- Os americanos mais abastados ocultam da Receita Federal mais de 20% dos seus ganhos, de acordo com novo cálculo da evasão fiscal no país
- Joe Biden, numa drástica reversão das medidas adotadas por Trump, manifestou seu desejo de aumentar os impostos devidos por milionários, empresas e sobre a propriedade
- Segundo pesquisadores, anos de redução do financiamento da Receita Federal, juntamente com uma maior sofisticação das táticas à disposição dos ricos para evitarem o pagamento de impostos tornaram a evasão fiscal mais fácil do que nunca
(Christopher Ingraham/The Washington Post) – Os americanos mais abastados ocultam da Receita Federal mais de 20% dos seus ganhos, de acordo com novo cálculo da evasão fiscal no país. O grupo dos 1% que constituem a classe mais rica responde por mais de um terço de todos os impostos federais não pagos.
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Isto custa ao governo federal aproximadamente U$ 175 bilhões anuais em receitas perdidas, de acordo com um estudo e as conclusões de uma equipe de economistas e a própria Receita Federal americana.
Os dados foram divulgados no momento em que os democratas do Senado analisam um aumento de impostos para os ultra-ricos com o objetivo de reduzir a desigualdade e financiar suas prioridades legislativas. O presidente Joe Biden, numa drástica reversão das medidas adotadas por seu predecessor, manifestou seu desejo de aumentar os impostos devidos por milionários, empresas e sobre a propriedade.
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Segundo os pesquisadores, anos de redução do financiamento da Receita Federal, juntamente com uma maior sofisticação das táticas à disposição dos ricos para evitarem o pagamento de impostos tornaram a evasão fiscal mais fácil do que nunca. E as estimativas provavelmente minimizam a real extensão da evasão fiscal no grupo de mais alta renda.
Para detectar essas trapaças fiscais e avaliar a evasão, a Receita Federal americana realizou uma auditoria aleatória das receitas, mas ela forneceu poucas evidências de evasão fiscal entre os indivíduos extremamente ricos, em parte porque eles usam técnicas contábeis sofisticadas difíceis de serem identificadas, como refúgios fiscais offshore, empresas com isenção fiscal, e contratos de servidão ambiental.
A Receita americana tem procurado corrigir o problema por meio de inúmeros métodos estatísticos. Mas, segundo este novo estudo, as correções feitas subestimam a real extensão da evasão fiscal entre os mais riscos.
Os pesquisadores conseguiram demonstrar isso depois que a Receita Federal e o Ministério da Justiça adotaram medidas duras contra esse crime em 2008. Os esforços levaram à criação do Offshore Voluntary Disclosure Program, que permitiu aos contribuintes informarem ativos ocultos fora do país, e pagarem uma multa para não serem processados. De acordo com a Receita americana, dezenas de milhares de contribuintes se beneficiaram do programa antes de ele ser encerrado em 2018.
Centenas desses contribuintes também haviam sido auditados antes da criação do programa. Os pesquisadores compararam as auditorias realizadas com as declarações feitas depois e verificaram que os auditores, em 93% das vezes, não contabilizaram os ativos offshore.
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Além disso, essas fortunas ocultas no exterior estavam concentradas quase exclusivamente entre os que estão no topo da lista dos mais ricos.
O estudo também concluiu que há uma subnotificação generalizada em termos de renda auferida no caso de empresas isentas cujas receitas são taxadas com base nos retornos dos proprietários. “Até 35% da renda auferida pelos contribuintes que estão no topo da lista não são amplamente auditadas”, concluíram os autores.
Com base nesses dados, eles projetaram uma estimativa da verdadeira distribuição da evasão fiscal nos Estados Unidos. Os contribuintes no campo inferior do espectro de renda deixaram de pagar imposto sobre cerca de 7% do seu rendimento. Mas no caso de um quinto dos contribuintes cuja renda é a mais alta, a evasão fiscal chega a 10%.
Mas em se tratando dos 5% mais ricos do país, com renda de pelo menos US$ 200.000 anuais e que, no conjunto, retêm mais de um terço de todos os ganhos auferidos no país, este grupo oculta dos órgãos arrecadadores mais de 20% dos seus rendimentos.
No total, a cada US$ 12 auferidos, quase US$ 1 não é declarado para fins de imposto, com o uso de técnicas de evasão sofisticadas adotadas pelas pessoas que ganham mais de US$ 200.000 anuais.
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“A Receita Federal precisa de muito mais recursos do Congresso”, disse Daniel Reck, principal autor do estudo. Segundo ele, o departamento deveria “investir em estratégias de auditoria mais amplas, envolvendo inspeções de indivíduos, empresas isentas e outras entidades privadas (como as beneficentes, trustes, etc). Além disso, teria de contratar e treinar um grande número de especialistas para realizarem essas auditorias mais abrangentes.
Desde 2010 o financiamento total do departamento caiu 20%, de acordo com um recente depoimento prestado ao Congresso pelo Comissário da Receita, Charles Rettig. O número de fiscais empregados caiu 30% no mesmo período.
Esses cortes de funcionários levaram a uma drástica queda no número de auditorias realizadas, especialmente no caso dos contribuintes mais abastados. Em meados de 2010, perto de 30% das declarações de renda dos 0,01% dos contribuintes mais ricos dos Estados Unidos eram auditadas. Em 2019 esse número caiu para menos de 10%.
Steven Rosenthal, especialista em políticas fiscais no Urban Institute, que não participou da pesquisa, alertou que os dados das declarações de imposto de renda, a partir da época em que foram impostas medidas severas contra a ocultação de recursos fora do país, são limitados em termos do que podem nos informar sobre a evasão fiscal nos dias atuais.
“Desde o ano 2.000 a Receita Federal fechou contas offshore por meio de uma fiscalização agressiva, informes, etc. E não vejo porque deveríamos esperar que os contribuintes que usaram essas contas no exterior em 2000 migrariam para outra atividade ilegal.”
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Mas Reck refutou, “seria um grande erro afirmar que a evasão offshore não existe mais em 2021”. Para provar seu argumento, ele aponta para informes de delatores sobre grandes bancos que continuaram a ajudar seus clientes ricos a guardarem seu dinheiro fora do país depois das medidas mais repressivas, e também um relatório do Departamento do Tesouro de 2018 criticando a Receita por não investir mais agressivamente contra a evasão offshore e o indiciamento em 2020 do bilionário Robert Brockman, executivo de uma companhia de software acusado de evasão fiscal e manter holdings offshore.
“As pessoas podem ter dificuldade para simplesmente depositar suas fortunas na Suíça agora, mas ainda podem criar redes complexas de entidades offshore e nos Estados Unidos e adotarem posições fiscais agressivas, como fez Brockman”, disse Reck.
Rosenthal também observou que a distinção entre driblar o pagamento do imposto legalmente e a evasão fiscal ilegal fica extremamente turva no topo do espectro de renda, onde bilionários como Donald Trump empregam equipes de advogados e contadores para ampliar os limites do que o código tributário permite. No caso de Trump isto permitiu a ele pagar somente US$ 750 de imposto em 2017 sobre milhões de dólares de renda.
“Reduzir seu imposto a pagar usando muitas estruturas complicadas não é claramente ilegal”, disse Reck. “A Receita Federal pode ganhar ou perder nos tribunais”, ou eles simplesmente podem chegar a um acordo no meio do processo.
“Contratar mais agentes ajudaria, mas a solução para o problema da evasão fiscal da parte dos mais ricos é criar normas fiscais melhores”.
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(Tradução de Terezinha Martino)