Comportamento

O que dizem os influencers sobre as novas regras da CVM

Conversamos com Nathalia Arcuri, Nath Finanças e o Economista Sincero; celebridades atingem 176 mi de brasileiros

O que dizem os influencers sobre as novas regras da CVM
A empresária e influenciadora Nathalia Rodrigues, conhecida como Nath Finanças. (Foto: Afroafeto/ Gabriella Maria)
  • No final de 2023, a CVM abriu uma consulta pública para receber comentários e sugestões sobre a atuação de influenciadores digitais que falam sobre finanças e investimentos na internet
  • Não é a primeira movimentação nesse sentido. Desde o ano passado, novas normas têm surgido para regular a atividade
  • Fomos atrás dos principais influenciadores de finanças do Brasil para entender o que eles pensam a respeito do assunto; e eles defenderam a importância das normas

Profissão: influencer. É praticamente impossível navegar na internet e não esbarrar nos perfis de influenciadores digitais que, entre muitos e diferentes conteúdos, ganham bastante dinheiro com suas postagens no Instagram, X (ex-Twitter) e Youtube, por exemplo.

A 5ª edição do FInfluence – quem fala de investimentos nas redes sociais, estudo feito pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) em parceria com o  Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (Ibpad) – foi divulgado no último dia 4 e mostrou que existem 515 influenciadores de finanças no Brasil.

Ao todo, esses influencers falam para 176,3 milhões de seguidores, com cerca de 52,3 mil postagens ao mês. Não é pouca gente, nem pouco conteúdo: o volume de publicações cresceu 13% em relação à 4ª edição do FInfluence.

Esse crescimento é positivo e celebrado como uma forma de democratizar o acesso ao mercado de capitais. Se antes eram necessários altos patrimônios para acessar as recomendações e análises de grandes bancos, hoje, com um celular e disposição para estudar, o investidor pessoa física consegue de forma gratuita muito material para montar uma carteira de investimentos do zero.

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Por outro lado, o crescimento acelerado desse nicho acendeu um alerta nas autarquias. Conteúdos de golpes que prometem retornos exagerados, publicidades não sinalizadas, recomendações de ativos feitas por profissionais não qualificados – um ambiente arriscado para um País com baixíssima educação financeira e uma quantidade enorme de endividados.

Consulta pública

No final de novembro de 2023, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu uma consulta pública sobre a atuação dos influencers no mercado de capitais. O objetivo, segundo a instituição, é receber ponderações e comentários do público sobre possíveis normas regulatórias para esse nicho.

“Com a expansão das redes sociais e o aumento do interesse da sociedade pelo Mercado de Capitais brasileiro, entendemos importante, mais uma vez, valorizar o diálogo e escuta ativa por meio desta Consulta Pública relacionada aos influenciadores digitais. Com o devido entendimento e percepção, teremos a possibilidade de encontrar um caminho de convergência que privilegie a transparência, a segurança e bom funcionamento de nosso mercado”, disse, na ocasião da abertura da consulta pública, João Pedro Nascimento, presidente da CVM.

O público geral pode enviar ao órgão comentários em três vertentes: com enfoque em medidas de transparência, relacionados à linguagem e comunicação promocional dos posts, e a respeito da atividade dos analistas de valores mobiliários que são registrados e atuam majoritaria ou exclusivamente por meio das redes.

Sugestões e comentários podem ser enviados por qualquer cidadão até o dia 1º de março, para o e-mail [email protected].

A pauta não é nova e reforça a preocupação da CVM em acompanhar de perto o trabalho dos influencers do País. Uma relação que nem sempre é harmoniosa – como mostramos nesta reportagem, em 2022, a autarquia fez uma fiscalização e solicitou alguns dados de dezenas de perfis, levantando certa polêmica nas redes. De lá para cá, no entanto, essa discussão amadureceu.

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Por isso, o E-Investidor foi atrás dos principais influenciadores de finanças do País para tentar entender como se posicionam em relação a uma possível regulamentação da atividade e se teriam alguma sugestão para contribuir à discussão aberta pela CVM com a consulta pública.

Nathalia Arcuri, CEO da Me Poupe!, a terceira empresa mais influente segundo a Anbima, defende que a atuação dos influenciadores financeiros é importante para disseminar a educação financeira que falta a boa parte da população brasileira. “Essa influência foi determinante para popularizar modalidades de investimento além da poupança, incentivando os brasileiros a investirem de forma mais ampla e eficiente”, diz.

Ainda assim, reconhece a responsabilidade do ofício e a importância das normas já vigentes. “A CVM implementou regulações em resposta às práticas de maus profissionais para que os influenciadores esclareçam o caráter publicitário de seus conteúdos, possibilitando uma avaliação mais transparente pelo público sobre as indicações apresentadas. É também fundamental respeitar as limitações impostas aos diferentes papéis no universo financeiro”, destaca Arcuri.

No mesmo lado, Nathália Rodrigues, mais conhecida como Nath Finanças, também concorda com uma possível regulamentação do ofício. “Não pode qualquer pessoa indicar investimentos, tem sim que ser algo regulamentado. Você pode fazer as pessoas perderem aquele dinheiro, que às vezes é o único que possuem”, diz a influencer, empresária, que também é a única brasileira a ocupar uma posição no ranking das 50 maiores lideranças do mundo da revista americana Fortune.

Discussão antiga, mas difícil

A consulta pública aberta pela CVM não é a primeira movimentação nesse sentido. Desde que os “influencers” ganharam espaço como as grandes vozes das redes sociais e passaram a representar uma parte significativa do mercado de investimentos – especialmente no contato com o investidor pessoa física –, os órgãos reguladores estão “na cola” dos donos dos perfis digitais.

Desde novembro de 2023, a Anbima exige que influenciadores informem, por escrito ou verbalmente, quando estiverem fazendo uma publicação patrocinada ou em parceria com instituições. A adição de hashtags mencionando minimamente que se trata de publicidade também é uma alternativa, desde que esteja vinculada ao distribuidor, com inserção, por exemplo, de #parceria e #nomedainstituição.

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A medida veio na esteira de uma decisão semelhante, da BSM Supervisão de Mercado, principal autorreguladora do mercado de capitais brasileiro que integra o grupo da B3, sobre o relacionamento de gestoras e corretoras com influenciadores de investimentos.

A sinalização das “publis” também já havia sido recomendada pela própria CVM, em abril do ano passado, após a divulgação da Análise de Impacto Regulatório (AIR), um estudo desenvolvido pela autarquia em 2022 para entender o peso das redes sociais na tomada de decisões de investimento.

Avisar que determinado conteúdo é publicidade, ou seja, que o influenciador está recebendo algum valor para fazer aquela postagem, já era há anos uma prática obrigatória determinada pelo CONAR, como parte do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. E, em relação a isso, os influenciadores são unânimes: a regra é importante e não há porque não segui-la.

“A transparência sempre é bem-vinda e eu não vejo o outro lado como prejudicial. Em que o mercado do influenciador seria lesado por ter que avisar que aquilo é uma publi? Quem está perdendo com isso? Ninguém”, diz Charles Mendlowicz, o Economista Sincero.

O receio do principal influenciador de finanças do País, segundo a Anbima, é outro. Ele defende as regras como algo importante para a maturidade desse mercado, mas teme que, se severas demais, elas possam limitar a entrada de novatos, reduzindo a alcance das finanças entre o público brasileiro; ou até desincentivando influenciadores sérios do trabalho, abrindo espaço para quem age de má fé.

“Apesar de não gostar da ideia do Estado ficar em cima de tudo, eu sou favorável a ter um mínimo de regras, porque se a gente não criar isso agora, nem que seja através de uma autorregulamentação do setor, lá na frente alguém terá que impor regras muito duras”, diz o Economista Sincero. “E se eu falo as regras que acho que deveriam ser postas, acaba com o mercado. Não para mim, mas para quem está começando. A CVM e a Anbima fazem um trabalho legal, mas ele precisa convergir para isso: como que a gente melhora o problema da falta de educação financeira, sem piorar”, pontua.

A unanimidade: os ‘joguinhos’ de azar

Para além das regras que garantam maior transparência ao mercado e ao trabalho dos influenciadores financeiros, os influencers defendem ainda uma maior fiscalização por parte dos órgãos responsáveis. Questionados sobre qual deveria ser a maior preocupação da CVM em relação aos influencers no momento, alguns tiveram a mesma resposta: os “jogos do Tigrinho”.

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O jogo de azar “Fortune Tiger”, amplamente conhecido e divulgado na internet como “Jogo do Tigrinho” , promete altos rendimentos em prazos curtos, utilizando de um design de jogo para atrair os usuários em formato parecido com os de cassinos. Apesar de ilegal no País, eles se popularizaram depois de uma divulgação pesada feita por influenciadores digitais – um assunto que caiu na boca do povo depois que uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, denunciou como influencers ganhavam muito dinheiro com a campanha do jogo que levou milhares de pessoas ao prejuízo.

Explicamos como eles funcionam e por que esses jogos de azar não podem ser considerados um tipo de investimento nesta outra reportagem.

Carol Dias é a criadora do Riqueza em Dias, considerada pela Anbima a principal produtora de conteúdo sobre finanças no Instagram, plataforma onde acumula 7,5 milhões de seguidores. Ela conta que recusou uma proposta para receber R$ 300 mil em troca da divulgação desse tipo de jogo. “Eu sou dura nisso. A CVM tem sim que ter uma atitude perante a isso e não pode permitir”, diz. “Uma moça me escreveu um dia dizendo que pensou em tirar a própria vida porque tinha perdido tudo nesses jogos.”

Para o Economista Sincero, faltaria gente suficiente para fiscalizar a quantidade de golpes disponíveis atualmente na internet. Um ponto que, para ele, também ultrapassa a existência de regras ou não, mas reflete a necessidade de ampliar a educação financeira no País. Não adianta existir regras severas se, na outra ponta, a população ainda não souber reconhecer que propostas de ganhos de 10% ao mês, por exemplo, são irreais.

“Se a CVM ou a Anbima erram a mão na quantidade de regras, elas vão diminuir o mercado que é bacana e aumentar o mercado irregular, porque o cara que está oferecendo o Jogo do Tigrinho não está nem aí para as regras”, afirma Mendlowicz. “Essa deveria ser uma preocupação, porque no Brasil a educação financeira é zero.”

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