

Uma fatia de 37% da população nacional investiu em produtos financeiros em 2024, de acordo com a 8ª edição do Raio X do Investidor Brasileiro, pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) em parceria com o instituto de pesquisas Datafolha. O número de investidores no Brasil ficou estável em relação a 2023, frustrando as projeções de crescimento de quatro pontos porcentuais.
Os dados completos do estudo serão disponibilizados apenas na terça-feira (29), mas a associação já apresentou alguns recortes ao E-Investidor. Para Marcelo Billi, superintendente de Sustentabilidade, Inovação e Educação da Anbima, apesar da estabilidade no número de investidores de um ano para o outro, o resultado foi positivo. “Nós observamos um cenário marcado por alta do nível de preços e perda do poder de compra das pessoas, o que trouxe dificuldades para o brasileiro fechar suas contas e, consequentemente, poupar. Ver que a porcentagem de investidores se manteve estável já é uma conquista”, afirma.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) fechou 2024 com uma alta acumulada de 4,83%, 0,33 ponto porcentual acima do teto da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Para controlar a inflação, o Banco Central (BC) também voltou a elevar a Selic no último ano.
Juros na alta e falta de novidades impactam a atratividade dos investimentos
Felipe Carbonar, responsável pela área de assessoria da Monte Bravo, explica que a alta de juros traz dois efeitos opostos no universo dos investimentos. “Quem já investe consegue ampliar o patrimônio, especialmente por meio da renda fixa. Já quem deseja começar encontra mais barreiras, pois os juros altos dificultam a formação de uma reserva financeira”, diz.
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Na opinião de Fernando Siqueira, atual head de Research da Eleven Financial, o desempenho negativo do mercado brasileiro em 2024 também pode ter reduzido o ímpeto de novos investidores. Para se ter ideia, o Ibovespa encerrou o último ano com perdas acumuladas de 10,36%.
Outro agravante vem da falta de novidades no mercado financeiro. Siqueira explica que o lançamento de uma classe de ativo costuma chamar atenção e estimular o interesse por investimentos no Brasil. Ele cita como exemplo o caso do Hashdex Nasdaq Crypto Index (HASH11), ETF (fundo de índice) que começou a ser negociado no Brasil em 2021, com o objetivo de refletir globalmente o movimento de criptoativos.”Quando um produto novo chega, ele movimenta o mercado, gera repercussão e acaba despertando a curiosidade dos investidores. No ano passado, não vimos esse tipo de novidade”, observa.
Ilan Arbetman, analista de research da Ativa Investimentos, também entende que há uma junção de fatores macro e microeconômicos que dificulta a entrada de novas pessoas no mercado de investimentos. “O Brasil tem uma taxa Selic alta e fatores micro desafiadores, com uma Bolsa de Valores com poucas empresas listadas e um baixo leque de opções. Acho que isso tudo acaba se somando e contribuindo para termos um número de investidores que certamente poderia – e deveria – ser maior”, afirma.
O lado comportamental do investidor
Para além dos fatores econômicos, existem questões comportamentais que também explicam o fato de algumas pessoas não investirem. “No Raio X do Investidor Brasileiro, observamos que, mesmo dentre os mais ricos do Brasil, existe uma dificuldade de conseguir investir, que está relacionada com a capacidade de se organizar e lidar com o dinheiro“, destaca Billi, da Anbima.
De acordo com Bruna Allemann, head da Mesa Internacional da Nomos, há uma dificuldade geral de traçar metas financeiras claras. “Muitas vezes, a pessoa nem entende exatamente por que quer guardar dinheiro. Isso contribui para uma vulnerabilidade maior a golpes ou a promessas de retorno rápido. Ela busca segurança, mas não compreende que o processo de investimento saudável exige tempo, paciência e consistência”, afirma.
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Essa consciência tem guiado as decisões de Melina Mayrink, profissional de Relações Internacionais de 26 anos. Ela começou a investir aos 20, com letras de crédito, e ao longo do tempo passou a diversificar sua carteira. “Percebi os ganhos reais quando comecei a acompanhar os resultados mais de perto. Deixar todo o dinheiro parado na conta corrente é um erro. Investir nem sempre significa assumir grandes riscos”, reflete.
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O professor Reinaldo Oliveira, de 49 anos, decidiu primeiro equilibrar suas finanças antes de passar a investir, com o objetivo de preservar seu poder de compra no futuro. “Não dá para começar se você ainda estiver pagando dívidas ou com o cartão de crédito estourado”, destaca.
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Em áudio, ele comenta os principais desafios que enfrentou ao longo do caminho:
Oliveira procura seguir uma estratégia de investimentos consistente e evita aplicações com promessas de ganhos fora da realidade. Para ele, investimentos com taxas “mirabolantes” geralmente não entregam o que prometem. Apesar de já estudar o tema, reconhece que ainda tem muito a aprender:
Acesso à educação financeira
Pensando no público que deseja conhecer mais sobre investimentos, a Anbima tem desenvolvido programas de educação financeira que contemplam desde projetos em universidades até parcerias com o Banco Central (BC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). “Educação financeira não se ensina de forma pontual. É difícil, por exemplo, falar sobre aposentadoria com um jovem de 14 anos. Por isso, tentamos oferecer ações educativas ao longo das diferentes fases da vida, para que o tema faça sentido”, afirma Billi, acrescentando que agora a associação trabalha em iniciativas voltadas também para empresas.
A Anbima trouxe ainda novidades de análise na 8ª edição do Raio X do Investidor. Entre os destaques, está o lançamento do indicador de tendência ao vício em apostas. O estresse financeiro, incorporado recentemente ao estudo, é outro assunto que ganha maior atenção com a estreia do Índice de Estresse.
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Embora os dados ainda não tenham sido revelados, Billi adiantou ao E-Investidor que, no caso das bets, a proporção de brasileiros que apostam não aumentou em relação aos anos anteriores. Já sobre a questão do estresse financeiro, o estudo observou que o participante nem sempre declara abertamente que o dinheiro está afetando sua saúde mental. No entanto, quando esses dados são levantados com perguntas mais indiretas, os índices de impacto tendem a ser maiores.
O que esperar do número de investidores em 2025?
O Raio X do Investidor aponta que, das 59 milhões de pessoas que investem atualmente em produtos financeiros, 14 milhões cogitam deixar de aplicar o dinheiro ao longo deste ano. Por outro lado, considerando o contingente de 101 milhões de brasileiros que ainda não são investidores, 18 milhões têm a intenção de mudar esse status em 2025. Caso as projeções se concretizem, o saldo será positivo, com aumento de 4 milhões na fatia de investidores, que passará de 37% para 39% da população.
Para realizar o estudo, o Datafolha ouviu 5.846 pessoas de 16 anos ou mais, de todas as classes sociais, nas cinco regiões do Brasil, em novembro de 2024. A margem de erro da pesquisa é de um ponto porcentual, para mais ou para menos.
Embora as projeções do levantamento sejam otimistas para o ano, especialistas não esperam um grande incremento no número de investidores do País – afinal, a tendência é que a Selic ainda permaneça em um patamar elevado. Junto a isso, o cenário mais turbulento no exterior, com as tarifas do presidente americano, Donald Trump, no radar, colocam uma dificuldade a mais para as pessoas começarem a investir.
“Esses momentos de volatilidade tendem mais a afastar o investidor do que a trazer gente nova para o mercado financeiro. Apesar de o Ibovespa ainda performar bem no ano, as notícias negativas acabam tendo um peso maior”, diz Siqueira, da Eleven Financial. “Mesmo considerando que os ativos podem ter um desempenho melhor em 2025 do que em 2024, acho que ainda não vai ser bom o suficiente para trazer novos investidores.”
Dicas para começar a investir
Para quem pensa em começar a investir nesse cenário de incertezas, Allemann, da Nomos, recomenda que a pessoa foque primeiramente em construir uma reserva de emergência. “Com os juros elevados, o risco de entrar em um ciclo de inadimplência é alto, já que o crédito se torna mais caro e menos acessível. Por isso, é fundamental dar prioridade à formação dessa reserva o quanto antes. Ela não vai transformar a vida de ninguém em termos de retorno, mas vai permitir que o investidor atravesse períodos difíceis com mais tranquilidade”, reforça.
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Já Carbonar, da Monte Bravo, aconselha a busca por uma assessoria de investimentos, para receber uma orientação sobre educação financeira e formação de patrimônio. Segundo ele, os investidores no Brasil precisam começar com uma estratégia voltada ao acúmulo, geralmente por meio de investimentos mais conservadores. “Só depois vem o momento de pensar em diversificação de forma estruturada”, destaca.