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- "A recuperação não tem forma de V nem de W: ela parece a lâmina de um serrote”, diz Joerg Wuttke, presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China. “Sobe e desce, sobe e desce"
- Uma retomada completa, para níveis anteriores à pandemia, só será possível quando o vírus for controlado
(Enda Curran/Bloomberg) – A economia mundial adentra a segunda metade de 2020 profundamente abatida pela pandemia. A hipótese de uma recuperação completa ainda este ano já está totalmente descartada – e, para que isso ocorra em 2021, muita coisa precisa dar certo.
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Em janeiro, ninguém teria sido capaz de prever este cenário. A maioria dos economistas apostava em mais um ano de expansão, e o acordo comercial entre Estados Unidos e China injetou uma dose de otimismo que deixou empresas e investidores confiantes.
Mas, em vez disso, a tempestade causada pelo coronavírus colocou uma fatia considerável da população planetária numa situação que o Fundo Monetário Internacional chamou de “A Grande Quarentena”. A reação de bancos centrais e governos foi bombear trilhões de dólares, numa ajuda sem precedentes para evitar o colapso do mercado, garantir a manutenção de pelo menos parte dos empregos e manter o setor privado à tona até que o turbilhão passe.
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A despeito de todo esse socorro, o mundo atravessa a pior crise econômica desde o crash da bolsa de Nova York em 1929. Embora alguns termômetros de produção e varejo estejam voltando a se aquecer em certos países, a esperança de que a linha de queda e retomada tivesse formato de V desceu ralo abaixo diante dos resultados frágeis – na melhor das hipóteses – da reabertura do comércio e da perspectiva de que a perda temporária de postos de trabalho se torne permanente.
Thomas Barkin, presidente do escritório regional do Federal Reserve (ou Fed, o banco central americano) em Richmond, comparou o cenário presente à seguinte situação: para descer, fomos de elevador; para subir, teremos de encarar as escadas.
“Há uma diferença entre ricochetear e recuperar”, afirmou Carmen Reinhart, economista-chefe do Banco Mundial, durante a conferência Bloomberg Invest Global realizada no final de junho. “Para falar em recuperação é preciso estar no mínimo tão bem quanto antes da crise – e estamos longe disso”.
Muita coisa depende da disseminação do coronavírus e da descoberta de uma vacina que, por ora, permanece fora de alcance. A Organização Mundial da Saúde já avisou que o pior ainda está por vir: o número de casos superou a marca dos 10 milhões e as mortes pela doença ultrapassaram 500 mil. Mesmo em países onde a covid-19 parece ter sido freada, os surtos ocasionais ainda assustam.
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Estimativas do FMI dão conta de que até o fim deste ano 170 países – ou 90% do planeta – terão uma renda per capta menor do que tinham antes. A previsão representa uma meia-volta violenta em relação à avaliação divulgada pelo fundo em janeiro, segundo a qual 160 países encerrariam 2020 com crescimento tanto da economia quanto da renda per capta.
Um grupo de economistas da HSBC Holdings, comandado por Janet Henry, acredita que o PIB global provavelmente será mais baixo no fim de 2021 do que era em dezembro de 2019. Já a Bloomberg Economics escreveu: “Goodbye Victory V, Hello Worry W” – um jogo com as palavras “vitória” e “preocupação” e o desenho das iniciais V e W, que podem representar as diferentes curvas percorridas pela economia global nos próximos meses.
Em todo o mundo, bancos centrais seguem em estado de alerta para a necessidade de tomar novas medidas de auxílio. Jerome Powell, presidente do Fed, classificou as perspectivas futuras como “extremamente incertas”, enquanto Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, citou uma recuperação “limitada” que vai mudar algumas partes da economia para sempre.
Mesmo assim, alguns bolsões de retomada podem ganhar impulso. Economistas do Morgan Stanley mantiveram a previsão de uma melhora em formato de V, destacando as recentes surpresas positivas em dados econômicos, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa.
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No momento, os mercados globais se dividem entre investidores que contam com uma recuperação em V e os que preveem uma série de altos e baixos. O índice de ações globais da MSCI subiu quase 40%, depois de chegar ao fundo do poço em março – mas mesmo assim registra baixa de 6% no acumulado do ano. Muitos investidores apostam suas fichas nas medidas de estímulo que podem amortecer o impacto econômico da covid-19. Mas o retorno dos títulos do tesouro americano com prazo de 10 anos caiu mais de 100 pontos-base em 2020, atingindo cerca de 0,67%.
Nesse cenário, olha-se para a Ásia em busca de lições sobre o caminho para a recuperação. Naquela região, o vírus foi controlado, mas os resultados da retomada foram diversos.
A Coreia do Sul, por exemplo, que há meses conseguiu achatar a curva de infectados, vem sofrendo com surtos localizados que deixam o consumidor temeroso.
A atividade produtiva da China subiu em junho, bem como outros indícios de saúde da produção nos países vizinhos – mas o volume de novos pedidos continua fraco.
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Nesse clima de preocupação, as empresas se veem obrigadas a navegar no escuro, conforme explica Joerg Wuttke, presidente da Câmara de Comércio da União Europeia na China. A entidade calcula que a insegurança vai se prolongar por cerca de dois anos. “A recuperação não tem forma de V nem de W: ela parece a lâmina de um serrote”, diz ele. “Sobe e desce, sobe e desce… De um jeito muito doloroso”.
Isso significa também que as economias emergentes de rápido crescimento deixaram de ser o combustível de expansão que eram antes da crise. O Banco Mundial prevê que esse grupo de países vai encolher 2,5% – o pior desempenho desde que os dados começaram a ser compilados, em 1960. No momento, a América Latina registra altos índices de contaminação.
Uma retomada completa, para níveis anteriores à pandemia, só será possível quando o vírus for controlado – e isso vale particularmente para setores como turismo, transporte e entretenimento, que deverão enfrentar restrições prolongadas.
A rasteira no mercado de trabalho foi pior do que se imaginava, e a taxa de emprego não vai se reerguer até o fim do ano nem no cenário mais otimista, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho. No início de julho a OIT divulgou uma estimativa segundo a qual as horas trabalhadas no segundo trimestre foram 14% menores do que antes da pandemia, o que equivale a uma perda de 400 milhões de postos em tempo integral.
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Ainda que as empresas americanas tenham somado 4,8 milhões de novos funcionários à folha de pagamento em junho, apenas 3 a cada 10 empregos perdidos foram recuperados. Além disso, o número de pedidos de auxílio-desemprego continuam elevados. Também em junho, mais de 2,8 milhões de americanos foram demitidos.
“No curto prazo, parece provável que haja uma subida mecânica da atividade econômica, causada pelo relaxamento da quarentena”, afirma Joachim Fels, consultor econômico global da Pacific Investment
Management. “Apesar disso, a subida subsequente a esse primeiro momento será longa e árdua”.
A equação envolve ainda outros desafios. Os níveis recorde de dívida vão limitar a capacidade dos governos de oferecer mais socorro além dos US$ 11 trilhões de incentivos fiscais que já estão em vigor.
No momento, autoridades quebram a cabeça para descobrir como prolongar ou encerrar as custosas medidas de curto prazo (projetadas para financiar o pagamento de salários e manter as empresas respirando), e ao mesmo tempo se preparar para o estímulo de longo prazo capaz de levar a uma retomada sólida.
Todo esse crédito trará efeitos colaterais – como prolongar a vida de empresas que já viraram zumbis, nas palavras de Alicia Garcia Herrero, economista-chefe da Natixis AS para a região Ásia-Pacífico.
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“Se as dívidas não forem organizadas, a volta ao nível pré-crise será ainda mais lenta”, alerta ela. Enquanto isso, bancos centrais reduziram as taxas de juros a níveis inéditos – alguns chegaram a descer abaixo de zero. Numa tentativa de limitar as taxas do mercado, vários tipos de ativos foram comprados, e os responsáveis pelas políticas públicas continuam remexendo em suas caixas de ferramentas atrás de novos truques.
O Morgan Stanley prevê um aumento acumulado de US$ 13 trilhões nos balanços dos bancos centrais dos Estados Unidos, Europa, Japão e Reino Unido até o fim de 2021.
Mesmo diante de tantas iniciativas, ainda não se sabe se elas serão suficientes, conforme alerta o economista Kazuo Momma, que já foi responsável pela política monetária do Banco Central do Japão. “A crise está longe de acabar”, ele encerra.
(Tradução: Beatriz Velloso)
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