Conselho de Supervisão Contábil de Empresa Pública dos EUA examine ou audite as empresas chinesas, citando motivos de segurança nacional.

No fim de julho, a SEC impediu IPOs de empresas chinesas até que elas ampliassem a divulgação dos riscos que os acionistas enfrentavam, incluindo aqueles motivados pela estrutura VIE e pela possibilidade de futuras movimentações do governo chinês. O presidente da SEC, Gary Gensler, afirmou em agosto que “o tempo está acabando” para que as empresas chinesas passem a permitir inspeções de seus registros financeiros.

5. Qual o impacto disso até o momento?

O valor de ações chinesas negociadas em Nova York e Hong Kong despencou em julho e agosto, enquanto acionistas calculavam os preços levando em conta o maior escrutínio de Pequim. Algumas empresas desistiram ou postergaram seus planos de IPO nos EUA, de acordo com seus relatórios, incluindo da firma de assistência médica LinkDoc Technology Ltd. e da Ximalaya Inc., uma plataforma de compartilhamento de áudio.

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Outras empresas com planos de oferecer ações nos mercados americanos estão optando por Hong Kong, como a J&T Express. Cerca de três quartos das empresas chinesas que abriram o capital este ano em outros países estavam negociando os ativos por preços menores do que os praticados em suas IPOs em agosto, enquanto valores de empresas de tecnologia caíram quase 40%.

Para a Didi, a punição por ter contrariado Pequim foi dura. Suas ações caíram mais de 30% em quatro dias, abaixo do preço da IPO. Acionistas processaram a empresa, assim como seus diretores e fiadores, alegando que a Didi não revelou conversas que mantinha com autoridades chinesas a respeito da conformidade com as leis de cibersegurança.

Enquanto isso, um contingente de veteranos de Wall Street busca retomar antes do fim do ano o diálogo com as autoridades regulatórias chinesas, em busca de algum acordo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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