- Com a nova regra revolucionária prestes a ser lançada pela SEC, centenas de empresas passariam a ser obrigadas a medir e divulgar as emissões de gases de efeito estufa de um modo padronizado pela primeira vez
- A medida pode indicar a revisão mais ampla das regras de divulgação de informações de empresas em mais de uma década e deixar os EUA mais próximos de outros países que devem começar a exigir relatórios das emissões nos próximos três anos
- As mudanças climáticas já estão ameaçando a infraestrutura no Ártico, onde o aquecimento está aumentando rapidamente e o derretimento do permafrost coloca em risco os principais oleodutos e estradas
Douglas MacMillan e Maxine Joselow, WP Bloomberg – A Comissão de Valores Imobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês) planeja exigir que todas as empresas de capital aberto divulguem suas emissões de gases de efeito estufa e os riscos climáticos que suas atividades enfrentam, parte do esforço maior do governo de Joe Biden para forçar o setor privado a lidar com os perigos do aquecimento global.
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Com a nova regra revolucionária prestes a ser lançada pela SEC, centenas de empresas passariam a ser obrigadas a medir e divulgar as emissões de gases de efeito estufa de um modo padronizado pela primeira vez, de acordo com duas pessoas a par das discussões da agência que falaram sob a condição de anonimato por detalharem deliberações internas.
A medida pode indicar a revisão mais ampla das regras de divulgação de informações de empresas em mais de uma década e deixar os EUA mais próximos de outros países que devem começar a exigir relatórios das emissões nos próximos três anos.
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A nova regra poderia transformar a SEC em um dos principais fiscais das divulgações de informações relacionadas ao clima do país, uma função para a qual o órgão regulador de Wall Street carece de expertise e autoridade, segundo alguns críticos.
Acionistas de empresas de capital aberto estão cada vez mais solicitando informações a respeito dos riscos que as mudanças climáticas podem representar para seus investimentos, argumentando que desastres climáticos crescentes e regulamentações ambientais podem limitar o crescimento das atividades que não se preparam para eles.
As mudanças climáticas já estão ameaçando a infraestrutura no Ártico, onde o aquecimento está aumentando rapidamente e o derretimento do permafrost coloca em risco os principais oleodutos e estradas. O aumento das temperaturas globais também fez crescer a frequência de incêndios, inundações, furacões e outros desastres climáticos, que custaram mais de US$ 145 bilhões em 2021, de acordo com a Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (NOAA, na sigla em inglês).
Ao mesmo tempo, ambientalistas dizem que a mudança para uma economia de baixo carbono apresenta “riscos de transição” para empresas dependentes de combustíveis fósseis. Conforme os governos em todo o mundo adotam políticas que visam reduzir as emissões de carbono e aumentar o uso das energias renováveis, as empresas com grandes investimentos em combustíveis fósseis poderiam acabar com ativos encalhados.
“Essas regras de divulgação são fundamentais para garantir que Wall Street não possa continuar impune ao fazer investimentos que agravam a crise climática”, disse a senadora democrata Elizabeth Warren em um comunicado por e-mail. “O povo americano e os investidores têm o direito de saber os riscos desses investimentos, e demorou demais para a SEC tomar uma atitude.”
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Embora muitas empresas já compartilhem algumas informações voluntariamente sobre seu impacto ambiental, às vezes há grandes discrepâncias em como elas calculam as emissões de carbono, disse Danielle Fugere, presidente e chefe do conselho de acionistas da As You Sow, organização sem fins lucrativos que promove a responsabilidade social corporativa.
Por exemplo, a Coca-Cola conta as emissões totais geradas por suas fábricas, fornecedores e clientes na fabricação e no consumo de seus produtos. A Tesla, que se gaba por seus veículos elétricos com emissão zero de carbono, compartilha apenas as emissões geradas na fabricação de uma única linha de carros, o Model 3, explicando em seu relatório de impacto mais recente que este é “um bom indicador para entender o impacto das emissões de nossas atividades.”
Um porta-voz da Coca-Cola não quis se pronunciar e a Tesla não respondeu às solicitações de posicionamento.
Sob o comando do presidente da SEC, Gary Gensler, a comissão debateu se deve exigir que as empresas sigam o exemplo da Coca-Cola na divulgação dos dados de todas as emissões produzidas por seus fornecedores e clientes, segundo as pessoas a par das discussões.
Mas como esse conjunto maior de dados pode ser muito mais difícil de calcular, os integrantes da comissão consideraram a implementação gradual dessa exigência no futuro e talvez limitá-la apenas às empresas maiores, disse uma das pessoas. Gensler reconheceu essa possibilidade quando testemunhou perante o Comitê de Serviços Financeiros da Câmara dos EUA em outubro.
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Grupos de empresas se opuseram ao governo federal exigir qualquer divulgação de informações sobre impacto ambiental. A Câmara de Comércio dos EUA, o maior grupo de lobby empresarial do país, argumentou que, como os dados ambientais são “inerentemente incertos”, as empresas não devem ser obrigadas a incluí-los em seus relatórios anuais para investidores – pelos quais podem ser legalmente responsabilizadas.
“Se essa informação for para os arquivos da SEC, é aí que as empresas podem ser processadas”, disse Tom Quaadman, vice-presidente executivo do Centro de Competitividade do Mercado de Capitais da Câmara.
Enquanto isso, alguns republicanos tentaram convencer o governo Biden a interromper seu trabalho sobre as regulamentações financeiras relacionadas ao clima em meio à crise energética provocada pela invasão da Ucrânia pela Rússia. Em uma carta recente à secretária do Tesouro Janet Yellen, os republicanos do Comitê Bancário do Senado americano escreveram que a SEC e outros reguladores financeiros federais deveriam adiar a promulgação de regras que “talvez desestimulem a futura produção de energia”.
Estipular e fazer cumprir regras a respeito das divulgações de informações referentes às mudanças climáticas poderia apresentar desafios para a SEC, que tem pouca experiência em questões ambientais, disse Keith Higgins, ex-diretor do departamento da agência que fiscaliza as divulgações das empresas.
“Quando se entra em muitos pormenores em relação às emissões de gases de efeito estufa e quais tipos de divulgações são relevantes para os investidores, não estou convencido de que a SEC seja o lugar onde se encontre essa expertise”, disse Higgins, que atuou como chefe do departamento de finanças corporativas do regulador de 2013 a 2017.
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A regra proposta pela SEC passará por um período de consulta pública antes que uma regra final seja votada pelos quatro comissários da agência – três democratas e um republicano. A regulamentação provavelmente enfrentará desafios legais baseados em se a comissão tem autoridade para lidar com questões climáticas, disse Kathleen Sgamma, chefe do grupo de empresas do setor de petróleo e gás Western Energy Alliance.
Há um ano, o procurador-geral da Virgínia Ocidental, Patrick Morrisey, ameaçou processar a agência se ela obrigasse as empresas a divulgar dados sobre impactos ambientais, argumentando em uma carta à SEC que sua proposta não sobreviveria a aplicação do “teste do escrutínio estrito”, segundo o qual as leis e as regulamentações devem atender a um “interesse governamental convincente” para serem constitucionais.
Em uma declaração por e-mail, Morrisey disse que seu escritório continua “muito preocupado com essa questão e revisaremos a proposta da SEC atentamente enquanto consideramos os possíveis próximos passos”.
Um porta-voz da SEC se recusou a se pronunciar para esta matéria.
O governo Biden tem insistido cada vez mais que o setor privado lute contra os riscos do aumento das temperaturas. O governo divulgou um relatório em 2021 alertando que as mudanças climáticas representam uma ameaça crescente à estabilidade do sistema financeiro americano e encorajando os reguladores bancários a tomarem medidas para mitigar essa ameaça.
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O presidente Joe Biden também nomeou Sarah Bloom Raskin, forte defensora da estratégia para englobar os riscos relacionados ao clima, para ser vice-presidente de supervisão bancária do Federal Reserve (Fed). Mas sua indicação parece não ter chances depois de o senador democrata Joe Manchin dizer que se opunha a ela por causa de sua posição a respeito da política energética em meio à inflação crescente.
A SEC começou a tentar fazer algo em relação à política climática em 2010, quando publicou formalmente uma orientação de que as empresas deveriam compartilhar informações a respeito das mudanças climáticas quando isso representasse um risco “material” para suas atividades. Os acionistas de empresas de capital aberto reclamaram que as instituições interpretaram essa orientação de maneiras muito diferentes, com algumas publicando longos relatórios de sustentabilidade descrevendo seus impactos ambientais e outras ignorando completamente o assunto.
Quando Gensler tomou posse como presidente da SEC no ano passado, ele sinalizou o desejo de que a agência proporcionasse mais “consistência e comparabilidade” às divulgações das informações das empresas sobre o impacto ambiental. Durante um período de consulta pública solicitado para discutir uma possível regra a respeito do tema, segundo Gensler, a agência recebeu mais de 500 comentários, dos quais três quartos eram a favor de algum tipo de divulgação obrigatória a respeito dos impactos ambientais.
Entre as grandes empresas, tanto a Delta como o Walmart manifestaram apoio às divulgações de impacto ambiental obrigatórias, com a companhia aérea dizendo que já gastou “milhares de horas” coletando dados sobre critérios “ambientais, sociais e de governança” para seu relatório anual aos acionistas.
“Não é como se as organizações progressistas estivessem contra o mundo inteiro. Há empresas que entendem que isso é algo que vai se tornar realidade”, disse Tracey Lewis, consultora de políticas do programa climático do Public Citizen, grupo de defesa dos direitos do consumidor nos EUA.
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Randy Hargrove, porta-voz do Walmart, disse que o varejista “apoia as divulgações mais robustas de dados ESG”, entretanto, a empresa está esperando para ver o texto da regra proposta antes de se posicionar formalmente em relação a ela. A Delta se recusou a fazer qualquer comentário.
A regra da SEC provavelmente seguirá muitos dos padrões já estabelecidos pela Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD, na sigla em inglês), de acordo com uma das pessoas a par das discussões da SEC. A TCFD foi criada em 2015 para defender uma maior divulgação dos riscos relacionados às mudanças climáticas para investidores e seguradoras e é presidida pelo ex-prefeito de Nova York Mike Bloomberg.
Os EUA estão seguindo os passos de outros países que já propuseram exigências de divulgação de informações sobre impacto ambiental em conformidade com os padrões da TCFD. A Grã-Bretanha e o Japão planejam exigir que algumas grandes empresas divulguem suas emissões a partir de abril, enquanto a União Europeia deve obrigar todas as grandes empresas listadas nas bolsas de valores europeias a informar suas emissões a partir de 2024.
Algumas associações de empresas americanas pressionaram para que a regra da SEC deixe de fora as emissões de “escopo 3”, aquelas geradas por fornecedores e clientes, como o abastecimento de carros com gasolina pelos motoristas. No entanto, ativistas do clima argumentam que a regra perderá força se omitir as emissões de escopo 3, que representam cerca de 85% da pegada de carbono da ExxonMobil, de acordo com o Carbon Tracker Initiative, grupo ambiental que assessora investidores institucionais.
“Se a SEC tomar a infeliz decisão de não incluir as emissões de escopo 3, eles estariam perdendo uma grande oportunidade de realmente oferecer aos investidores as informações que eles querem e precisam”, disse Lena Moffitt, diretora de campanhas da Evergreen Action, grupo de defesa que foca no combate à crise climática.
Grandes instituições financeiras como a BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, pediram que a SEC implementasse gradualmente as exigências para informar as emissões de escopo 3 que financiam. O esforço ocorre depois de o CEO da BlackRock, Larry Fink, ter avisado em janeiro que as empresas não são a “polícia do clima”.
A BlackRock se recusou a fazer comentários para esta matéria. // TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA