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Comportamento

6 lições de negócios que clássicos da literatura nos ensinam

Entenda por que empreendedores não devem ficar presos somente a publicações específicas da área

6 lições de negócios que clássicos da literatura nos ensinam
Estátuas de Don Quixote e Sancho Pança em Madri (Foto: Suzana Vera/Reuters)
  • É fundamental que empreendedores não fiquem presos somente a publicações específicas da área, já que muitos clássicos da literatura trazem lições relevantes sobre a condução de uma empresa
  • Os livros nos ensinam, por exemplo, a importância do trabalho em equipe. No no mundo dos negócios, também é essencial aprender sobre como ter Empatia, tolerância e resiliência
  • Os clássicos mostram ainda que você deve confiar em seus instintos, mas também saber aceitar sugestões e entender que, às vezes, é preciso partir para uma nova empreitada

(Murilo Basso/Especial para o E-Investidor) – Em tempos de isolamento social, ler é uma alternativa para “viajar” sem sair de casa. Além disso, a leitura passa importantes lições para aqueles que querem se aventurar no mundo dos negócios. Por isso, é fundamental que empreendedores não fiquem presos somente a publicações específicas da área, já que muitos clássicos da literatura trazem lições relevantes sobre a condução de uma empresa. Confira:

1. A importância do trabalho em equipe e da definição clara de funções

Um clássico que é comumente recomendado a estudantes do Ensino Médio é “O Senhor das Moscas” (William Golding). No romance distópico, alguns meninos na pré-adolescência são os únicos sobreviventes de um desastre aéreo, e o leitor acompanha a deterioração da tentativa dos garotos de se auto-governar em uma ilha isolada. Em relação aos negócios, o ensinamento que fica é: desde o início, é de suma importância que a função de cada pessoa envolvida no empreendimento seja bem definida.

“Assim como no livro, o grande problema que vemos nas organizações é a questão da sobreposição de tarefas e funções, principalmente quando falamos sobre sócios. Uns acabam fazendo o seu melhor, mas nem sempre esse melhor é para o ‘global’. Quando não temos as funções bem definidas, o ‘local’ acaba se sobrepondo ao ‘global’. E aí vêm os desentendimentos, rusgas, direcionamentos para lados opostos”, diz Douglas Veit, coordenador do curso de Administração da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Outra lição relevante trazida que é possível transportar para as empresas é que mais do que definir funções, deve estar claro para todos os envolvidos qual é o objetivo geral da companhia, para qual propósito esse negócio foi criado.

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“No livro, as divergências de opiniões entre duas lideranças diferentes leva ao colapso na micro-sociedade que eles criaram. Mais do que termos funções definidas, precisamos desenhar bem o propósito desse empreendimento. O que acontece no livro é que o grupo tem uma cisão: parte dele começa a se preocupar em ficar na ilha e parte dele se preocupa em sair. Isso acontece em empresas”, explica Fernando Domingues, coordenador do StartupLab da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

A importância do trabalho em equipe é tema central de outra obra bastante conhecida, “Os Três Mosqueteiros” (Alexandre Dumas), que pode ser um bom exemplo do ditado “a união faz a força”. Os especialistas explicam que ainda que seja não seja impossível montar um negócio sozinho, é sempre bom ter alguém com quem compartilhar as dificuldades da empresa. Se não um sócio, colaboradores de confiança, com quem se possa montar uma equipe forte e empenhada em atingir os objetivos da empresa.

2. Empatia, tolerância e resiliência

“O Sol é Para Todos” (Harper Lee) é um romance emblemático sobre racismo e desigualdade social. Trata-se da história de um advogado que defende um homem negro acusado de estuprar uma mulher branca nos Estados Unidos da década de 1930. As principais lições aprendidas com o livro, com certeza, estão ligadas à empatia, tolerância e a capacidade de se colocar no lugar do outro, conceitos que também são essenciais na condução de um negócio. Isso porque quando se está à frente de uma empresa, independentemente do produto ou serviço ofertados, as principais relações construídas ainda são as humanas.

“Esses conceitos são fundamentais para se conduzir um negócio porque a empresa é uma organização social e, portanto, uma micro representação da nossa sociedade. Pessoas conhecem o ambiente profissional, especializam-se nas diversas ferramentas de negócios, dominam um tipo de linguagem própria desse ambiente, mas não deixam de carregar sua bagagem de experiências, sua visão de mundo, seus comportamentos”, afirma Viviane Oliveira, docente do curso de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).

“Como tratado na obra, se a sociedade é racista e desigual, isso será reproduzido também no ambiente empresarial. Por exemplo, até que ponto se pode aplicar internamente a meritocracia se um colaborador possui mais privilégios sociais que outro e que influenciam seu desempenho na empresa? São questões complexas, geram conflitos, e em alguma medida podem ser minimizadas”, completa.
Na opinião da professora, o principal mecanismo para melhorar a compreensão de questões sociais e acomodar a diversidade na empresa é a construção de um repertório amplo por parte do gestor. Tal repertório deve ir além dos temas internos demandados e há necessidade de conhecimento amplo sobre realidade social, cultural, política e econômica. Quanto mais diverso for o conhecimento do líder, mais a tolerância e a empatia serão desenvolvidas no ambiente empresarial, visto que o ser humano é plural.

“O Sol é Para Todos” também fala da importância de ser resiliente, outra característica que deve ser inerente a um empreendedor. Em uma empresa, “a resiliência consiste em equilibrar o impacto de uma mudança inesperada com a manutenção do foco individual, que será a base dos objetivos pretendidos”, diz Viviane. Dentro de uma organização, é preciso não somente lidar da melhor maneira com as possíveis dificuldades que surjam, mas aprender com esses desafios. Para tanto, o fundamental é ter serenidade para não perder o controle.

3. Confie em seus instintos, mas também saiba aceitar sugestões

Uma das principais lições de “As Aventuras de Huckleberry Finn” (Mark Twain) diz respeito a crescer e amadurecer com base na confiança de seus instintos sobre certo e errado, mais do que com relação ao que a sociedade diz sobre isso. Na condução de um negócio, esse ponto também é bastante válido.

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“O livro é polêmico porque suscita diversas questões raciais. Claro que essa polêmica é significativa, ainda mais em função do que estamos vivendo e em relação ao que temos observado, em especial, nos EUA e no Brasil. Mas a publicação, como toda obra clássica, traz outros elementos importantes de reflexão. Uma ideia básica sobre o livro é que o personagem Huckleberry vive um constante conflito moral entre os valores presentes na sociedade na qual vive e a forma como ele os vivencia. Este talvez seja o ponto chave para a relação com a condução dos negócios. Em que momento deve-se escutar a si
mesmo – aquilo que foi chamado de instinto – ou ouvir o seu entorno?”, questiona Fernando Gurgueira, professor de Sociologia e Ciência Política da Faap.

Já para Fernando Domingues, da ESPM, a “rebeldia” é um ingrediente crucial para negócios inovadores. Ao mesmo tempo, porém, o instinto não pode atuar sozinho. “A questão central é que à medida em que o negócio amadurece, assim como o personagem do livro, é fundamental que o empreendedor encontre pessoas que acreditem na mesma coisa que, mas que lhe ajudem, também, a nivelar essa rebeldia. O instinto é fundamental para criar um negócio, mas em pouco tempo é preciso voltar a ter coesão, com pessoas que acreditam na mesma coisa que você. E é preciso ouvir essas pessoas”, opina.

É preciso ter cautela, portanto, para não se tornar uma Emma Woodhouse, protagonista de “Emma” (Jane Austen). Apesar de todas as suas boas intenções, a jovem pensa estar sempre certa e ignora os conselhos de seus amigos e família, o que lhe gera problemas e chateações.

“Temos vários casos de gestores que acabam se prendendo a uma ideia e esquecendo que, ao redor, as coisas mudam. A pandemia é um grande exemplo de mudança: em questão de poucas semanas, todo mundo teve que se adaptar a esse formato digital, algo que planejávamos fazer em 10 ou 15 anos, principalmente no âmbito da educação, com as aulas online. E não necessariamente vamos nos esquecer de tudo isso quando voltarmos às aulas presenciais. Precisamos retornar às situações normais melhores do que éramos antes”, opina Douglas Veit, da Unisinos.

4. De olho no propósito

Ao escrever “Grandes Esperanças”, um dos objetivos de Charles Dickens era demonstrar que riqueza não é sinônimo automático de felicidade. Ao montar um negócio, o empreendedor também precisa ter em mente que o ganho material não é tudo. É importante que haja um propósito que vá além da mera acumulação de capital. Para os especialistas entrevistados, empreender envolve um desejo que vai muito além do ganho material.

“Inclusive, uma das principais teorias que existem sobre empreendedorismo contemporâneo é a de que as pessoas não compram mais o seu produto porque aquilo resolve um problema delas; elas adquirem o produto porque acreditam no mesmo propósito que você acredita. Isso é muito forte em grandes marcas, como Apple e Netflix”, afirma Fernando Domingues.

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Não se deve esquecer que a empresa se trata de um projeto humano. Sobreviver é importante, é claro, mas também é importante trabalhar com algo com o qual se acredita e gosta. A curto prazo, apenas ganhar dinheiro pode parecer o suficiente, mas isso não se sustenta por muito tempo.

5. Metas devem ser realistas

Jay Gatsby, protagonista de “O Grande Gatsby” (F. Scott Fitzgerald), clássico que já foi adaptado para o cinema em mais de uma ocasião, é um homem de padrões elevados. É importante que um empreendedor também seja assim – Steve Jobs, conhecido por sua exigência, que o diga. Ao mesmo tempo, o livro mostra que não se deve ir até às últimas consequências para realizar seus objetivos, já que Gatsby se envolve até com atividades ilícitas, o que também deve ser seguido num negócio. É de suma importância, portanto, que a empresa dê conta de estabelecer metas que sejam factíveis.

“Aqui entra muito a questão do ‘olho gordo’: quanto mais a gente tem, mais a gente quer. E, obviamente, trabalhar para o crescimento de um negócio é o que um empreendedor quer. Claro que a gente busca que isso seja feito meios lícitos. Os ilícitos podem trazem ganhos imediatos, mas não se sustentam e em algum momento vêm à tona. Quando isso acontece, desencadeia uma série de coisas, problemas com a justiça e com a imagem da empresa. Eu acho que as metas estabelecidas devem ser ‘pés no chão’: metas possíveis de ser realizadas dentro daquilo que a empresa tem condições de alcançar”, opina Veit.

6. Às vezes, é preciso partir para uma nova empreitada

Talvez a passagem mais importante e lembrada de “Dom Quixote” (Miguel de Cervantes) seja a dos moinhos de vento. No livro, o protagonista, de tanto ler romances de cavalaria, nomeia a si próprio cavaleiro e embarca em uma jornada para “salvar”; o mundo, ainda que suas ideias sejam extremamente fantasiosas e obstáculos significativos atrapalhem a sua empreitada. Na vida real, muitas vezes, um empreendedor precisa reconhecer que é inútil lutar contra “moinhos de vento” e encerrar seu negócio. Não significa, porém, que o empresário fracassou. Às vezes, é hora de partir para uma nova aventura – ou empreitada.

“Nos dói despertar junto a Dom Quixote de suas alucinações. Ele representa a luta de cada um de nós na defesa da realização de nossos sonhos. Queremos, assim como ele, fazer de tudo por nossa Dulcinéa e contar com o apoio fiel de nosso próprio Sancho Pança. O empresário sabe como é difícil ter que abandonar um projeto dos sonhos quando percebe que a ele não está sendo bem sucedido, mesmo após inúmeras tentativas e diferentes abordagens. No entanto, no mundo dos moinhos de vento, é necessário despertar de uma fantasia quando se percebe que esse empreendimento pode lhe derrubar definitivamente”, diz Igor Alves Dantas de Oliveira, docente do curso de Relações Internacionais da Faap.

Douglas Veit lembra de outra frase de Cervantes, que é “Dom Quixote só seria derrotado se deixasse de acreditar”. Fechar um negócio não significa uma derrota, pois é possível extrair muitos aprendizados dessa situação para, enfim, empreender novamente.

“Não adianta dar murro em ponta de faca; é preciso saber o momento de se retirar. Se eu souber me reinventar, não vou lutar contra os ‘moinhos de vento’. Eu vou buscar outro ramo, a partir da minha experiência, minhas ideias e meu protagonismo. E aí, eu desmistifico a ideia de que aquele negócio específico era o meu alvo e coloco a minha capacidade de me reinventar, de empreender, como a minha grande competência, independentemente do negócio que eu quiser criar. Saber se retirar também é uma habilidade de um bom gestor, que deve ser destacada e valorizada no mundo dos negócios”, conclui o docente da Unisinos.

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