Comportamento

Quase todas as economias do mundo estão encolhendo. Menos a da China

Impulsionado por investimentos públicos em infraestrutura e pela demanda externa por produtos manufaturados, país pode crescer 7,8% em 2021

Quase todas as economias do mundo estão encolhendo. Menos a da China
O mural Memories, na cidade chinesa de Wuhan, com a imagem do médico Dr. Zhong Nanshan, que foi o primeiro a anunciar em rede nacional que a covid-19 era transmissível entre pessoas (Foto: Ng Han Guan/AP Photo)
  • Em 2020, a economia chinesa cresceu 2,3%, após ter sofrido, em 2019, a primeira contração em quase 50 anos

(Keith Bradsher, de Xangai/The New York Times) – Enquanto a maioria dos países enfrenta as dificuldades impostas por novas quarentenas e demissões, resultado do recrudescimento da pandemia, uma única grande economia conseguiu se recuperar depois de praticamente controlar o coronavírus: a da China.

Em 2020, a economia chinesa cresceu 2,3%, conforme anunciou na semana passada o Instituto Nacional de Estatística, sediado em Pequim. Estados Unidos, Japão e a maior parte das nações europeias, por outro lado, estão diante da possibilidade de quedas bruscas na produção.

Há um ano a força da China parecia improvável quando o vírus surgiu na cidade de Wuhan, centro do país. À medida que o turismo e o comércio praticamente pararam, a economia encolheu 6,8% entre janeiro e março de 2020, na comparação com o mesmo período de 2019 – primeira contração em quase 50 anos.

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De lá para cá a economia melhorou de forma constante, e encerrou o ano passado com crescimento de 6,5% nos três últimos meses de 2020 (de novo em relação ao mesmo período de 2019). Embora essa recuperação seja instável, fábricas por toda a China funcionam de sol a sol para atender à demanda externa, e guindastes trabalham a todo vapor em canteiros de obras. A explosão de exportações e investimentos em infraestrutura (financiados por dívida) pode impulsionar a economia ao longo de 2021.

Nas barracas do mercado têxtil de Taiyuan, em Wuhan, gerentes de fábricas de roupas encomendam grandes rolos de tecido para atender aos pedidos domésticos e internacionais por peças de vestuário. Já no grupo Xuzhou, que produz maquinário para construção e fica na província de Jiangsu, as fábricas não têm intervalo para dar conta das encomendas de escavadeiras e bate-estacas. Na Huahong Holding, grande exportadora da província de Zhejiang que vende molduras e espelhos, os lucros dobraram.

“Esta é a única grande economia que se recuperou rapidamente da pandemia e voltou aos negócios normais”, diz Zhou Linlin, financista de Xangai que integra o conselho da Huahong. “Por isso a China está recebendo pedidos de vários lugares”.

Também em Xangai, a bolsa de valores registrou alta de quase 1% no dia 11 de janeiro. Ela já tinha subido 16% ao longo de 2020, com investidores locais e estrangeiros apostando alto na continuidade da recuperação econômica.

Mas a resiliência geral da economia chinesa oculta bolsões de fragilidade.

Desafios, apesar da retomada

Há muitas oportunidades de emprego para funcionários de chão de fábrica, mas poucas para universitários recém-formados e ainda sem experiência no mercado de trabalho. O setor de serviços, incluindo hotéis e restaurantes, saiu-se bem no fim de 2020 em grandes cidades litorâneas como Pequim e Xangai, mas nunca chegou à plena recuperação nas províncias do interior. Fabricantes de produtos eletrônicos ou equipamentos de proteção individual surfaram na pandemia, mas o mesmo não ocorreu com quem exportava para países pobres duramente afetados pela doença.

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Dono de uma fábrica de máscaras de Halloween em Yiwu, o empresário Zhang Shaobo ficou sabendo em março do ano passado que um de seus clientes mais constantes, um indiano, havia contraído covid. Em maio, o homem faleceu. Outros consumidores dos principais mercados atendidos por Shaobo na Índia e na América do Sul também deixaram de ir à China para conhecer os mais recentes produtos do comerciante.

Com isso ele teve de demitir 16 dos vinte funcionários que tinha em sua fábrica, e começou a se preparar para fechar a loja num mercado atacadista de Yiwu. Segundo Shaobo, “não vale a pena pagar o aluguel do espaço” quando o movimento está tão ruim.

Num discurso proferido em agosto de 2020 e publicado em 15 de janeiro pelo jornal Qiushi, do Partido Comunista, o líder chinês Xi Jinping reconheceu os desafios enfrentados pelo país.
“Economia, tecnologia, cultura, segurança e política internacionais estão passando por ajustes profundos, e o mundo entrou num período de mudanças turbulentas”, declarou Xi. “Nos próximos meses enfrentaremos um ambiente externo de ventos contrários crescentes, e temos de nos preparar para reagir a uma série de novos riscos e desafios”.

Esses desafios podem ficar ainda mais complexos nas semanas a seguir. Depois de um êxito considerável no controle do coronavírus, a China sofreu com vários pequenos novos surtos recentemente. O governo agiu rápido: construiu hospitais, impôs testagem em massa e colocou pelo menos 28 milhões de pessoas em lockdown.

Agora as autoridades começam a impor, mais uma vez, uma ampla gama de verificações sanitárias que inibem novos gastos do consumidor. Mas mesmo antes dos surtos recentes muitas coisas já iam mal. Em nenhum momento a confiança do consumidor se recuperou totalmente desde o início da pandemia. As famílias chinesas têm andado particularmente avessas a gastos vultosos, como reformas da casa ou compra de novos móveis.

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Manter o vírus sob controle foi essencial para o sucesso econômico da China ao longo do último ano. Num momento em que a pandemia assola outros países, a agressiva abordagem de Pequim – com ordens dadas de cima para baixo – impediu que o vírus se espalhasse rapidamente pelo país.
Na China, foram quase 100 mil casos registrados e menos de 5 mil mortes, a maioria delas em Wuhan; nos surtos recentes, são cerca de 150 notificações diárias de novos casos. Nos Estados Unidos, em contrapartida, foram mais de 220 mil casos e 3.300 mortes por dia.

Estímulos para reaquecer os mercados

Com o vírus praticamente controlado, Pequim lançou mão de seus tradicionais métodos de estímulo à economia.

Enquanto Wuhan ainda estava em quarentena, as autoridades trabalharam para garantir que o setor produtivo se reerguesse em outras regiões. O governo ofereceu transporte gratuito de longa distância para que os trabalhadores pudessem voltar às fábricas depois de passar o Ano Novo chinês em casa. Bancos estatais ampliaram os empréstimos com condições especiais para os locais onde há produção, e agências governamentais ofereceram restituições parciais de impostos pagos antes da pandemia.

A China, que já era a maior economia mundial do setor de manufatura, ampliou a vantagem. A despeito da guerra comercial e tarifária, empresas americanas e europeias recorreram à China para obter peças e bens num momento em que fábricas de outros lugares tinham dificuldade para atender à demanda. Dentro da própria China, as fábricas se voltaram para os fornecedores mais próximos para substituir o que antes importavam, já que as linhas transoceânicas se tornaram menos confiáveis.

O rótulo “Made in China” ganhou ainda mais popularidade quando as pessoas, trancadas em casa, decidiram mudar a decoração ou fazer pequenas reformas. Na fábrica de refrigeração Xingxing, em Taizhou, os gerentes não conseguem contratar funcionários suficientes para atender à intensa demanda por freezers – eletrodoméstico procurado por consumidores interessados em armazenar mais comida durante a quarentena.

O setor de eletrônicos chinês está especialmente forte no momento, tanto para empregados mais quanto menos qualificados. Em meados do primeiro semestre de 2020, quando gerentes americanos não puderam mais ir à China supervisionar projetos de tecnologia, a busca por profissionais da área que já vivem no país disparou.

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“As empresas iam atrás de todo mundo que aparecesse pela frente”, diz Anna-Katrina Shedletsky, diretora do Instrumental – sistema de controle remoto de qualidade usado por marcas globais para rastrear e gerenciar a produção de eletrônicos.

Pequim também aumentou os gastos em infraestrutura. Todas as principais cidades chinesas já estavam ligadas a redes de trens de alta velocidade, suficientes para atravessar os Estados Unidos sete vezes. Mesmo assim, novas linhas foram rapidamente construídas no ano passado para servir municípios menores. Vias expressas passaram a atravessar províncias distantes no oeste do país. E empresas de construção civil tiveram de acender os holofotes à noite para que o trabalho nos canteiros de obra não tivesse de ser interrompido.

Boa parte do crescimento registrado em 2020 foi alimentada pelos setores de exportação e infraestrutura. As exportações chinesas aumentaram 18,1% em dezembro e 21,1% em novembro, em comparação com os mesmos meses de 2019. Investimentos em ativos fixos – desde linhas para trens-bala até prédios residenciais – subiram 2,9% no ano passado.

Ambas essas indústrias devem impulsionar a economia em 2021.

No início de janeiro, a Academia Chinesa de Ciências Sociais previu que a economia do país vai crescer 7,8% este ano. Se isso de fato ocorrer, a China terá seu mais forte desempenho econômico dos últimos nove anos.

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(Tradução: Beatriz Velloso)

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