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- No dia em que preço do petróleo ficou negativo, aproximadamente 150 mil pessoas que assinam o Money Stuff, um boletim informativo gratuito escrito por Matt Levine, um colunista da Bloomberg, encontraram um e-mail em suas caixas de entrada com o assunto 'Não há lugar para guardar o petróleo'
- De modo impressionante, o artigo de Levine foi escrito mais de uma hora antes de o mercado enlouquecer. Foi uma destilação clara e em cores de algo que quase ninguém havia contemplado
- No noticiário financeiro - um meio que não é conhecido por cultivar vozes excêntricas ou literárias - não há ninguém como Levine, um ex-banqueiro do Goldman Sachs cujo estilo inexpressivo mistura elucidação técnica e sagacidade
(Emily Flitter/The New York Times) – No dia 20 de abril, aconteceu algo sem precedentes na história dos mercados financeiros: o preço do petróleo ficou negativo. Não era o caso de que o custo do barril tivesse caído para um número assustadoramente baixo. Na verdade, caiu para abaixo de zero, o que significa que havia comerciantes por aí que lhe pagariam para lhe dar petróleo.
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Aconteceu no meio da tarde, fazendo com que as ações caíssem drasticamente e, quando as bolsas fecharam, às 16h, muitos veículos de notícias ainda estavam lutando para explicar o porquê.
“Os contratos futuros das commodities precisam ser padronizados e vinculados a um ponto de entrega físico, que, neste caso, estava sobrecarregado”, escreveu uma publicação. “A parte da frente da ‘curva’ de futuros do petróleo, que é o contrato de maio que vence na terça-feira, foi a mais atingida, pois se aplica ao combustível que deve ser entregue enquanto a maior parte do país permanece em lockdown devido ao novo coronavírus”, disse outro veículo de comunicação.
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Um grupo de leitores de notícias obteve uma visão mais compreensível. As aproximadamente 150 mil pessoas que assinam o Money Stuff, um boletim informativo gratuito escrito por Matt Levine, um colunista da Bloomberg, encontraram um e-mail em suas caixas de entrada com o assunto “Não há lugar para guardar o petróleo”.
De modo impressionante, o artigo de Levine foi escrito mais de uma hora antes de o mercado enlouquecer. Foi uma destilação clara e em cores de algo que quase ninguém havia contemplado. Parecia uma história de ninar a respeito do West Texas Intermediate Crude.
“O petróleo é volumoso, escorregadio, venenoso, inflamável e fedorento”, escreveu Levine, iniciando uma exposição sobre contratos futuros de petróleo mensais.
“As pessoas colocam um preço no petróleo – elas pensam que ele tem valor e querem possuí-lo por esse valor – mas também colocam um preço em não tê-lo agora”, escreveu ele. “É concebível, em teoria, que o último preço (o que você pagaria para não ter petróleo agora) poderia exceder o primeiro (o que você pagaria para ter petróleo eventualmente), levando a preços à vista negativos.”
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No noticiário financeiro – um meio que não é conhecido por cultivar vozes excêntricas ou literárias – não há ninguém como Levine, um ex-banqueiro do Goldman Sachs cujo estilo inexpressivo mistura elucidação técnica e sagacidade.
Todos os dias da semana, Levine, 42 anos, acorda às 5 da manhã. Ele analisa o que está acontecendo nos mercados, lê e-mails de leitores e se conecta à conversa dos traders que começam a trabalhar cedo. Então, ele começa a escrever.
Cerca de 5 mil palavras depois em um dia prolixo, ele envia o Money Stuff para seu editor, e o boletim é encaminhado aos assinantes por volta do meio-dia. (Sua coluna está atualmente em um hiato por causa de sua licença-paternidade e retornará neste inverno.)
Levine nem sempre foi um queridinho da mídia de negócios e do Twitter financeiro. (A melhor medida da devoção de seu público pode não ser seus 112 mil seguidores no Twitter, mas, sim, os 3 mil que seguem @MattLevineBot, uma conta criada por um fã que se descreve como um bot que imita seu estilo de escrita.)
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Ele começou sua carreira após a faculdade como professor de Latim, então trabalhou como advogado na Wachtell, Lipton, Rosen & Katz antes de seguir para o Goldman. Apesar de ter ganhado mais dinheiro em firmas de advocacia e empresas de Wall Street do que como escritor, Levine diz que está mais feliz agora. Ele está fazendo exatamente o que há muito queria fazer. Esta é a história de sua ascensão. Tudo começa com uma lista organizada por frequência de pensamentos.
Processos etruscos para tomar decisões na madrugada
Levine nasceu em 1978 e cresceu nos subúrbios de Long Island. Quando estava no colégio, ele leu um livro do romancista e ensaísta Nicholson Baker chamado The Mezzanine (O Mezanino, em tradução livre), sobre um homem que sai de um prédio de escritórios chique no centro de Manhattan durante sua hora de almoço para comprar cadarços novos.
Para Levine, uma parte de “The Mezzanine” se destacou em particular – uma lista de duas páginas e duas colunas de coisas sobre as quais o personagem principal pensou a respeito, organizada por frequência.
No alto estão “escovar a língua”, um pensamento que ocorria 150,0 vezes por ano, e “tampões de ouvido”, 100,0 vezes por ano. Muito mais abaixo estão “calçadas”, seguidas por “amigos que não são dignos de mim” e bem no fim, com um fator de ocorrência anual de 0,5, “pássaros regurgitam comida e alimentam os filhotes com ela” e “Kant, Immanuel”.
Levine diz que o livro pode ter mudado sua vida. “Eu não sabia que os romances podiam ser assim e também que as notas de rodapé podiam ser engraçadas”, disse ele.
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Na faculdade, em Harvard, Levine começou a escrever e-mails para seus amigos que eram repletos por notas de rodapé. Um colega de classe, o jornalista Elie Mystal, tinha muito a dizer em relação a Levine como estudante de graduação – que ele era o melhor aluno e fez o discurso na formatura; que ele se divertiu também; que certa vez ele sugeriu a aplicação de processos etruscos para tomar uma decisão em relação ao que fazer durante uma saída na madrugada – mas ele colocou uma ênfase especial nas notas de rodapé.
Depois de se formar em Harvard em 2000 com especialização na área de Letras Clássicas, Levine ensinou latim em uma escola de ensino médio em um subúrbio de Boston. Então, ele foi estudar direito em Yale. Uma vida circunscrita de prosperidade e horas de trabalho parecia ser seu destino. Ele trabalhou para um juiz federal de apelações e como advogado de fusões e aquisições na Wachtell, Lipton, Rosen & Katz.
Em 2007, ingressou no Goldman Sachs, aplicando seus conhecimentos em direito societário ao mercado financeiro. Ele estruturou contratos de derivativos que permitem que empresas e outros clientes do Goldman comprem e vendam ações usando uma variedade de métodos que visam ajudá-los a reduzir seus impostos ou obter um preço melhor. Havia outro funcionário do banco que também se chamava Matt Levine, um advogado que às vezes trabalhava nas mesmas negociações.
“Uma vez liguei para um cliente com ele ao lado”, disse Levine. “Foi terrível. ‘Este é Matt Levine do Goldman e também Matt Levine do Goldman’”.
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Por mais fascinante que fosse ajudar pessoas e empresas ricas a ganhar ainda mais dinheiro, Levine não estava feliz. “Eu achava que tanto o trabalho era ruim como eu era ruim no que fazia”, disse ele. Sempre que se sentia particularmente frustrado, fantasiava a respeito de desistir do cargo e se tornar um escritor.
Alguns dos amigos de Levine eram escritores, incluindo David Lat, um colega da Faculdade de Direito de Yale que fundou o influente blog jurídico Underneath Their Robes, com fofocas sobre figuras do judiciário federal e o ligeiramente mais profissional Above the Law. Em 2011, Levine decidiu deixar o Goldman. O blog-irmão do Above the Law – Dealbreaker, com foco nas fofocas de Wall Street – estava contratando. Levine conseguiu o emprego e passou a ganhar algo em torno de US$ 50.000.
A ideia de deixar Wall Street por um blog precariamente capitalizado provavelmente pareceria romântica, pitoresca e até idiota para muitos financistas. Mas Levine nunca foi um grande apostador. Ele nunca se juntou a um clube social de elite ou gastou seis dígitos em um aluguel de verão nos Hamptons. E então, aos 33 anos, Levine sentou-se para escrever.
Ver nota de rodapé
Levine levou exatamente uma semana para encontrar sua voz.
O principal escritor do Dealbreaker, Bess Levin, havia se tornado uma leitura essencial do setor, com um estilo cáustico que perfurou os egos mais inflados de Wall Street, apontando suas contradições e fraquezas. Levine tentou escrever assim, com piadas sarcásticas, mas fracassou. Parte do problema era que ele não conseguia sentir desprezo pelos titãs de Wall Street. Ele era dali e achava seu funcionamento genuinamente interessante.
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“Eu o incentivei a usar sua própria voz”, disse Levin. “Eu estava escrevendo mais sobre o lado fofoqueiro de Wall Street e mais a respeito de sua cultura, e achei que era uma grande oportunidade para ele usar seu incrível conhecimento de como o negócio funciona.” Levine se reorganizou. Se Levin encontrou um público destruindo as personalidades de Wall Street, Levine começou a trabalhar separando suas estruturas para explicar melhor a fiação nas paredes.
Ele começou examinando as complexas batalhas jurídicas decorrentes da crise financeira de 2008 sobre quem merecia ser pago e quem não merecia pagar, testando os pontos fortes e fracos das reivindicações dos combatentes.
Usou as disputas para explicar como certos segmentos do sistema financeiro realmente operavam. Ele temperou suas análises com humor e um tom nerd e confiante. Era como uma combinação de tudo o que Levine tinha feito antes: enviar e-mails para amigos, dar aulas, trabalhar como funcionário do judiciário e resolver problemas em nome de pessoas ricas.
Em pouco tempo, Levine estava encantando os leitores que se consideravam especialistas nos assuntos de que tratava, seja por destilar uma verdade jurídica sutil ou simplesmente explicando o significado (ou absurdo) de algo que havia sido mencionado, mas esquecido.
“Matt é o complemento perfeito para Bess”, escreveu Felix Salmon, outro blogueiro financeiro, em outubro de 2011. “Só espero que ele não seja caçado por alguma organização de notícias de grande porte que acabe sufocando exatamente o que ele faz melhor. ”
E então houve uma sensação de inevitabilidade no dia de 2013 em que David Shipley, editor da editoria de opinião da Bloomberg, bancada por bilionários, levou Levine para almoçar e lhe ofereceu um emprego. “Foi como um longo silêncio típico de Matt e, em seguida, uma espécie de suspiro e, então, ‘OK’”, lembrou Shipley.
‘As pessoas querem uma mecha do cabelo dele’
A Bloomberg ofereceu estabilidade a Levine e uma plataforma maior. Seu número de leitores cresceu e se tornou mais obsessivo. Certa vez, um grupo de fãs fez para si camisetas com o texto de um de seus tweets a respeito de criptomoedas.
Alguns dos leitores de Levine escrevem para ele e tentam imitar seu estilo, como se ele fosse J.D. Salinger e eles não conseguissem entender como “O Apanhador no Campo de Centeio” falava diretamente com eles. Pedi a Levine alguns exemplos, querendo ver exatamente como isso era, mas ele se recusou porque considera essas pessoas como fontes.
“Ele recebe essas cartas de pessoas, como,‘ Meu namorado te ama; posso conseguir um cartão autografado para presenteá-lo em seu aniversário? ’”, disse sua amiga, a jornalista Mary Childs. “Eu brinco que as pessoas querem uma mecha do cabelo dele.”
Levine, é claro, não é um escritor convencional. Ele não escreve com aspirações de se tornar um deles; nunca manteve um diário e nunca tentou escrever um conto ou um romance. Ele disse que acha que poderia não existir como escritor se não tivesse seu público, se não pudesse se sentar nas manhãs dos dias de semana e escrever suas exegeses de Wall Street diretamente para eles.
Quando perguntei o que ele faria se a internet acabasse amanhã, ele respondeu rapidamente.
“Uma tributação – eu seria um advogado de fusões e aquisições”, disse ele.
TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA