Comportamento

E se a quarentena do coronavírus acabasse hoje?

Especialistas falam sobre suposta dicotomia entre preservar economia e salvar vidas

Foto: Pixabay
  • Estados do Mato Grosso, Rondônia e Santa Catarina reabriram seus comércios
  • Para especialistas, não fazer isolamento horizontal pode prolongar dano à economia
  • Na Itália, após um mês da campanha “Milão não pode parar”, o nº de óbitos disparou

Desaceleração econômica, previsões de PIB negativo, comércios fechados, empresas quebradas, demissões em massa. Sem dúvidas, os efeitos da quarentena provocada pela pandemia de coronavírus já impactam fortemente a economia do País. 

Para quem é trabalhador informal, cerca de 41,1% da força de trabalho brasileira segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), a ideia de ficar em casa por tempo indeterminado pode soar ainda mais desoladora.

Nesse cenário difícil, há quem defenda que o preço pago para conter o vírus é alto demais. Alguns estados como Mato Grosso, Rondônia e Santa Catarina chegaram a reabrir comércios na última quinta-feira (26). Em Belo Horizonte, empresários fizeram carreatas contra o isolamento horizontal, modelo em que toda a população é orientada a ficar em casa, com exceção de quem trabalha em serviços essenciais.

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O E-Investidor, então, ouviu especialistas para responder a pergunta: afinal, se a quarentena generalizada acabasse, seria melhor para a economia e, por consequência, para o brasileiro? 

Quarentena é inevitável

Para os especialistas, o fim da quarentena de maneira optativa, sem desaceleração do contágio, é uma ilusão.“Se o isolamento horizontal não ocorrer por determinação das pessoas, irá por determinação do vírus”. Essa é a opinião do Dr. Gastão Wagner de Sousa Campos, professor especialista em saúde pública da Universidade Estadual de Campinas.

A razão é simples: a não realização do isolamento aumentaria expressivamente o número de pessoas contagiadas. “Pelo que vimos em outros países, cerca de 10% dos infectados precisam de internação, sejam eles jovens ou idosos”, explicou Campos.

Dessa forma, em pouco tempo, muitas empresas veriam seus funcionários adoecerem, o sistema de saúde entraria em colapso e as pessoas inevitavelmente teriam que se isolar em casa – mas em um cenário muito pior que o de hoje. 

“Essa foi a experiência da Itália. Nas províncias em que não ocorreu quarentena na escalada dos casos, o número de infectados explodiu, e o isolamento social teve que ser aplicado posteriormente”, disse o especialista. Foi o que ocorreu com Milão, que após um mês da campanha “Milão não pode parar”, já registra 4,4 mil óbitos.

Esse também é o ponto de vista do economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Renan Pieri. “O impacto econômico seria bastante negativo e as pessoas acabariam ficando em casa de qualquer forma, seja por estarem internadas, mortas ou por fazerem parte do grupo de risco”, disse.

E o isolamento vertical? 

O isolamento vertical refere-se a afastar não só os grupos de risco, mas as pessoas que tem o coronavírus. Diferente do que muitos pensam, a medida não é o oposto do isolamento horizontal: as duas ações devem ser tomadas de maneira combinada para conter o vírus em diferentes estágios do contágio.

“O isolamento vertical deve ser feito em todo o processo, por meio de testes massivos na população”, explicou Campos. Entretanto, quando há transmissão doméstica com aumento do contágio e das mortes, a quarentena generalizada deve ser aplicada junto com o isolamento vertical. “As testagens não podem parar”, disse.

Para Pieri, também é necessário ressaltar que a quantidade de pessoas no grupo de risco não é pequena. De acordo com o Ministério da Saúde, só entre os diabéticos, o Brasil tem 12,5 milhões de pessoas.

“É complicado pensar em como seria feito um isolamento vertical, com tanta gente no grupo de risco. Do mesmo modo, teria uma desaceleração da atividade econômica”‘, afirmou o economista.

Medidas de distribuição de renda

Na última quinta-feira (26), a Câmara dos Deputados aprovou um auxílio de R$ 600,00 para trabalhadores informais – ou de R$ 1.200,00 no caso de famílias chefiadas por mulheres. 

A medida, que deve passar pelo Senado nesta semana, é uma tentativa de mitigar o impacto econômico da crise do coronavírus no bolso dos brasileiros que trabalham por conta própria. 

De acordo com Pieri, a maior preocupação em relação à proposta é que o governo não deixa claro a origem desses recursos. Mas o economista diz que no momento não há outra alternativa. “Hoje não temos estrutura burocrática para fazer esse dinheiro chegar nas mãos das pessoas, ainda existem muitas dúvidas nesse processo, mas não tomar uma atitude é impensável”, explicou.

“Burlar” isolamento só prolonga dano à economia

Segundo os especialistas ouvindo pelo E-Investidor, não seguir as recomendações da OMS só resultará em atraso no combate ao vírus e, com isso, no prolongamento da crise. “Se a epidemia foge do controle, o País para. Vão ter hospitais funcionando com 30% dos médicos e enfermeiros, porque até eles poderão se contaminar. É uma loucura”, concluiu Campos. 

“Não há cenário de volta à normalidade pré-coronavírus. Se retornamos hoje, vamos parar daqui a uma semana por conta do aumento das mortes”, resume Pieri.