- O turismo foi um dos setores mais afetados pela crise econômica causada pelo novo coronavírus
- Os aplicativos de aluguéis não estão imunes ao cenário, em especial o mais conhecido deles, o Airbnb
- O futuro pós-ápice da pandemia é nebuloso, mas o turismo doméstico pode ser uma tendência
(Murilo Basso, Especial para o E-Investidor) – O turismo foi, sem dúvida, um dos setores mais afetados pela crise econômica causada pelo novo coronavírus.
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No cenário nacional, levantamento da Associação Brasileira de Operadoras de Turismo (Braztoa) e o Laboratório de Estudos em Sustentabilidade e Turismo da Universidade de Brasília (UNB) divulgado no fim de maio estima que a perda das empresas do setor foi de, aproximadamente, R$ 1 bilhão somente em abril de 2020.
Os aplicativos de aluguéis não estão imunes ao cenário, em especial o mais conhecido deles, o Airbnb. Em maio, o CEO e cofundador da empresa, Brian Chesky, disparou uma carta anunciando o corte de 25% do quadro funcional do Airbnb, cerca de 1,9 mil colaboradores. Na publicação, Chesky também afirmou não saber, exatamente, quando as pessoas vão voltar a viajar, mas sabe que as viagens do futuro certamente serão diferentes.
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Ele aposta que os turistas irão preferir viajar a locais mais próximos de suas cidades e mais acessíveis financeiramente. O economista Sillas de Souza Cezar, professor da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), afirma que o turismo passa por uma mudança estrutural muito grande e que a crise do Covid-19 deve promover uma retração no setor em níveis inéditos. Para o
especialista, sairá fortalecido o turismo local e também lugares que não são tão procurados massivamente e/ou com entrada controlada.
“É esperada uma maior procura de turistas por locais que não são tão badalados e o turismo local deve florescer, tanto no Brasil como no mundo. Lugares com entrada mais controlada, como Fernando de Noronha (PE), devem bombar. O turismo local deve crescer muito, talvez compensando uma parte da rede de turismo que temos hoje. Para destinos considerados bombados, pelo menos a princípio, como Paris (França) e Nova York (EUA), o número de turistas deve cair”, opina.
Guilherme Stein, professor da Escola de Gestão e Negócios da Unisinos (Universidade do Vale do Rio do Sinos) tem visão parecida. Ele diz que mesmo quando a primeira onda do vírus chegar ao fim, o que deve ocorrer nos próximos meses, os hábitos de precaução desenvolvidos durante o isolamento social devem fazer com que o retorno à demanda por serviços de turismo seja mais lenta do que o setor gostaria. “As experiências de vida das pessoas impactam em seu comportamento futuro.
Existem estudos econômicos que mostram que pessoas que passam por experiências traumáticas adquirem maior aversão ao risco e, portanto, estão menos sujeitas a realizar ações relativamente arriscadas. Nesse sentido, é possível que esse acontecimento [a pandemia] mude o comportamento das pessoas no sentido de evitar regiões ou lugares que, por algum motivo, elas associem a algum risco excessivo. O turismo mais próximo ‘de casa’, portanto, pode ser uma tendência”, aponta.
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De qualquer forma, o futuro pós-ápice da pandemia é nebuloso, vez que não se sabe ainda qual será a solução a longo prazo para lidar com o coronavírus. Por enquanto, não há vacina, tampouco tratamento comprovadamente eficaz em larga escala. Caso a vacina e medicamentos de fácil acesso surjam, as mudanças de hábito devem ser apenas transitórias. Caso contrário, não é exagero afirmar que o setor de turismo dificilmente voltará a ser o mesmo de antes, pelo menos nos anos a seguir. Isso porque o medo, a falta de confiança e a aversão ao risco são grandes desestimulantes ao consumo.
Turismo de negócios
Outro setor que foi afetado pela crise é o de turismo de negócios. A Associação Brasileira de Agências de Viagens Corporativas (Abracorp) divulgou, nesta segunda-feira (1°), em pesquisa referente a abril, que o segmento terminou o mês com queda de 91,99% em vendas em comparação ao mesmo período de 2019. O próprio CEO do Airbnb afirmou recentemente que “nós costumávamos viajar muito a trabalho e buscar entretenimento em telas; isso vai se inverter”.
Os especialistas ouvidos pela reportagem, entretanto, acreditam que se trata de tendência passageira. Especificamente quanto ao aplicativo, Gabriela Otto, professora de Gestão e Estratégias do Turismo de Luxo na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), ressalta que somente 10% das reservas realizadas via Airbnb, se muito, referem-se a viagens corporativas.
Segundo ela, trata-se de segmento no qual a empresa ainda estava engatinhando. A maioria massiva dos aluguéis do Aibnb ainda é de viagens a lazer. Tendo isso em mente, ela afirma que a suspensão de viagens de negócios deve ser passageira, apenas. Isso porque, ainda que as ferramentas digitais de reunião tenham crescido, o contato humano ainda é insubstituível em muitos casos.
“O digital é muito bom para comunicar, mas não fortalece relações. Quando você pesquisa sobre o crescimento absurdo de plataformas de videochamadas, observa que ele está relacionado a perfis não pagos, e isso tende a estabilizar e, em breve, voltar ao que era antes. As pessoas descobriram essas ferramentas, mas não significa, necessariamente, que as tratativas de negócios vão ficar só nisso. Muitas coisas devem retomar. As viagens corporativas não vão acabar, assim como eventos, feiras, etc. Estamos vivendo um período de transição. Nesse primeiro momento, é claro que se houver outras opções que evitem exposição em aeroportos, por exemplo, as empresas vão evitar. É uma questão de compliance, porque elas são responsáveis pela integridade
dos colaboradores. Mas isso deve diminuir quando não houver mais restrições e preocupações sanitárias”, afirma a especialista.
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A opinião de Gabriela é compartilhada pelo professor Guilherme Stein, da Unisinos. Para ele, apesar de o mundo ter aprendido que o trabalho remoto é possível e eficiente em diversos aspectos, ainda não é possível eliminar completamente as interações presenciais.
“Muitas transações e relações comerciais envolvem uma assimetria de informação entre as partes, como contratos de compra e venda de máquinas industriais, veículos e imóveis ou prestação de serviços cuja qualidade não seja facilmente observável à distância. Além disso, relações de longo prazo que exigem monitoramento precisam de que as partes se encontrem presencialmente periodicamente. A tendência é que isso não desapareça”, diz.
Experiências on-line
Uma das saídas encontradas pelo Airbnb para driblar a crise foi oferecer experiências on-line ao usuário, que vão de apresentações musicais a aulas de mixologia ministradas por drag queens (sim!). Mas será que esse tipo de produto vai ficar para valer passada a pandemia?
Mais uma vez, a resposta depende de como o vírus vai se comportar a longo prazo. Caso algum tratamento ou vacina eficaz sejam desenvolvidos ou caso o contágio cair drasticamente até desaparecer, as pessoas devem voltar ao “velho normal” o quanto antes.
As experiências on-line devem, sim, ter presença maior do que antes, mas não devem substituir as presenciais, especialmente no que diz respeito a shows e performances artísticas. Para o economista Sillas de Souza Cezar as experiências on-line oferecidas pelo Airbnb têm mais a ver com uma estratégia de comunicação e de marketing do que, efetivamente, financeira.
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“Eu não acredito que isso altere significativamente a taxa de conversão de negócios deles e não acho que vá se sustenta a longo prazo. A moda hoje é redução de custo. E o AirBnB e Uber entram nesse contexto. É acesso, não é posse. Não faz sentido eu pagar por um serviço como o AirBnB para assistir a uma live. Eu acredito que isso funcione, no máximo, como propaganda, veículo de comunicação institucional que vai gerar, no melhor dos mundos, algumas mídias espontâneas. Não vejo mais que isso”, opina.
Recuperação mais rápida para os hotéis ou para o Airbnb?
Fato é que praticamente nenhuma empresa ligada ao setor de turismo não foi afetada pela crise do Covid-19. Além disso, o futuro é nebuloso e depende de diversas variáveis. De qualquer forma, no embate entre Airbnb e hotéis, os primeiros devem ter uma leve vantagem em relação à recuperação, especialmente por conta da confiança. É o que aponta o professor Guilherme Stein.
“Nesse sentido, me parece natural que os hotéis se recuperem com uma maior velocidade. Digo isso porque os hotéis têm maior condições de garantir a implementação de protocolos mais rígidos de higiene e de distanciamento social. Além disso, eles possuem mais condições de adotar tecnologias que reduzam a necessidade de contato físico por parte dos hóspedes – menos controles remotos, interruptores etc.. Por exemplo, é muito mais fácil para os hotéis implementarem um maior espaçamento entre estadias em um mesmo quarto do que o AirBnB exigir isso de seus clientes”, afirma.
Cezar diz que a desvantagem do setor hoteleiro é que ele depende diretamente de outros fatores, como setor aeroviário, cotações cambiais, nível de emprego e nível de custo dos insumos usados. Por outro lado, por se tratar de um setor organizado, ligado a federações, conseguiria, em tese, mobilizar mais facilmente algum socorro público.
“Se tiver que fazer uma aposta, digo que o AirBnB vai perder um volume de turistas nos principais destinos e vai ganhar em locais do interior. Não sei se vai compensar uma coisa pela outra. Aparentemente não, mas creio que essa mudança possa, pelo menos, amortecer um pouco, num médio prazo, essa queda de demanda”, crava.
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